"Nunca, desde a criação da ONU e da União Europeia estes valores se viram tão ameaçados. Por isso, devemos levantar a voz e reafirmar esses valores. E, sobretudo, precisamos de paz", disse António Guterres, em Cuacos de Yuste, Espanha, onde hoje recebeu o Prémio Europeu Carlos V.
Guterres sublinhou que há hoje violência "em demasiados cantos do planeta", em guerras como a da Ucrânia, mas também noutras guerras e crises humanitárias que se prolongam, com frequência, "longe de focos" mediáticos.
"A paz nunca se deve subestimar nem dar-se por garantida. Temos de trabalhar por e para ela, todos os dias, sem descanso. Num mundo que se está a despedaçar, devemos sanar as divisões, prevenir as escaladas, ouvir as queixas. Em vez de balas, precisamos de arsenais diplomáticos", defendeu.
Para o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), é preciso reafirmar o primado da paz "entre os homens", mas também o "da paz com a natureza".
Guterres sublinhou que "o caos climático" está "a pôr em perigo a própria sobrevivência da humanidade" e causa fenómenos como incêndios, inundações ou secas que deslocam milhões de pessoas e "exacerbam tensões e inflamam conflitos", pelo que atuar em defesa do planeta "é atuar pela paz".
Mas para "a paz ser sustentável tem de se basear no respeito e na proteção dos Direitos Humanos na sua globalidade", acrescentou, antes de sublinhar que a União Europeia (UE) e as Nações Unidas foram criadas num dos "momentos difíceis" da humanidade, na sequência da II Guerra Mundial, "em torno de valores universais" e que "ambas retiraram milhões de pessoas da pobreza e forjaram a paz em terras agitadas".
"Agora é o momento de, uma vez mais, estar à altura das circunstâncias. Precisamos de unidade e coragem. Temos de reinventar o multilateralismo. Neste sentido, a Europa deve renovar-se para continuar a estar na vanguarda, mas não deve renunciar à sua identidade", defendeu.
Para Guterres, "só uma Europa unida consegue enfrentar os enormes desafios do presente e do futuro" e "o mundo precisa de uma Europa forte, que olhe para fora, não de uma Europa fechada em si mesma".
"Não esqueçamos que a Europa é fronteira e não ilha. Assim, precisamos de uma Europa que defenda sem tréguas os valores universais e os direitos fundamentais para todos, que contribua plenamente para um mundo multipolar, com relações internacionais baseadas na justiça e ajuda aos mais vulneráveis", defendeu.
O antigo primeiro-ministro português lembrou que a UE tem sido "símbolo da solidariedade e da cooperação internacionais" e considerou que tem hoje "a responsabilidade histórica de reafirmar o significado do multilateralismo e trabalhar em solidariedade com aqueles que aspiram a perseguir o mesmo desenvolvimento e bem-estar".
"Neste Dia da Europa, reafirmemos os ideais da paz, justiça e cooperação internacional. Defendamos juntos, sem descanso, a dignidade e os direitos humanos, o diálogo e o respeito mútuo. E construamos um mundo mais justo, inclusivo e digno, que não deixe ninguém atrás", pediu, depois de alertar para a expansão do discurso de ódio, do racismo e da xenofobia.
"É o momento de exigir o direito à vida, à liberdade, à segurança, à liberdade de expressão, ao direito a solicitar asilo", sublinhou, acrescentando que "também chegou o momento de situar a igualdade no centro".
"Igualdade entre comunidades, igualdade entre cidadãos, igualdade entre géneros", disse Guterres, que realçou que a pandemia de covid-19 evidenciou "escandalosas fraturas existentes" no mundo, alimentadas "por um sistema financeiro internacional profundamente injusto", com "os países mais pobre estão asfixiados pela dívida, enquanto os mais ricos puderam investir numa forte recuperação económica".
Está em causa uma "divisão económica e social que corre o risco de produzir fraturas políticas", uma "injustiça que é uma ameaça para a paz" e "uma vez mais, urge reconstruir a confiança, baseada na justiça e na solidariedade", defendeu.
"Hoje, mais do que nunca, no nosso mundo fraturado, construir pontes é a única opção", reiterou.
António Guterres recebeu hoje o Prémio Europeu Carlos V das mãos do Rei de Espanha, Felipe VI, numa cerimónia em que estiveram presentes o Presidente e o primeiro-ministro de Portugal.
O Prémio Europeu Carlos V reconhece o trabalho de "pessoas, organizações, projetos ou iniciativas que contribuíram para o conhecimento geral e o engrandecimento dos valores culturais, sociais, científicos e históricos da Europa, assim como para o processo de construção e integração europeia", segundo a Fundação da Academia Europeia e Ibero-americana de Yuste, que o atribui.
Comentários