"Também podemos combater as alterações climáticas à garfada e a escolher o que queremos no prato", diz convicta Inês Sousa Real, líder do PAN - Pessoas, Animais e Natureza. Há 13 anos que não come carne ou peixe e não tem "saudades nenhumas, pelo contrário, até me faz impressão se o sabor for demasiado parecido com a carne".
Começou por ser uma decisão de empatia pelos animais, depois ganhou consciência do que representava para a sua saúde e para a saúde do planeta. "Não nos podemos esquecer da pegada que a produção e o consumo de carne têm". Como em qualquer regime alimentar, acredita que é preciso saber comer de forma saudável. "Aprendi a fazer as minhas opções", diz.
E não só no que à alimentação diz respeito, mas também às medidas que considera positivas para Portugal. Nesta entrevista, aponta armas ao Chega, acusa Marcelo Rebelo de Sousa de causar instabilidade política no país e fala na falta de visão do PS em áreas como a habitação ou a agricultura. E garante que os ecologistas não são o mal de todos os investimentos em Portugal.
Acredita que há alguma possibilidade de o que aconteceu nos Açores vir a replicar-se a nível nacional?
Sabemos que as regiões autónomas têm algumas particularidades. Esperamos que estas eleições a nível nacional sejam amplamente participadas mas que, acima de tudo, haja um voto responsável e útil para a democracia.
Isto, porque não podemos ficar reféns do voto do medo, muito pelo contrário, é importante que Portugal e os portugueses tenham consciência de que o voto útil tem de ser um voto que se traduza nas causas em que as pessoas acreditam, e não podemos estar reféns de maiorias absolutas nem de uma extrema-direita.
Compreendemos que as pessoas estão insatisfeitas e sentem que de alguma forma o esforço do seu trabalho não está a chegar no seu dia-a-dia, notamos isso quando vemos a subida da inflação, a subida das taxas de juro, até numa medida bastante insensível por parte do BCE [Banco Central Europeu], mas não é através do voto em forças populistas e antidemocráticas que vamos conseguir resolver os problemas que o país tem.
Qual a responsabilidade que os partidos com assento parlamentar, mas o de governo em especial, têm no aparecimento do Chega?
O PAN já mostrou com o exemplo da Madeira que os portugueses não têm de estar reféns nem de uma maioria absoluta, nem de uma extrema-direita. Compreendemos que as pessoas estão frustradas, que se sentem angustiadas porque não vêem o esforço do seu trabalho a traduzir-se numa melhor qualidade de vida.
Mas é importante que as pessoas percebam que não são as forças populistas antidemocráticas que vão resolver os seus problemas. Basta ver que o Chega com 12 deputados aprovou zero iniciativas na Assembleia da República. O problema é que trazem uma agenda que põe em causa os direitos sociais, põe em causa os direitos humanos das mulheres e quer perpetuar selvajarias com os touradas.
É importante para os eleitores saberem a identidade do partidos?
Sem dúvida, e o PAN tem feito esse caminho, até ao nível daquilo que é o crescimento ao longo destes anos. Bem sei que o PAN, quando surgiu, assumiu-se como um partidos que não era nem de esquerda, nem de direita no espectro político partidário.
E agora, como se assume?
Um dos grande desafios desta direcção, que assumi em 2021 - e fui recentemente reeleita - , foi, precisamente, o de fazermos o debate sobre onde colocaríamos ou situaríamos o PAN no espectro político.
E onde se situa o PAN?
O PAN é sem dúvida um partido ambientalista, animalista, um partido de causas, mas que, do ponto de vista económico e social, tem colocado as suas causas no centro da vida política. Somos um partido centro progressista. Ou seja, além de termos uma visão de uma sociedade mais empática, de maior respeito para com as pessoas e com os animais e esta preocupação ambientalista para a vida política, na perspectiva económica e social o PAN está ao centro progressista.
Se é centro, por que motivo tem votado medidas mais à esquerda?
O centro progressista, como bem sabemos, é tendencialmente mais de esquerda. E não nos podemos esquecer que o PAN, como partido moderado que é, também tem diferenças relativamente à esquerda política, até porque, se olharmos, por exemplo, para a habitação, o PAN tem defendido quer os arrendatários, quer os senhorios. Não diabolizamos a iniciativa privada ou o direito que cada pessoa tem, em particular os mais jovens, de sonhar em ter casa própria, temos trabalhado para que também haja benefícios para as pessoas.
E, ao ser o partido da oposição que mais medidas conseguiu fazer aprovar na Assembleia da República, teve um impacto muito directo na vida das pessoas, quer para quem tem casa própria, quer para quem arrenda, quer para quem procura, de alguma forma, ter iniciativa privada de forma justa e socialmente responsável, assim como ambientalmente responsável. Somos um partido moderado.
A minha pergunta é: o PAN viabiliza um governo de direita ou não?
A questão, aqui, é que temos, neste momento, uma Aliança Democrática. E não se pode confundir o PSD com a AD. Há aqui duas questões diferentes: jamais viabilizaremos um governo que tenha o Chega. A extrema-direita não conta com o nosso apoio.
"Luís Montenegro escolheu parceiros que não são do século XXI"
Tirando o Chega da equação - estou a falar no pressuposto de, como tem sido dito, a AD não dar a mão ao Chega.
