O Tribunal Constitucional declarou hoje inconstitucional o decreto do parlamento que regula o acesso a metadados de comunicações para fins de investigação criminal por ultrapassar "os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais".

O anúncio foi feito na sede do Tribunal Constitucioal (TC), em Lisboa, pelo seu presidente, José João Abrantes, o qual referiu que nove juízes se pronunciaram pela inconstitucionalidade da norma do decreto que prevê a conservação de dados de tráfego e localização até um período de seis meses.

Para os juízes do Palácio Ratton, a norma em questão ultrapassa "os limites da proporcionalidade na restrição aos direitos fundamentais à autodeterminação informativa e à reserva da intimidade da vida privada".

O presidente da República enviou o decreto do parlamento que regula o acesso a metadados de comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal para o Tribunal Constitucional, a 6 de novembro.

"Por razões de certeza jurídica, o presidente da República decidiu submeter a fiscalização preventiva de constitucionalidade o decreto da Assembleia da República que regula o acesso a metadados referentes a comunicações eletrónicas para fins de investigação criminal, nos termos do requerimento, em anexo, dirigido ao Tribunal Constitucional", lia-se na nota.

De recordar que este decreto foi aprovado na Assembleia da República em votação final global em 13 de outubro, com votos a favor de PS, PSD e Chega e votos contra de IL, PCP, BE e Livre, e seguiu para o Palácio de Belém em 02 de novembro, após fixação da redação final.

O Tribunal Constitucional, em acórdão de 19 de abril de 2022, declarou inconstitucionais normas da chamada lei dos metadados segundo as quais os fornecedores de serviços telefónicos e de internet deviam conservar os dados relativos às comunicações dos clientes – entre os quais origem, destino, data e hora, tipo de equipamento e localização – pelo período de um ano, para eventual utilização em investigação criminal.

Na sequência dessa decisão, Marcelo Rebelo de Sousa prometeu suscitar a fiscalização preventiva do novo decreto sobre esta matéria, considerando que "não pode haver sombra de dúvida" sobre a sua constitucionalidade.

Os metadados são dados de contexto que, sem revelarem o conteúdo das comunicações, permitem aferir, por exemplo, quem fez uma chamada, de que lugar, com que destinatário e durante quanto tempo.

A chamada lei dos metadados, de 2008, transpôs para o ordenamento jurídico nacional uma diretiva europeia de 2006 que entretanto o Tribunal de Justiça da União Europeia declarou inválida, em 2014. Invocando o primado do direito europeu e a Constituição, a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) decidiu em 2017 "desaplicar aquela lei nas situações que lhe sejam submetidas para apreciação".

O acórdão de abril de 2022 do Tribunal Constitucional foi elaborado em resposta um pedido de declaração de inconstitucionalidade da provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, dos artigos 4.º, 6.º e 9.º desta lei.

O tribunal considerou que as normas em causa violam princípios consagrados na Constituição como o direito à reserva da vida privada e familiar e a proibição de acesso a dados pessoais de terceiros, salvo em casos excecionais, assinalando que "o legislador não prescreveu a necessidade de o armazenamento dos dados ocorrer no território da União Europeia".

O decreto recentemente enviado para fiscalização preventiva previa que os dados de tráfego e localização sejam conservados "pelo período de três meses a contar da data da conclusão da comunicação, considerando-se esse período prorrogado até seis meses, salvo se o seu titular se tiver oposto".

Estes prazos podem "ser prorrogados por períodos de três meses até ao limite máximo de um ano, mediante autorização judicial, requerida pelo procurador-geral da República", quando estiver em causa a investigação de crimes graves.

O texto final aprovado pelo parlamento estabelece que os dados devem ser conservados "em Portugal ou no território de outro Estado-membro da União Europeia" e que os titulares devem em regra ser avisados "no prazo máximo de 10 dias" quando os respetivos dados forem acedidos.