“Sinto-me feliz pelo projeto, por estar preso não”, conta Pedro Silva, recluso do EP de Torres Novas, a rir, ao SAPO24. “Sinto-me feliz porque é uma mais valia não só para nós, mas para as pessoas carenciadas também”, explica, referindo-se ao projeto de cabazes solidários que serão distribuídos pela comunidade envolvente. “Não se vê a crescer de mês para mês, vê-se de dia para dia”, acrescenta, orgulhoso. 

Garante que, se tiver oportunidade, também vai aderir a esta agricultura para seu consumo. É uma agricultura que funciona com torres agrícolas verticais e uma técnica de cultivo aeropónico, sem terra. As plantas são nutridas com uma solução de água e nutrientes aplicada diretamente nas raízes suspensas no ar. Não foi difícil Pedro Silva aprender, porque tem gosto, e já tinha feito alguma agricultura, embora não desta forma. “Sinto-me orgulhoso. Se fosse meu, era ainda mais orgulho, mas sinto-me orgulhoso como os outros companheiros. Mas por acaso sou uma das pessoas que tem mais interesse nisto”, confessa. 

O aspeto nutricional também o entusiasma. “Com este projeto, eu vou começar a comer outra vez mais biológico”, conta ao SAPO24. “Gosto muito e sei o que é que vou comer, eu [é que] curo, sei que não tem venenos, não tem remédios… claro que às vezes é preciso por causa de um bichinho ou assim, mas é tudo biológico. E o que é biológico é bom”. 

Um dos objetivos do projeto era criar uma “ocupação positiva do recluso”, explica Margarida Villas-Boas, cofundadora da Upfarming, associação sem fins lucrativos que se dedica a projetos de agricultura participativa e que desenvolveu este projeto Horticultura vertical, Solidariedade Horizontal, numa conferência que procedeu à visita do EP, na qual o SAPO24 esteve presente. “Esta horta, nós já vimos nas últimas semanas, tornou-se um local agregador de guardas, de reclusos, um espaço de cumplicidade, de partilha… É uma horta, precisa de ser gerida, há uma gestão ativa, o recluso é convidado a participar nesse sentido, e obviamente que lhe traz aqui um sentido de objetivo, um sentido de missão. É uma ótima preparação para o que o espera lá fora”.

Pedro Silva concorda. “Isto para mim é bom. Por acaso estou muito alegre por causa disto, e já disse isso à diretora. Temos dias piores, e temos dias melhores, e eu agora peço às vezes para vir ao fim de semana”, explica, ao SAPO24, o recluso que também trabalha na Câmara, a cortar mato, trabalho para o qual já “tinha um bocadinho de experiência”, e que considera uma mais valia. “Há pessoas que estão lá que não tinham experiência, e agora são profissionais”. 

O projeto Horticultura vertical, Solidariedade Horizontal tem três objetivos: capacitar a comunidade reclusa através da formação em agricultura sustentável, melhorar a qualidade nutricional das refeições servidas na prisão e apoiar 100 famílias em vulnerabilidade extrema, através da distribuição gratuita de cabazes com verduras plantadas pelos reclusos. Mas, pelo caminho, também dá experiência a profissionais e deixa pais orgulhosos. 

É o caso de José Tavares, agrónomo da Upfarming descrito pela co-fundadora como “braço direito e braço esquerdo”. Teve um percurso “nada vulgar”, como contou ao SAPO24. Começou por estudar história, e depois andou uns anos perdido em termos profissionais. Começou a interessar-se pela agronomia, mas virado para ideias de agricultura biológica mais convencional. “Nunca na vida pensei que ia trabalhar com este tipo de tecnologias. Apareceu e foi um acaso, um acaso feliz”. 

Para José Tavares, não há dúvidas que o ambiente é “muito simpático e muito saudável, entre guardas e reclusos”, num clima de “respeito mútuo” e entreajuda. “Eu costumo dizer, quando falo sobre este projeto com pessoas que não o conhecem, que uma pessoa se esquece que está numa prisão. E isso às vezes até é problemático, porque há, inclusivamente, uma linguagem que é preciso adaptar”, explica José Tavares. “Eu às vezes estou a falar com um recluso com a maior das naturalidades, e dou por mim a falar de coisas que faço na minha vida do dia a dia. E depois cai-me a ficha e penso: o que estou a dizer é uma insensibilidade, porque esta pessoa não pode fazer isto”. 

“Coitado do Lúcio, por exemplo, que é um homem tão simpático, e tão generoso e cuidadoso com as plantas. Cuida daquilo como se fossem filhos dele”, conta o agrónomo. “Teve um azar, ou cometeu erros na vida dele que o trouxeram para aqui, e não está nas mesmas circunstâncias do que eu. E às vezes nós temos de nos recordar disso, e quando essa recordação nos cai, também nos trás um bocadinho da responsabilidade. Porque da minha parte, acho que é fundamental que isto corra bem, não só pela vertente produtiva, que é mais a minha responsabilidade, mas também pela área social. Eu espero sinceramente que isto acrescente valor à vida dos reclusos, e que lhes ensine qualquer coisa, que os ajude a ultrapassar momentos mais difíceis que eventualmente tenham aqui na prisão”.