[Ri] Em relação à AD temos um problema, em nosso entender grave, porque Luís Montenegro optou por dar a mão ao CDS, que quer reavivar as touradas, que tem uma visão conservadora do ponto de vista, até, dos direito humanos, opondo-se a propostas como a morte medicamente assistida, o direito à interrupção voluntária da gravidez, que confrontam com os direitos humanos das mulheres, e ao PPM de Gonçalo da Câmara Pereira, um homem que legitima e acha que é legítimo uma mulher apanhar e que se pôs ao lado da sentença do juiz Neto de Moura. Isto, num país onde temos números tão expressivos em termos de violência doméstica, não deve ser encarado de forma tão leviana. Precisamos de ter responsáveis políticos que se posicionem a favor dos direitos humanos das mulheres e não que passem mensagens desta natureza.
Não percebo como é que Luís Montenegro foi reavivar um aliança desta natureza, porque estamos aqui a dar um sinal muito negativo.
Sobre as touradas, o PCP também é a favor e é de esquerda. Mas ninguém faz a pergunta a Paulo Raimundo. O PAN não se incomoda?
O PAN questionou Paulo Raimundo sobre este tema e confrontou-o com o facto de o PCP ter proposto descer o IVA das touradas. Para o PAN, a causa animal não deveria ter espartilhos ideológicos. Deveria ser algo transversal, independentemente da ideologia política de qualquer partido. Para as pessoas, e especialmente para os animais torturados na arena, é indiferente se a ideologia é de esquerda ou de direita.
O que é fundamental, tal como o PAN tem vindo a defender, é a abolição da tauromaquia e garantir que não existem financiamentos públicos a este tipo de actividades. É por isso que temos colocado a causa animal no centro da vida política e temos defendido que esta compaixão e respeito pelos animais, que são barbaramente torturados, são valores fundamentais do século XXI e têm de ser transversais a toda a sociedade.
Os blocos esquerda e direita estão muito próximos nas sondagens. Disse que daria a mão à esquerda, pergunto-lhe se o faria em relação à direita.
A pergunta é o que é que o PS ou o PSD estão disponíveis para fazer para fazer pelas causas que o PAN representa.
Mas se conseguir negociar essas causas à direita dispõe-se a viabilizar um governo de direita?
Depende do que o partido que esteja em condições de formar governo esteja disponível a fazer. À esquerda a questão que se coloca é exactamente a mesma: estão ou não disponíveis para se aproximar das causas do PAN.
Agora, no caso em concreto desta direita em particular, Luís Montenegro escolheu parceiros que não são parceiros do século XXI. A agenda que o CDS representa e que o PPM representa não se coaduna com os valores progressistas da nossa sociedade. Aliás, o extremar de posições a que temos assistido... Luís Montenegro deixou o centro-direita órfão. A verdadeira social-democracia não está hoje representada no nosso país.
"Os sucessivos ministérios da Agricultura não têm estado à altura dos desafios"
O presidente da República fez o que devia ao convocar eleições antecipadas?
Ao vir dizer que não sabia se não iríamos outra vez a eleições depois do dia 10 de Março, Marcelo Rebelo de Sousa não está a contribuir propriamente para a estabilidade do país. E está até a dar um sinal muito negativo ao país no que diz respeito ao exercício do voto.
Um dos grandes problemas de termos tido a queda deste governo e esta opção de irmos novamente para eleições é precisamente, mais uma vez, a Assembleia estar limitada nos seus poderes, nomeadamente de escrutínio do governo. Até porque foi feita a opção de não permitir que houvesse debates quinzenais com o primeiro-ministro e isto impede um escrutínio por parte da Assembleia da República que, em nosso entender, é inaceitável.
Mas em quatro anos já tivemos duas dissoluções a nível nacional, a meu ver, uma delas, a de 2022, até precipitada, em que não foi dada a oportunidade de apresentar um novo governo, como o PAN defendia. Esta última era inevitável. Duas dissoluções e já temos uma terceira anunciada sem sequer termos ido a eleições, aí é que consideramos que Marcelo Rebelo de Sousa não está a contribuir para a estabilidade governativa, está a anunciar algo sobre um cenário que é hipotético.
Se tivesse de adivinhar, diria que vamos ter mais ou menos abstenção do que o habitual?
Acho que a abstenção vai continuar a ser um problema, vai continuar a estar presente e, se calhar, vamos ter a desagradável surpresa de, quer nestas eleições, quer nas europeias, ter níveis de participação abaixo do habitual. Com eleições em véspera de feriado, provavelmente vamos ter níveis de abstenção preocupantes. Até porque o descrédito na política é assinalável e não é assim que vamos restituir a credibilidade à política. Não se augura nada de bom em termos participativos. São estas opções que em nada beneficiam a democracia.
No programa do PAN uma das áreas que se destaca é o combate à corrupção. Desde que tomou posse, o presidente do Supremo Tribunal de Justiça, Henrique Araújo, tem feito um apelo aos políticos para acabar com as portas giratórias entre a política e os tribunais. Mas ainda não se fez nada. Qual a sua posição nesta matéria, ainda por cima sendo jurista?
O PAN tem trabalho feito na área do combate à corrupção, mas também no fim das portas giratórias. Aliás, foi pela mão do PAN que se conseguiu implementar que deixasse de haver portas giratórias, por exemplo, para o Tribunal de Contas ou para outras entidades em que pudesse haver aqui um período de nojo entre o exercício de cargos políticos e o exercício de funções noutros órgãos, nomeadamente em entidades reguladoras, o que para o PAN é de extrema importância para garantir o distanciamento e evitar a excessiva politização de entidades que possam vir a regular diversos sectores.
O que o PAN tem defendido é que não deve haver uma politização da justiça. Nem o contrário, nem a justiça se deve politizar. Acabámos por ver isso um pouco agora, quando foi este caso da queda do governo, uma justiça que tantas vezes não é próxima dos cidadãos e não tem uma comunicação próxima dos cidadãos acaba por não ser compreendida por quem é o receptor da mensagem.
