Jean Wyllys, deputado federal do Rio de Janeiro, anunciou, em 24 de janeiro, que ia desistir do novo mandato e deixar o Brasil, após receber ameaças de morte, situação que se arrasta desde o homicídio da vereadora Marielle Franco, também pertencente ao partido de Wyllys, o Partido Socialismo e Liberdade (PSOL).

Wyllys tornou-se, ainda segundo a imprensa brasileira, o primeiro deputado parlamentar assumidamente gay a apoiar assuntos relacionados com a comunidade LGBT (sigla de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais ou Transgêneros).

E foi num discurso crítico sobre o presente e futuro do Brasil, durante um evento na Universidade de Coimbra, em que deixou vários recados a uma esquerda brasileira desunida, Jean Wyllys afirmou que acredita que quem vai derrubar o Presidente Jair Bolsonaro (extrema-direita) será Marielle.

"Será a memória dela e será a revelação de que há relações profundas entre quem hoje ocupa a presidência [do Brasil] e o assassinato dessa mulher que tinha muito para dar à humanidade [que vão derrubar Bolsonaro]", vincou o antigo deputado do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL) - o mesmo partido de Marielle -, que desistiu do seu mandato e saiu do Brasil, face às crescentes ameaças de morte que recebia.

Para Jean Wyllys, forte crítico do Presidente do Brasil mesmo quando políticos são eliminados, como aconteceu a Marielle, cujo "corpo físico desapareceu", as ideias permanecem.

"O assassinato de Marielle não significa o fim de Marielle", sublinhou, antes de dizer "Marielle Presente", palavra de ordem, acompanhada pela plateia, que irrompeu em aplausos.

No seu caso, entende que o sistema "decidiu que precisava" de o eliminar.

"Se não me eliminava pela destruição da minha reputação, da minha imagem pública, convertendo-me num pária, como fez Goebbels aos judeus na Alemanha nazi, então [o sistema iria eliminar-me] através da morte real, com um assassinato encomendado a sicários ou forjado. Quando me dei conta disso, que estava relativamente sozinho, tomei a atitude radical da defesa da vida, porque recuar é também uma estratégia de luta", sustentou, sobre o seu exílio.

Para o político brasileiro, as causas que defende "não precisam de mais um mártir", mas sim de "um ativista atento, até com um segurança que se pode colocar à frente de um tiro - ele atirou um ovo, mas se estivesse com uma arma tinha dado um tiro", disse, referindo-se a um homem que tentou atirar ovos contra Jean Wyllys, durante a cerimónia de hoje.

Jean Wyllys acredita que a pessoa que lhe atirou o ovo o fez por causa das notícias falsas escritas contra si, mas que, no fundo, a base está no "monstro" que habita nas pessoas.

Monstro esse, vinca, que Bolsonaro alimentou durante a campanha, que, ao proferir discursos de ódio, "pôs para fora os monstros que habitam na maioria das pessoas, que não querem reconhecer em si mesmas esses monstros".

Questionado por um dos participantes, sobre qual o caminho para reverter a situação brasileira, Jean Wyllys afirmou que os partidos e movimentos sociais têm de conseguir falar com as pessoas, utilizando expressões que elas entendam, recordando-se de um padre que o fez entender o porquê do mundo ser injusto e o porquê de passar fome.

"Isso era fundamental para organizar uma resistência", vincou.

Entende que os partidos de esquerda não devem ficar colados à luta de classes e que consigam ter a capacidade de agregar pessoas que se mobilizam por outras causas, como as questões LGBT ou o ambiente.

Voltando ao 'monstro', Jean Wyllys considerou que há também muito trabalho a ser feito para desconstruir o medo.

"As pessoas que votaram na extrema-direita não são más por natureza. São pessoas equivocadas, manipuladas, que têm o medo manipulado. Tem de haver manifestações de aproximação, ações que desconstruam esse medo. Não vamos deixar que a direita manipule o medo", vincou.

Para além disso, encontra no Brasil uma esquerda - seja partidos ou movimentos sociais - "com dificuldades de união e de ação estratégica conjunta".

Jean Wyllys apontou para críticas feitas a pessoas como a cantora Daniela Mercury por apropriação cultural ou ao humorista Gregório Duvivier por "roubar protagonismo" à mulher ao participar numa campanha sobre aborto.

"Muitas vezes, erramos no método e no tom. Não podemos afastar de nós aliados importantes. Precisamos de gastar energia com quem de facto é racista e homofóbico", vincou, mostrando-se incomodado com a desunião da esquerda brasileira.

Por agora, apesar de estar "do outro lado do mundo", Jean Wyllys garante que vai continuar a luta.

"Pensavam que eu ficaria para morrer [no Brasil], mas eu estou vivo, cada vez mais vivo", disse.


Notícia atualizada às 13:58, de quarta-feira, dia 27 de fevereiro.