Ossanda Liber nasceu em Luanda em 1977. Foi na capital angolana que cresceu e ingressou no curso de Direito até se apaixonar — uma história de amor que a levou a ir viver para Paris, onde começou a formar família. No entanto, as barreiras que encontrou para continuar a prosseguir os estudos universitários, uma vez que não dominava plenamente a língua, levaram a uma mudança para Portugal. Primeiro Coimbra, cidade a que não se adaptou - “na altura já ia com uma filha, fui já com uma vida de uma mulher comprometida e francamente não me adaptei bem à cidade. A minha realidade não era a realidade dos meus colegas” -, e acabou por vir viver para Lisboa, cidade que já conhecia bem das férias em pequena com os pais.
Conta que quando chega à capital, em 2004, encontra uma cidade muito diferente daquela de que se lembrava, “mais moderna, mais aberta e até com um clima diferente”. Inscreveu as filhas numa escola francesa, para que pudessem prosseguir o mesmo programa que tinham começado em França, e desistiu do curso de Direito. “Não era aquilo que eu queria fazer com a minha vida”, confessa.
Experimentou o mundo cinema, “achei que tinha muito jeito para escrever e comecei a fazer uns textos de guionismo e produção audiovisual numa escola no Parque das Nações, a Restart”. Chegou até a ser convidada para dirigir o festival de cinema Hola Lisboa, dedicado ao cinema ibero-americano, e ainda viveu “dois ou três anos” neste mundo antes de perceber que tinha um “padrão de vida que não podia ser alimentado por esse setor que em Portugal ainda é muito desvalorizado e que não permite uma vida tranquila a quem nele trabalha”.
Como diz o ditado, à terceira é de vez e Ossanda acabou por ingressar no mundo dos negócios como elemento-chave para fazer a ligação entre empresas angolanas e a Europa, numa altura em que a economia deste país africano prosperava.
Vive em Lisboa a tempo inteiro há 17 anos e diz que não troca a capital portuguesa por nada. Foi durante a pandemia que, fechada em casa, começou a pensar a cidade.
“A primeira vez que me surgiu a ideia de me candidatar à Câmara Municipal de Lisboa foi no ano passado, quando estávamos em pleno confinamento e a refletir sobre o papel da cidade junto das pessoas. Tínhamos de levar humanidade. Tendo Lisboa gerido bem a pandemia, no geral, penso que falhou aí porque, mesmo no pós-covid, não se viu uma abordagem pessoal”, conta.
A ideia começou a ganhar forma nas conversas com amigos, mas a alteração à lei dos independentes colocava demasiadas barreiras a uma eventual candidatura. “Começámos a pensar como podíamos contribuir de outra forma. Há várias formas de contribuir sem ser estar na câmara. Até que, finalmente, em maio deste ano, saiu a nova lei que repunha a condição de acesso aos independentes. Aquilo foi um 'é agora ou nunca'”.
E como se diz em bom português “nunca digas nunca”. Assim, no dia dois de agosto, o último dia para a formalização das candidaturas, Ossanda Liber e o movimento Somos Todos Lisboa passaram a ser oficialmente candidatos à câmara da capital portuguesa.
Se foi difícil todo este processo de reunir pessoas e assinaturas? “Francamente, há coisas mais difíceis. É um processo que ainda tem o seu grau de complexidade, mas que é fazível”, diz.
A candidatura independente liderada por Ossanda foi passando despercebida numa Lisboa onde os holofotes se concentraram essencialmente no duelo entre Fernando Medina (PS/Livre) e Carlos Moedas (PSD/CDS-PP/PPM/MPT/Aliança), ignorando os outros nove nomes que vão estar nos boletins de voto no domingo. Foi no dia 15 de setembro, no debate transmitido pela RTP que juntou as 11 candidaturas que uma mulher, candidata, fora do conhecido meio político se destacou e causou o frenesim nas redes sociais.
Quem é Ossanda Liber? De onde veio? Como se candidata? Porque se candidata? É de direita? De esquerda? As perguntas começaram a chover e a candidata independente brinca: “Do que é que eu sou? Eu costumo dizer que sou do Sporting”.
“Depois do debate tentaram colar-me à extrema-esquerda, à extrema-direita, aos liberais... Isto para mim significa que a minha postura e a do movimento é de tal maneira transversal que todos se conseguem rever nela. Mas para mim não há espectros, isto é um programa para Lisboa”, sublinha.