Mas, no que diz respeito ao exercício dos cargos judiciais, aquilo que o PAN tem defendido é que tem de haver uma maior distância do ponto de vista das nomeações. Basta olharmos para a composição do Tribunal Constitucional para percebermos que este problema é transversal a outras áreas da justiça. Sabemos que a maioria dos juízes é colocada por nomeação dos dois grandes partidos, PS e PSD, não é cooptada pelos seus pares, que é o que o PAN tem defendido.
"Compreendemos que as pessoas estão insatisfeitas e sentem que o esforço do seu trabalho não está a chegar no seu dia-a-dia, mas não é através do voto em forças populistas e antidemocráticas que vamos resolver os problemas que o país tem"
Há países onde alguns membros não são juízes de formação, mas especialistas em diferentes áreas, como economia ou fiscalidade. Concorda?
Depende muito das áreas, mas confesso que olhando para tribunais como o Tribunal Constitucional, até por defeito de formação, acho que faria todo o sentido que aqui houvesse uma maior especialização no Direito Constitucional, entre outras matérias, que são absolutamente fundamentais.
No caso em concreto do combate à corrupção, recordo que, infelizmente, e por boicote que ocorreu por força do PSD, não está hoje aprovado um diploma que já tinha gerado consenso final, que era a regulamentação da lei do lobby e do fomento da transparência.
Na verdade, não foi apenas o PSD. Desde 2016 que se tenta regular o lobby em Portugal; em 2019 o diploma foi chumbado pelo PSD, BE, PCP e PEV. Há dois anos foi rejeitado pelo PS, PSD e PCP.
Mas desta vez havia um consenso para que houvesse uma aprovação, já tínhamos esse sinal por parte do PS, e o PSD pediu o adiamento, impedindo a votação desta iniciativa. Quer era de extrema importância para que as pessoas soubessem com quem é que os governantes e o legislador se sentam aquando da tomada de decisão.
Mas o combate à corrupção tem de ser, de facto, um desígnio de todas as forças políticas. E aqui não basta agitar a bandeira do combate à corrupção, é preciso ser coerente e é preciso ser consequente nas acções. E o PAN foi o único partido da oposição que conseguiu aprovações já no final desta legislatura. Foi pela nossa mão que conseguimos alterar o Orçamento do Estado e garantir que este ano vai ser renovada a Estratégia Nacional de Combate à Corrupção.
Que não basta aprovar, como disse, tem de se implementar.
Garantimos também o reforço dos meios e temo-nos batido para que existam técnicos de apoio aos gabinetes, em particular do DCIAP [Departamento Central de Investigação e Ação Penal]. Recordo que estamos a falar de uma verba absolutamente irrisória, cerca de 50 mil euros por ano para cada gabinete. Foi o Tribunal de Contas que fez o relatório.
Olhando para aquilo que são os estudos e os relatórios, é fácil perceber onde é que o dinheiro deve ser investido. E, se estivermos atentos, o legislador tem mais do que margem para apresentar soluções. E o PAN apresentou essas soluções. Um dos meios de combate à corrupção tem de ser as equipas técnicas da cooperação internacional. Sabemos que cada vez mais temos fenómenos de corrupção além fronteiras, em que a cooperação internacional é absolutamente fundamental, e algo tão simples como a existência de tradutores põe muitas vezes em causa haver uma maior celeridade dos processos.
Até porque não podemos ter uma justiça que, continuadamente, é uma justiça forte com os mais fracos e fraca com os mais fortes. Processos como o caso da Operação Marquês, que se arrastam durante anos, não fazem qualquer sentido para nós- E é uma descredibilidade para a justiça que não cabe na cabeça de ninguém.
"Somos um partido centro progressista"
O Ministério Público tem um estatuto à parte. O PAN tem uma proposta para a sua reorganização?
Não acompanhamos propostas como, por exemplo, a do PSD, em que acaba por haver uma ingerência que belisca a autonomia judicial. Achamos que tem de haver uma maior capacidade de auto-regulação e de inspecção interna, ou seja, de fiscalização interna do ponto de vista dos conselhos superiores de magistratura, mas não é politizando a magistratura que vamos resolver os problemas que existem.
Aliás, respeitamos a independência da Procuradoria-Geral da República, do Ministério Público. E aqui, permita-me voltar um pouco atrás, há um grande risco do excesso de politização da justiça, que é precisamente condicionar a tomada de decisão.
O pacto de Justiça está na gaveta há anos, desde 2015 que se fala no famoso pacto de Justiça e na reforma que é necessário fazer, e, no entanto, não tiram da gaveta o pacto de Justiça. Era fundamental termos esta revisão, termos também esta reforma necessária e os meios de que a justiça carece.
Hoje em dia qualquer contribuinte vê a AT [Autoridade Tributária] tramitar processos, por exemplo, das parcerias público-privadas rodoviárias, são coercivamente e até abusivamente cobradas as taxas de portagens das SCUT no interior do país. Mas, depois, quando o cidadão quer ver o seu direito ou a sua pretensão ressarcida em tribunal, os processos levam anos, há uma morosidade excessiva. Há aqui uma máquina musculada do Estado que está a ser utilizada a favor de alguns privados quando, na verdade, devíamos ter uma reforma que agilizasse a justiça do quotidiano e não apenas a dos grandes processos de corrupção.
Isso é uma critica a este PS, se pensarmos que está no poder há nove anos e que, se vier a ganhar eleições, é um PS de continuidade?