Essa responsabilidade é grande também pelo facto de ser um projeto inovador. “Trabalhar com novas tecnologias é muito giro, mas há aqui um mundo de problemas também novos”, explica o agrónomo. “Há um problema quando se usa tecnologia nova que é: com quem é que eu falo? Porque quando um produtor de milho tem um problema, tem mil outros produtores com quem falar, tem casas comerciais que estão habituadas a lidar com aquela cultura, e portanto já tem soluções específicas para aquilo. Quando estamos a falar de uma tecnologia nova, muitas vezes há soluções que nem sequer existem, temos de ser nós a inventá-las”, explica José Tavares, cuja maior preocupação é a habituação a este novo modelo de produção. 

“Nós estamos numa fase muito experimental. Esta tecnologia está, de facto, a surpreender-nos muito pela positiva. Já trabalhámos muito com outras tecnologias, em que fomos percebendo ao longo destes períodos de teste, que se calhar não são tão adequadas como gostaríamos”, explica a co-fundadora do Upfarming ao SAPO24. “Acho que quando se está em ambiente de inovação… não é necessariamente à primeira que se vai acertar. Nós tentamos fazer um trabalho de investigação rigoroso, estamos sempre a testar, temos uma boa equipa, uma ótima relação com a Faculdade de Ciências, temos o José Tavares, que nos dá um suporte incrível em termos de agronomia. Mas sim… há sempre um fator de risco”, admite, explicando que é precisamente por isso que se chama projeto piloto. “Mas que vale a pena, vale”.

É um projeto piloto em várias dimensões. “Porque estamos em ambiente prisional, mas também porque estamos a experimentar uma tecnologia que precisa de ser testada aqui no terreno”, explica a co-fundadora da Upfarming, referindo-se ao clima de Torres Novas, que “pode ser difícil”, nomeadamente pela amplitude térmica, e por ser uma zona muito ventosa. “É dia a dia, estamos a pilotar”. 

Mas há três aspetos que dão alguma confiança à equipa. Em primeiro lugar, ser uma tecnologia que já está no mercado há muitos anos, que é distribuída em muitos países, principalmente em ambientes de estufa - algo que não aconteceu neste projeto por questões essencialmente de investimento. 

Em segundo lugar, pela adesão que houve ao projeto. “Eu acho que a adesão deles é a nossa primeira métrica de sucesso”, diz Margarida Villas-Boas. Acredita que o facto de terem estado envolvidos desde o início, na organização do espaço, na plantação das primeiras sementes e depois no crescimento que, num período de seis semanas, resultou numa "autêntica floresta", fez toda a diferença.

E, em terceiro lugar, porque como explica José Tavares, tem sido um projeto “com pés e cabeça”. Começaram com culturas “mais ou menos simples” e que sabiam que à partida funcionariam, mesmo existindo “coisas muito mais interessantes” que podiam fazer. “Quisemos começar pelo simples, mesmo por causa disso, porque a ideia aqui é ir complicando, mas primeiro fazer o simples”. 

Também o Sr. Martins, guarda prisional, contou ao SAPO24, que o projeto, que “correu maravilhosamente bem”, foi uma “experiência agradável” que permite reabilitar e preparar os reclusos para a vida, mas não deixa de referir que “o futuro a deus pertence, como se costuma dizer”. Orgulhoso do trabalho que foi feito, diz que “depois de toda a dedicação é muito bom ver [o projeto] a correr desta maneira”. Também Margarida Villas-Boas acredita que há espaço para crescer, e admite que a Upfarming tem “todo o interesse em escalar”, embora gostassem de amadurecer um bocadinho este projeto. 

Já Maria Tavares, mãe de José, ficou muito impressionada com o projeto e acredita que é “interessante em termos futuros. É uma forma de produção que, embora à partida exija algum investimento, parece ser em termos ambientais uma enorme mais valia”, diz ao SAPO24. “Estou muito orgulhosa. Já sabia o que ele estava a fazer em Lisboa, mas aqui acho bastante interessante até pela envolvente social”, diz a mãe do agrónomo. “É um contributo para o bem-estar social da própria população de Torres Novas, que eu acho que é muito bem vinda, atendendo à crise que atualmente estamos a passar em termos de alimentos e de pouca água”, conclui.

"Eu acho que é muito importante perceber que o ócio é aqui o grande inimigo. Estas cabeças precisam de ser entretidas com conteúdos positivos. E eu acho que esta é a mais valia deste projeto", diz Margarida Villas-Boas, orgulhosa pela enorme diferença que assistiu na atmosfera do estabelecimento prisional. "Quero dizer, mais vida do que isto... o ver uma semente a germinar e a transformar-se nestes produtos hortícolas absolutamente bonitos, nutritivos e saborosos, por si só diz tudo sobre o projeto".

*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel