A história de Ahmad Nawaz, 17 anos, foi contada hoje pelo próprio, em Cascais, durante "o primeiro levantar de véu" sobre a 6.ª Edição das Conferências do Estoril, a que assistiram dezenas de alunos de escolas de Cascais.
"Sou uma vítima de terrorismo. Perdi o meu irmão mais novo e 132 amigos num ataque à minha escola no Paquistão, onde também fui baleado e fiquei gravemente ferido", disse Ahmad Nawaz, recordando o episódio que sofreu há três anos.
O jovem paquistanês, a viver em Birmingham, no Reino Unido, recordou em detalhe o ataque à escola militar que frequentava, a 16 de dezembro de 2014, um acontecimento, que segundo disse, alterou para sempre a forma como vê o mundo.
"As palavras do meu irmão a dizer que não queria ir à escola naquele dia ainda me ecoam na cabeça, porque insisti e obriguei-o a ir", disse.
Segundo o relato de Ahmad Nawaz, num momento, estava no recreio a "falar e a rir" com os amigos e, no momento seguinte, "um grupo de homens com armas e bombas entrou na escola e começou a disparar".
Para o jovem ativista, que ficou gravemente ferido no atentado, a "escola era um lugar seguro, não um lugar onde as crianças podiam ser brutalmente massacradas".
Por isso, descreve a tragédia como o acontecimento mais "surpreendente" e "revelador" da sua vida.
"Estava no chão a esvair-me em sangue, rodeado pelos corpos dos meus amigos, com quem tinha estado a rir e falar momentos antes, e a pensar que podia ser o próximo a morrer. Vi a minha professora ser queimada viva mesmo à minha frente e não a consegui ajudar", lembrou.
Ahmad Nawaz sobreviveu depois de passar horas a fingir-se morto. Foi transportado para o hospital numa ambulância cheia de cadáveres e os pais só lhe deixaram perceber que o irmão tinha morrido 15 dias depois.
Foi no meio desta "situação trágica" e por causa da dor que viu nos olhos dos pais pela perda do irmão que, já no Reino Unido, onde foi submetido a 11 cirurgias, decidiu que não podia mais ficar parado.
"Há milhões de pessoas no mundo a sofrer a mesma dor e isso tem de parar. Foi nesse momento que a minha vida mudou totalmente. Decidi que faria o melhor que conseguisse para assegurar que ninguém no mundo volte a sofrer o que nós sofremos, que cada criança vá para escola e receba educação, porque é a única forma de vencer os terroristas", disse.
"Os terroristas estão aterrorizados com a esperança e a mudança que vem da educação. Temos duas hipóteses, ou ficamos calados e não fazemos nada ou levantámo-nos, falamos e agimos. Optei pela segunda", sublinhou.
Dirigindo-se aos jovens na plateia, Ahmad Nawaz sublinhou "as imensas oportunidades que têm" num país como Portugal.
"Em muitos países, as pessoas desesperam pelas oportunidades que vocês têm e dão como garantidas. São muito sortudos. Têm acesso a educação de qualidade sem medo de serem mortos", afirmou.
Por isso, desafiou os jovens a "levantarem-se" e a "falarem" perante situações extremistas que querem privar as pessoas dos direitos humanos básicos, considerando que já não se trata "de uma opção, mas de uma responsabilidade".
"Falem pelas coisas que estão mal na vossa sociedade, falem pelas pessoas que não podem falar, falem para fazer a diferença", desafiou.
Ahmad Nawaz é um dos primeiros 10 oradores anunciados pela organização para a 6.ª edição das Conferências do Estoril, que irá decorrer de 27 a 29 de maio, no campus da Nova School of Business and Economics, em Carcavelos.
A jornalista norte-americana e Prémio Pulitzer Anne Applebaum, a escritora bielorrussa Prémio Nobel da Literatura 2015 Svetlana Alexiévitch, o empresário e ativista anti-apartheid Saki Macozoma, o oficial do exército da antiga Alemanha Oriental Ichrald Jäger, a ativista iraquiana Farida Kalaf, a ativista austríaca e responsável da organização Women Without Borders Edith Schaffer e o ministro da Justiça e dos direitos humanos da Argentina Gérman Garavano serão outros oradores presentes.
Em 2019, assinala-se também o 10.º aniversário da iniciativa bienal, uma data considerada pela organização "muito especial" num momento "em que o mundo está em ebulição".
Por isso, em declarações à agência Lusa, Teresa Violante, diretora do evento, sublinhou a importância, de as conferências continuarem a passar uma mensagem de diálogo e tolerância.
"É essa mensagem que vamos querer continuar a passar no próximo ano sem ter medo de enfrentar os temas difíceis, como o populismo ou a crise de representação política, e sem ter medo de convidar alguns oradores mais polémicos ou mais contestados. Fazer o debate difícil sem ter medo de o enfrentar e olhando para todas as perspetivas desse debate, mesmo aquelas que nos podem agradar menos", disse.
As conferências deste ano terão como tema "Da justiça local à justiça global" e vão desenvolver-se em torno de quatro tópicos de debate principais: direitos e deveres humanos, justiça climática, pobreza global e desigualdade, e tecnologia e desenvolvimento.
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