Sem dúvida. Não nos podemos esquecer, e aqui é muito importante, um voto no PS ou no PSD é votar em mais do mesmo. Não vai ser garantindo um voto nestas forças políticas que têm oscilando em torno do poder que vai fazer a diferença. Se queremos transformar a sociedade, isso passa por dar oportunidade a partidos como o PAN, que têm feito a diferença na política portuguesa e têm feito avançar as suas causas através do diálogo, da oposição construtiva e fazendo prevalecer os interesses das pessoas.
"Em relação à AD temos um problema, em nosso entender grave, porque Luís Montenegro optou por dar a mão ao CDS, que quer reavivar as touradas, e ao PPM de Gonçalo da Câmara Pereira, um homem que acha que é legítimo uma mulher apanhar"
Passamos para a agricultura, um dos assuntos do momento. Os agricultores estão a manifestar-se também porque tiveram cortes de 35% nas ajudas à agricultura biológica e de 25% à produção integrada. E o pacote que foi apresentado à Comissão Europeia por Portugal é muito inferior aos pedidos de ajudas dos agricultores para se modernizarem. Consegue explicar isto?
É uma incoerência por parte do Ministério da Agricultura. Aliás, os sucessivos ministérios da Agricultura não têm estado à altura dos desafios dos nossos tempos.
As alterações climáticas são sem dúvida um dos maiores desafios que se apresenta aos nossos agricultores e, se queremos garantir uma capacidade de soberania alimentar e que Portugal não vai ter em breve uma escassez de alimentos e uma ruptura daquela que é a nossa capacidade produtiva, temos de adaptar a nossa agricultura e temos de a modernizar.
E isso passa por medidas como as que o PAN tem apresentado, e recentemente conseguimos aprovar uma alteração ao uso dos solos, à Lei da Água, para garantir que toda e qualquer instalação tem planos de gestão da água e planos de adaptação e de avaliação ambientais, mas também passa necessariamente pelo envelope financeiro que é feito chegar aos agricultores.
E aqui não podemos ter, como ainda agora, uma alteração por despacho e uma portaria da ministra da Agricultura com apoios para quem quer produzir touros de lide, a incentivar e desviar dinheiros da Política Agrícola Comum para se torturarem animais na arena ao invés e estarmos a incentivar a agricultura biológica ou inovação tecnológica.
Isto é uma falta de visão e é ceder mais uma vez ao lobby de meia dúzia de famílias cujo status quo continua intocável no nosso país, ao invés de ajudarmos os pequenos e médios agricultores, que neste momento estão a passar por graves dificuldades, e tomarmos medidas incompreensíveis.
Porque a PAC vai ter de estar fortemente alinhada com o Pacto Ecológico Europeu, se queremos garantir que protegemos os agricultores. E isso não se faz nem cortando a verbas, em particular da agricultura biológica ou até mesmo da adaptação tecnológica e da mitigação e prevenção para as alterações climáticas, mas também não se faz com medidas como as que tivemos recentemente no Algarve, em que o ministro da Ambiente vem impor as quotas de 70% para o fecho das águas para toda a agricultura, não fazendo a diferença entre os agricultores de produção tradicional, como é o caso da laranja, ou até de quem tenha boas práticas de produção ou produções de sequeiro, e juntar tudo no mesmo saco, misturando estes agricultores com os de produção intensiva ou super intensiva.
"Respeitamos a independência do Ministério Público. Aqui, há um grande risco do excesso de politização da justiça, que é precisamente condicionar a tomada de decisão"
Falou na água. Que soluções propõe o PAN? É a favor das auto-estradas da água, como lhes chamam, dos transvases, da dessalinização? O que propõe?
São muitos temas diferentes e muitos temas juntos.
Têm em comum a água e a sua gestão.
É tudo água e, infelizmente, apesar de hoje estar a chover, ela escasseia.
E é um problema antigo.
Não é um problema novo, efectivamente. Esta proposta que o PAN conseguiu fazer aprovar vai ser claramente diferenciadora, porque nunca tivemos até hoje a obrigatoriedade de fazer estes planos de gestão da água pensados a 50 anos. Infelizmente, as políticas têm sido muito em cima do joelho e a pensar apenas no amanhã, esquecendo-nos da sustentabilidade que as políticas públicas têm de ter.
Por outro lado, no que diz respeito à utilização da água e à capacidade de retenção, não basta pensarmos em auto-estradas da água, em que estamos, no fundo, a desviar o problema. Estamos a dizer temos hoje um problema no Algarve, vamos tirar água ao norte do país, esquecendo-nos que as alterações climáticas também já estão a bater à porta dos produtores do norte do país, inclusivamente, à região do Douro, que é uma zona economicamente muito relevante em matéria de produção. Desviar água de um lado para o outro só nos vai trazer um problema amanhã com a solução do presente.
Agora, a dessalinização, no entender do PAN, não deve ser posta em causa, desde que e sempre que seja feita a avaliação de impacto ambiental e sejam garantidas medidas de mitigação. Porque sabemos que também há uma pegada ambiental por força da dessalinização. Desde que seja feita de forma ambientalmente e socialmente responsável, o PAN não diaboliza este tipo de iniciativa.
Há que olhar para o território de outra forma, porque se compatibilizarmos o uso dos solos e, sobretudo, olharmos para a floresta e não permitirmos esta devastação que estamos a ter do património natural... Hoje, estamos a pensar numa suposta economia verde - e digo suposta porque, quando olhamos para a instalação de painéis de centrais fotovoltaicas, destruindo amplas áreas de sobreiro, de azinheiro e de outras árvores protegidas, ou para o plano nacional ferroviário, em que mais de 16 mil sobreiros vão ser destruídos só em Sines, percebemos tudo tem impacto na utilização da água.