Ossanda esgueira-se de encaixar num espaço político, mas não de escolher uma referência política. “Nicolas Sarkozy”, o Presidente francês entre 2007 e 2012.
“É difícil concentrar numa só pessoa todas as qualidades, mas há pessoas com as quais eu me identifico bem, por exemplo, em França, que é uma realidade que eu conheço, há um presidente que na minha ótica foi injustamente tratado no final da sua carreira e que é Sarkozy. Ele era muito pragmático e muito protetor com os franceses, teve um grande trabalho ao nível de coesão social. Gosto do legado que ele deixou em França. Depois surgiram outras coisas, condenáveis, mas que na minha opinião não influenciam o passado da sua governação”, diz.
As ideias do programa que apresenta são baseadas em três eixos fundamentais, Inclusão, Igualdade e Amor a Lisboa. É assim que Ossanda Liber se dá a conhecer.
Ossanda quer um conjunto de políticas que não sejam orientadas quase exclusivamente para o centro da cidade - “Eu ainda ontem estive na Ameixoeira e é duro. Temos um bairro sujo, perigosíssimo, zonas que são inacessíveis, jovens sem equipamentos para se entreterem. O que é que explica isso? Não foi falta de dinheiro” -, quer resolver o problema da habitação num envolvimento entre o setor privado e a Câmara Municipal de Lisboa, com a segunda a colocar os prédios devolutos no mercado e os primeiros a construir e a potencializar zonas da cidade, nomeadamente a Alta de Lisboa e a zona oriental, Beato e Marvila. Para aumentar a oferta do arrendamento clássico, retirando várias casas do regime de alojamento local, propõe que a Câmara surja como uma espécie de fiador dos arrendatários junto dos senhorios, uma ideia que diz ser muito melhor do que “aquela proposta da câmara arrendar a casa aos proprietários”.
Mas, acima de tudo, a cabeça de lista do movimento Somos Todos Lisboa defende o diálogo. É contra a diabolização do carro quando não há alternativas reais e viáveis, é contra colocar automobilistas contra ciclistas da mesma forma que um dia tivemos taxistas contra condutores de empresas como a Uber e defende que as várias formas de transporte, progressivamente mais sustentáveis ganhem espaço em Lisboa. E se as pessoas não percebem o porquê de certa medida ser importante, Ossanda diz que o caminho é falar com elas e explica-lhes. Como? Uma das ideias é destinada ao Parque Meyer onde a candidata à câmara gostava de ver ser criado um Museu da Biosfera “que informava os lisboetas sobre as consequências do que vai acontecer se não fizermos nada em relação à poluição e às alterações climáticas”. Ossanda não foge a colocar como urgência o travar as alterações climáticas no centro das políticas da cidade.
E também não foge em discutir o tema do racismo, apesar de garantir que nas três cidades onde viveu (Luanda, Paris e Lisboa) nunca sofreu essa discriminação. “Nada me foi impedido pelo facto de eu ser negra”, diz. “Não, nunca sofri com racismo. Mas sabe o que é? Eu sou muito segura de mim e eu acho que as pessoas sentem isso. Normalmente quando as pessoas atacam o outro é para fazê-lo sentir-se mal. Obviamente que há pessoas que têm uma visão da vida paralela, vivem num mundo fechado, tanto podem julgar alguém por ser negro como podem julgar alguém por ser gorda, por ser mulher, por ser benfiquista. Se for ao Twitter vemos que tudo é bom para julgar o próximo. Nós temos que ter também a capacidade de nos defendermos com a nossa confiança, com o diálogo, com a compaixão. Agora, com a candidatura, ouvi algumas pessoas dizer “ah e tal ela vem lá de fora”. É ignorância daquela pessoa. Se ela fosse uma pessoa educada e razoável não ia julgar-me por aquilo que são as minhas origens. O Calouste Gulbenkian não era português e deixou um legado incrível e eu conheço bem essa herança, já que quase todos os dias passeio nos jardins da fundação com os meus filhos”, diz.
De tudo isto até ao dia 26 é um saltinho, até porque Ossanda Liber garante que “já ganhou” pelo que conseguiu dar a conhecer das suas ideias aos lisboetas. No entanto, não se mete em hipocrisias. “Ninguém se candidata para nada”, diz, assumindo que o objetivo é chegar à Câmara ou à Assembleia Municipal, para que o movimento possa estar junto do centro de decisões e poder levar a cabo o máximo de medidas do seu programa.
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