A equipa de “A Flor do Buruti”, que compete na secção Un Certain Regard, aproveitou a passagem pela passadeira vermelha para mostrar a sua oposição à tese jurídica do Marco Temporal, sobre a demarcação de terras indígenas, defendida pela direita brasileira, atualmente em discussão no Supremo Tribunal Federal daquele país.
Esta tese, apoiada por grandes fazendeiros e líderes do agronegócio, propõe que o direito à terra dos povos nativos deve ser limitado às áreas sob o seu controlo em 05 de outubro de 1988, quando a atual Constituição brasileira foi promulgada.
Para os manifestantes, citados por agências de notícias, esta “é uma tese perversa que legaliza e legitima a violência a que os povos foram submetidos até à promulgação da Constituição de 1988, especialmente durante a ditadura militar”.
Por isso, hoje, em Cannes, a equipa de “A Flor do Buruti” ergueu os punhos e desfraldou uma faixa onde se lia “O futuro das terras indígenas está ameaçado. Não ao Marco Temporal!”, como descreve a agência Efe.
Esta posição vai ao encontro de argumentos de organizações de povos indígenas, assim como de procuradores da República do Brasil, que já alertaram para a inconstitucionalidade da defesa do Marco Temporal, e de organizações não governamentais, como a Human Rights Watch (HRW).
Para estas organizações, a aplicação do Marco Temporal tornaria impossível a demarcação de terras a comunidades que foram expulsas do território antes da Constituição de 1988, ou que se vejam impossibilitadas de comprovar a sua presença nessa data.
Em abril, a HRW alertou ainda para a situação de insegurança jurídica que aumenta a vulnerabilidade dos territórios indígenas à invasão de redes criminosas envolvidas em exploração mineira ilegal, na extração de madeira e no roubo de terras públicas.
“A Flor do Buriti” é a segunda longa-metragem coassinada por João Salaviza e Renée Nader Messora, rodada com o povo indígena Krahô, do Brasil.
O filme atravessa os u´ltimos 80 anos deste povo e, segundo a sinopse da obra, dá a conhecer “um massacre ocorrido em 1940, no qual morreram dezenas indi´genas”. “Perpetrado por dois fazendeiros da região”, prossegue a descrição do filme, “as viole^ncias praticadas naquele momento continuam a ecoar na memo´ria das novas gerac¸o~es”.
Segundo a produtora Karõ Filmes, o filme foi rodado ao longo de quinze meses na terra indígena Kraholândia, onde os dois realizadores já tinham feito “Chuva e´ Cantoria na Aldeia dos Mortos” (2018).
O nome do novo filme faz referência à flor do buriti, um tipo de palmeira selvagem que cresce no Brasil, e que se encontra no meio da comunidade Krahô, no norte do estado brasileiro do Tocantins.
O local é um bioma fechado – menos húmido do que a Amazónia – que se tornou a região mais devastada pela desflorestação no Brasil, como os dois realizadores afirmaram, em entrevista à agência EFE.
No comunicado de imprensa sobre a obra, João Salaviza e Renée Nader Messora lembram que, atualmente, “diante de velhas e novas ameac¸as, os Kraho^ seguem caminhando sobre a sua ‘terra sangrada’, reinventando diariamente as infinitas formas de resistência”.
A manifestação de hoje tem paralelo na demonstração de 2018, na estreia de “Chuva e´ Cantoria na Aldeia dos Mortos”, também no festival de Cannes, quando Salaviza e Nader Messora, com a sua equipa, alertaram para “o genocídio dos povos indígenas” no Brasil.
A 76.ª edição do Festival de Cinema de Cannes teve início no passado dia 16 e encerra no próximo sábado.
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