"Os sucessivos ministérios da Agricultura não têm estado à altura dos desafios dos nossos tempos"
Porque é que estes assuntos não são discutidos na Assembleia da República a não ser quando há uma emergência? E nunca ouvi o PAN falar de mar, que me lembre, estava a lembrar-me da exploração das eólicas offshore...
Tem sido pela mão do PAN que a questão dos oceanos tem sido discutida na Assembleia da República. Recordo que nesta legislatura, como deputada única tinha apenas um minuto para falar e não tinha agendamentos potestativos, tinha apenas dois agendamentos em quatro anos. Conseguimos, felizmente, mudar o regimento no final da legislatura, aumentando os direitos dos deputados únicos. Queremos ter um grupo parlamentar, portanto, é um legado que deixamos para futuras forças políticas que possam ter um deputados único.
Mas, a verdade é que foi pela mão do PAN que se discutiu a existência de um Tratado dos Oceanos, que não existe, e que consideramos fundamental. Porque a gestão dos oceanos tem de ser feita tendo por base a cooperação internacional. Por outro lado, também foi o PAN que conseguiu aprovar a criação dos chamados hope spots, lugares de esperança no oceano, para que se protejam e reconheçam zonas de reserva como, por exemplo, a da Pedra do Valado, no Algarve, em que é fundamental garantirmos que as zonas de berçário marinhas são intocáveis.
Foi também pela mão do PAN que conseguimos aprovar no Orçamento do Estado a colocação de eco-ilhas nos portos marítimos para reduzir a degradação de ecossistemas.
Falou em diversas iniciativas, mas depois é preciso vê-las implementadas.
Compete ao governo a sua execução e temos pugnado por exigir do governo essa execução.
Há alguma esperteza dos governos em aprovar medidas que depois não são levadas a cabo? A Assembleia da República é também para fiscalizar isso, tem feito o esse trabalho?
Acompanhamos a monitorização das nossas propostas. Recentemente, tivemos um novo reconhecimento de uma zona protegida no Algarve, precisamente após esta iniciativa do PAN, tivemos também outra alteração importante, a gestão da Lei da Água, que se traduz nua entrada em vigor da legislação. Não está dependente de execução, e, mesmo ao nível da monitorização, passou a haver esta obrigatoriedade.
Agora, o PAN precisa de mais força, precisamente porque sabemos que com um grupo parlamentar teremos mais direitos, até do ponto de vista parlamentar, para a nossa fiscalização. As nossas propostas tiveram impacto financeiro, vamos vivendo e aprendendo. Conseguimos quantificá-las, inclusivamente.
"A DGAV [Direção-Geral de Alimentação e Veterinária] deixou prescrever mais de 500 processos e não houve qualquer consequência"
Consegue dizer quantas medidas foram implementadas do total de medidas aprovadas?
No Orçamento [do Estado] de 2023, mais de 70% das propostas foram executadas e o restante estava em execução. Portanto, quando partimos para a negociação do Orçamento do Estado de 2024 já tínhamos por base o relatório da execução das medidas. Não caímos no erro de estar a ir para uma negociação sem ter o balanço do que se fez. Até porque se estamos se estamos num pressuposto de boa fé de parte a parte, eles sabem que têm de nos enviar esse relatório.
Qual é para si um bom resultado nestas legislativas?
Sem dúvida que será alcançar um grupo parlamentar, porque dá-nos mais força para fazer avançar as nossas causas. Se com apenas uma deputada já fomos a força da oposição que mais medidas fez aprovar, sendo um grupo mais força teremos.
Há pouco queria ter-lhe perguntado como vê a decisão deste governo de ter passado ao animais para a tutela das florestas em detrimento da veterinária. Faz sentido? Porque para os agricultores não faz.
Recordo que isso partiu até de uma reivindicação do PAN. Faz todo o sentido. Não podemos misturar aquilo que são interesses económicos, que são de exploração, com aquilo que é o bem-estar animal. O bem-estar animal tem de estar autonomizado.
Nas florestas e não na veterinária?
A ideia do PAN era até que fosse uma secretaria autónoma, uma Direcção-Geral do Bem-Estar Animal completamente independente e que não estivesse, neste caso, no Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas.
Na veterinária de forma alguma. Basta ver que a DGAV [Direção-Geral de Alimentação e Veterinária] deixou prescrever mais de 500 processos, e não houve qualquer consequência naquilo que foi a total irresponsabilidade, para perceber que há uma inércia.
"Para o PAN é fundamental garantir que há um mecanismo travão para as famílias não serem despejadas"
Que tipo de processos?
Processo de contra-ordenação, ou seja, de violações do bem-estar animal. E não houve qualquer consequência, nem disciplinar, nem política, o que é completamente inaceitável.
Não só estamos a falar de violação do bem-estar animal, como também estamos a falar de uma inércia por parte dos serviços que tinham de ter tramitado esses processos.
Para o PAN a solução passaria por uma direcção-geral autónoma que garantisse o bem-estar animal. Ainda assim, foi um passo importante para que não houvesse uma visão unicamente sanitarista como a que existia na DGAV.
Até porque não nos podemos esquecer que isto surgiu no seguimento do episódio em que morreram mais de 70 animais carbonizados na Serra da Agrela. A DGAV foi lá bater à porta e voltou para trás porque a morada estava errada. Portanto, há aqui uma inércia de anos e anos por parte dos serviços que deve instar a uma mudança mais concreta do ponto de vista das políticas públicas.
Quando falamos de protecção animal também estamos a falar de proteger as famílias e de medidas sociais. Quando o PAN conseguiu que os hospitais públicos veterinários passassem a estar inscritos, estamos a falar de uma medida que é de apoio à protecção animal, mas também, em primeira linha, de apoio às famílias mais carenciadas, que assim têm acesso ao tratamento médico-veterinário.
Qual a proposta do PAN para resolver o problema da falta de habitação a preços comportáveis pelas famílias?
Sabemos que as famílias estão a atravessar inúmeras dificuldades no acesso à habitação. Pagar hoje um quarto, já não falo de uma casa, em cidades como Lisboa ou Porto pode ascender a mais de 400 euros. E mesmo quando querem mudar de casa, basta ter animais de companhia para ver barrado o seu acesso à habitação e ter inúmeras dificuldades em conseguir garantir esta mobilidade como antigamente.
Por outro lado, o PAN tem conseguido ao nível do Orçamento do Estado algum caminho. Foi pela nossa mão que se acabou com as comissões bancárias abusivas.
O que propõe o PAN para a próxima legislatura?
Neste Orçamento do Estado [2024], e é importante ter esta percepção, entrou já em vigor o fim das comissões bancárias abusivas, o que já vai ter um impacto na vida das famílias este. Assim como aumentámos o tecto das deduções em sede de IRS, mais 100 euros na dedução das rendas, o que é igualmente importante.
Pelo caminho ficaram medidas que nesta legislatura nos parecem muito importante conseguirmos viabilizar, e que mereceram o voto contra, por exemplo, de forças políticas como o PS e o PSD, como por exemplo garantirmos a suspensão da execução da penhora da casa da morada de família. Foi uma medida que tivemos em vigor aquando da pandemia e que, num contexto em que repentinamente subiu a inflação, aumentando os custos da alimentação e demais despesas mensais das famílias, mas também as taxas de juro, faria todo o sentido manter. Para o PAN é fundamental garantir que há um mecanismo travão para as famílias não serem despejadas, até porque temos cada vez mais pessoas que trabalham e não conseguem pagar casa própria.
Por outro lado, fizemos aprovar também, já no fecho desta legislatura, o levantamento de todo o património imóvel do Estado, e isto é importantíssimo ser executado já este ano. Não nos podemos esquecer que o Estado é um dos maiores proprietários do nosso país.
"Estive [no hospital] com pessoas que estavam à espera há mais de sete horas, inclusivamente pessoas de alguma idade e com fracturas igualmente graves"
Lá está uma medida que já foi decidida uma quantidade de vezes, até por este governo, mas não deu frutos.
Ela foi aprovada pela Assembleia da República já no final desta legislatura e aquilo que se pretende é que seja feito este levantamento do imobiliário, mas também o levantamento do uso a que cada imóvel está afecto e do seu estado de conservação. Para que, efectivamente, possa ser colocado ao serviço da população; para alojamento estudantil, para habitação das famílias, para as vítimas de violência doméstica.
Precisamos de pensar não apenas a médio e longo prazo, porque a construção sabemos que vai levar o seu tempo, mas a curto prazo, porque as pessoas precisam de uma resposta no imediato.
O Estado ainda não nos deu este relatório, mas ao nível do alojamento estudantil temos mais de 16 mil camas identificadas como necessárias e que ao nível da habitação são mais 30 mil fogos que é preciso para dar resposta e para equilibrar o mercado. Agora, é preciso criar outros instrumentos, não apenas ao nível do arrendamento acessível - e defendemos que o Porta 65 deve ser alargado -, mas também ao nível da habitação própria.
Temos cada vez mais os jovens a sair tarde da casa dos pais, com dificuldade de autonomia. E para o PAN é fundamental garantir que os jovens têm acesso a crédito bonificado, como tiveram as anteriores gerações, antes do tempo da intervenção da troika. O regime do crédito bonificado foi rejeitado - e há claramente um preconceito ideológico de quem rejeita esta medida. Não podemos dizer aos jovens que não têm direito a sonhar com casa própria.
Ainda assim, Portugal tem uma taxa de proprietários elevada, cerca de 70%.
Deixe-me só acrescentar: a diabolização que certa esquerda faz em relação à casa própria significa entregar aos fundos imobiliários o direito à habitação. A propriedade privada não pode ser um privilégio de alguns, tem de ser um privilégio de todos. Dizer que vamos apenas entregar ao mercado do arrendamento acessível e ao Estado o acesso à habitação é a mesma coisa que dizer às pessoas que bem podem esperar sentadas ou à porta da rua por uma solução de habitação que não vai chegar.
Sabemos que o Estado vai demorar a colocar no mercado de arrendamento acessível o seu património, infelizmente tem sido essa a marca dos sucessivos governos. Estamos a falar de pequenos proprietários, de gente que, muitas vezes, poupou uma vida inteira para ter uma casa e que vê na renda que recebe um complemento da sua reforma. E temos de ter soluções para ambos, para os arrendatários e para os pequenos senhorios, sob pena de serem os fundos imobiliários a dominarem totalmente o mercado e a asfixiarem o mercado e a controlarem os preços.
Nesta campanha partiu um braço. Lembro-me que na última campanha magoou as costas. Sei que agora tropeçou numa grelha que não estava bem colocada no chão, em Lisboa, e acabou no Hospital de São José. Foi bem atendida?
Acho que os nossos profissionais fazem sempre o melhor que podem dentro das condicionantes que têm. De facto, a pressão que é sentida nos hospitais, independentemente de ter sido muito bem atendida, fez com que estivesse com pessoas que estavam à espera há mais de sete horas, inclusivamente pessoas de alguma idade e com fracturas igualmente graves.
Temos de pensar naquilo que são as respostas para o nosso serviço nacional de saúde, quer a nível da falta de médicos e de outros profissionais, como enfermeiros, quer a nível do reconhecimento.
"Precisamos de abrir mais especialidades. Aí, achamos que não deve ser deixada a decisão apenas à Ordem dos Médicos"
Acha que é um problema de falta de profissionais ou, sobretudo, de falta de organização? Porque o orçamento da Saúde nunca foi tão elevado.
Temos as duas situações em simultâneo. Falta de profissionais, que neste momento já nem estão a ir para o privado, estão a ir para o estrangeiro - temos mais de 30% dos jovens que nasceram em Portugal a emigrar, não estamos a conseguir rejuvenescer a administração pública e menos ainda o Serviço Nacional de Saúde.
Com as sucessivas reformas, só no Algarve - estivemos recentemente no Algarve, precisamente numa visita à unidade hospitalar -, aquilo que nos sinalizaram foi a falta de mais de 500 enfermeiros para suprir as necessidades no imediato. Temos de olhar para o SNS doutra forma. Uma coisa é colmatar as necessidades das filas de espera, garantir que uma pessoa, ao fim de determinado tempo de espera, tem a consulta ou o serviço médico de diagnóstico pago no privado. Coisa diferente é substituir os profissionais por tarefeiros, porque aí estamos a pagar mais pelo mesmo serviço, não estamos a captar talento, nem mesmo do ponto de vista do desafio profissional estamos a garantir alguma coisa. Portugal pode e deve apostar na tecnologia, na inovação, nas especialidades.
Mas aqui o corporativismo é ou não um travão a que algo de diferente se faça?
Precisamos de abrir mais especialidades. Aí, achamos que não deve ser deixada a decisão apenas à Ordem dos Médicos.
Até porque foi feita a tentativa de criação de uma nova especialidade para resolver o problema das urgências e foi chumbada.
Mas não nos podemos esquecer que um dos grandes problemas está nos cuidados primários, precisamos de apostar fortemente na prevenção da saúde. E precisamos de garantir que os médicos de família são um pilar essencial dos cuidados de saúde primários em Portugal.
Não podemos ter mais de um milhão de portugueses sem médico de família. Ainda outro dia disse isto e vieram contrapor e dizer que havia médicos a mais em Portugal. Não há médicos a mais, quando temos um milhão de portugueses sem médico de família, claramente há um défice de médicos no sistema de saúde em Portugal. Com as reformas, sabemos que vamos ter perto de dois milhões de portugueses sem médico de família. Se não se prevenir, o que vamos ter é sistematicamente os hospitais a terem de dar uma resposta que caberia aos centros de saúde.
E a sua proposta é?
Apostar na exclusividade. O PAN não defende as parcerias público-privadas para o Serviço Nacional de Saúde.
Mesmo que se prove serem mais eficientes? Há pouco falou no Tribunal de Contas, que tem sido favorável.
O que o Tribunal de Contas tem dito é que houve algumas parceiras que resultaram, mas a sua maioria não resultou. E os tempos de espera não foram eficientes, muitas vezes foram até incapazes de dar resposta às necessidades. O que o PAN defende é aquilo que possa ser a aposta na exclusividade da dedicação dos médicos ao SNS, garantir que existem outros pacotes de incentivo e de atractividade para a carreira, como por exemplo as especialidades, a inovação, a tecnologia.
Garantir também, mesmo através dos centros de investigação, o reconhecimento de carreiras como a dos técnicos auxiliares de saúde e dos meios complementares de diagnóstico, uma promessa muito antiga e que tem ficado na gaveta. Conseguir também conjugar a atractividade da carreiras à oferta da habitação - aqui há um problema transversal ao ensino, aos professores e aos agentes de segurança pública.
"Achamos que deveria existir um círculo de compensação nacional"
Tem médicos a viver em carros?
Não temos médicos a viver em carros, mas sabemos que a colocação, muitas vezes, acaba por ser um problema grave por causa da sazonalidade e dos picos de turismo no Verão, que tornam difícil encontrar habitação. Temos de olhar para o território e pensar que o território não é só Lisboa e Porto.
Os médicos não querem ir para o Algarve, abrem-se concursos e ficam vazios. É por causa da habitação?
Por isso temos de pensar na atractividade. Se não pensarmos em termos de carreira e na especialidade, sabemos que dificilmente os vamos conseguir reter. Agora, quando se fecha a obstetrícia, quando se fecha o apoio à saúde mental, quando sistematicamente não apostamos na inovação, acaba por haver um afastamento destes profissionais do SNS e, pior, do país.
O Estado tem de olhar para os diferentes sectores da sociedade, para a saúde, para a educação, para as forças de segurança - e para os bombeiros, também. Porque tem-se falado muito, por força das reivindicações recentes, no seguro de risco e reforma antecipada das forças de segurança, mas temo-nos esquecido dos bombeiros, sejam profissionais ou voluntários, quando não nos podemos lembrar deles só no Verão, quando o calor aperta e os incêndios espoletam. São sectores essenciais para o serviço público.
Queria ainda saber a sua posição sobre este tema: o PAN teve 88.127 votos nas últimas legislativas. O CDS teve mais: 89.113. É justo o CDS ter ficado fora da Assembleia da República?
Não. Por mais diferenças ideológicas que possa ter, achamos que deveria existir um círculo de compensação nacional, como acontece na Região Autónoma dos Açores, e permitir a eleições de forças políticas que tiveram esse número de votos.
Defendemos também a revisão dos círculos eleitorais, a revisão do método de Hondt, que permitiria uma distribuição mais justa dos mandatos e vez de permitir que grandes partidos, como o PSD, saíssem sempre beneficiados, porque a partir de um determinado número de votos acabam por extrapolar e é mais fácil para os grandes grupos elegerem deputados do que para os pequenos partidos. Acaba por haver um desperdício de votos.
Aliás, o desperdício de votos que não são contabilizados acaba por não se traduzir numa representação directa. Além de frustrar o eleitorado, também temos o problema da sub-representação de algumas regiões do país. O círculo de compensação permitiria, pelo menos, uma maior aproveitamento dos votos, sendo certo que, no limite, eles estão a contribuir também para que os partidos possam exercer a sua actividade através do financiamento que depois é dado aos partidos.
Estamos a falar da reforma do sistema eleitoral, uma coisa que já foi acordada há anos pelo PS e pelo PSD, mas nunca foi posta em prática.
A questão é que não beneficiando os grandes partidos de poder, não há interesse verdadeiro em mudar o sistema eleitoral.
Por isso há pouco lhe perguntava qual o grau de confiança que se pode ter em acordos assinados pelos políticos.
Acho que a vida política tem de ser algo confiável. E por isso é que as pessoas têm que perceber que o voto útil não pode ser nem um voto do medo, como aconteceu em 2022, tem de ser um voto nas causas que as pessoas queiram ver representadas na Assembleia da República.
É importante que as pessoas percebam que a utilidade do seu voto pode fazer a diferença na sua vida. Por exemplo, o PAN conseguiu aprovar a taxa de carbono, que está hoje a financiar os passes sociais, em três anos já foram mais de 92 milhões de euros. Esta velha máxima de que a justiça ambiental é sinónimo de justiça social pode ser posta em prática.
"Isto até demonstra algum paternalismo e, mais uma vez, machismo na nossa sociedade. Lamento que lidem muito mal por verem uma mulher à frente da liderança do PAN"
Depois temos outro problema. Temos os passes sociais, mas não temos os transportes.
Por isso é que defendemos que não podemos discutir só o aeroporto, temos de discutir também a ferrovia, urbana e regional, e precisamos de alargar os transportes públicos.
Queria falar nos ambientalistas enquanto empatas do desenvolvimento. Muitas vezes são mais papistas que o papa e esquecem a intenção da lei, que não era travar desenvolvimento, era garantir sustentabilidade. Fica a ideia para muita gente de que são os ecologistas que atrapalham o andamento do país. São?
Não é a ecologia, o que atrapalha o andamento do país são os interesses de alguns grupos económicos e de alguns sectores de lobby. Não nos podemos esquecer, e basta ver o caso que acabou por deitar abaixo este governo, a Operação Influencer e o centro de dados, em que estamos a falar de dois mil milhões de euros de fundos públicos. Dois mil milhões de euros é muito dinheiro.
Quando falamos em acabar com as borlas fiscais e com as isenções para as grandes petrolíferas, olhando para o Orçamento do Estado, estamos a falar de 300 milhões de euros, o equivalente a quatro milhões de passes sociais. É possível fazer a transição verde, é possível pugnamos por uma economia verde.
Há ou não um sector da administração pública que parece nascido para empatar, para atrapalhar e criar mais burocracia e entraves? Para afastar investimento?
A desmaterialização não se pode confundir com tráfico de influências. Podemos e devemos desmaterializar procedimentos, basta olhar para o urbanismo para perceber que se uma pessoa quiser mudar o uso da sua habitação ou o uso de um armazém para transformar em habitação, toda a burocracia que está inerente é absolutamente desnecessária e isso só fomenta os fenómenos de corrupção. Há um caminho que tem de ser feito que é importante, mas estamos a falar de procedimentos administrativos e não de procedimentos ambientais.
Mas por que motivo não tentamos encontrar soluções e estamos sempre a procurar problemas?
O tecido económico português é maioritariamente composto por pequenas e médias empresas. E temos de fazer chegar o dinheiro a este tecido empresarial que quer evoluir, que quer apostar na transformação digital, na inovação tecnológica, na economia verde. Até porque cada euro investido na economia verde tem o potencial multiplicador de dois euros. Podemos e devemos galvanizar o desenvolvimento da nossa economia.
Termino com uma provocação, pergunto-lhe o que tem a dizer sobre o facto de André Silva, ex-deputado e líder do PAN, ter afirmado que o PAN "já não tem coluna vertebral" e, por isso, saiu.
Acho que é uma afirmação absolutamente infeliz. E até acho, de alguma forma, de má fé por parte de André Silva. E o tempo em que optou por sair acaba por denotar claramente um dano que está a fazer ao partido de que fez parte e até a apagar o legado, porque os anteriores líderes também têm um dever de respeito para com o partido que representavam. O PAN é hoje o partido da oposição que mais medidas conseguiu fazer aprovar, o que demonstra uma influência clara perante o governo.
E isto até demonstra algum paternalismo e, mais uma vez, machismo na nossa sociedade. Lamento que lidem muito mal por verem uma mulher à frente da liderança do partido. Mas recordo que o PAN de André Silva aprovava dois milhões de euros para a protecção animal, o PAN de Inês Sousa Real aprovou 40 milhões de euros em dois anos de mandato. Isto marca claramente a diferença do partido ao nível da sua actuação.
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