Na 19º edição da marcha, a comissão organizadora pretende relembrar os decisores políticos, a sociedade civil e a opinião pública dos direitos da comunidade LGBTI+, nomeadamente no acesso à saúde, na proteção contra discriminações, na autodeterminação das identidades de género e na solidariedade internacional para com a comunidade LGBTI+ em todo o mundo.
Como conta Alice Azevedo, membro dos coletivos “Panteras Rosa” e “TransMissão”, a marcha é uma “manifestação política contra as várias opressões estruturais da sociedade. É uma marcha contra a homofobia, transfobia, uma marcha pelos direitos LGBTI+”.
Neste dia, conta Alice ao SAPO24, a comunidade LGBTI+ mostra ainda que tem direito à rua, ocupando de forma simbólica e literal o espaço público. “Não permitimos ser silenciados. A rua também é nossa. Somos uma comunidade de pessoas que muitas vezes não tem direito à rua, porque quando vai à rua é humilhada ou violentada”.
Na marcha rejeita-se, de forma absoluta, a “insegurança” ou o “medo” que muitas pessoas LGBTI+, nomeadamente mulheres trans, sentem quando estão em espaço público. “À sociedade grita-se ‘Nós estamos aqui e temos o direito de estar aqui’. Para a pessoa ao lado, como gesto solidário, diz-se ‘eu também estou aqui para ti’”, conta Alice.
A marcha do Orgulho LGBTI+, que reúne milhares de pessoas que se tornam “irmãos” e “irmãs”, como conta a ativista, é muito mais comunitária que física. Em Lisboa, as ruas ganham vida e cor - seja nas bandeiras LGBTI+, nos balões distribuídos pela multidão ou até mesmo no vestuário escolhido para celebrar o dia. Nos cartazes e nos lemas que se gritam seguem as reivindicações que não cessam. “Gritamos contra a opressão cis-hetero patriarcal”, acrescenta.
Este ano, a ativista será uma das mais de 10 mil pessoas esperadas para ocupar as ruas de Lisboa. Há 5 anos, era a primeira vez que se aventurava a fazer parte da festa. “A primeira vez que fui à marcha foi muito importante para mim. Estava num período de descoberta, juntamente com muitas pessoas próximas de mim. Ali, de repente, não tínhamos de esconder. Podíamos estar nesse período de descoberta. Foi muito bonito”.
Saúde sexual de pessoas trans e intersexo: uma missão com várias cores mas um só grito
Este ano, a Marcha de Orgulho LGBTI+ alerta principalmente para os problemas a resolver no acesso à Saúde, nomeadamente à saúde sexual de pessoas trans e intersexo no âmbito do Serviço Nacional de Saúde.
Segundo a organização, é evidente a persistência de uma discriminação estrutural à comunidade LGBTI+ pelo Serviço Nacional de Saúde, verificada na ausência de cuidados de saúde específicos que reflitam a realidade, as vivências e as necessidades de saúde da comunidade.
A despatologização trans é um tema urgente de ser alterado, indica Alice Azevedo. “Os processos de transição são um processo médico, tal como os processos de acompanhamento de gravidez são um processo médico. A transição [de sexo] não deve ser tratado como uma doença, mas [os casos] são tratados como tal. Existe uma forma patologizante com um enorme controlo médico. Em vez de existir um apoio médico, existe um controlo médico”.
A ativista indica que, não raras as vezes, as psicólogas/os não estão capacitados para ajudar as pessoas trans a responder às suas perguntas. “Nestes processos, eu posso ter dúvidas, e não há uma pessoa da área da psicologia que me ajude a perceber coisas. Não há apoio à perceção de mim própria. Há um monte de perguntas, que conforme eu responda de forma A ou B, o médico vai decidir se são corretas ou não, e se caem dentro do diagnóstico que ainda existe para falar de questões trans. Ou seja, não estou a ser apoiada, não me estou a perceber, estou a ser avaliada, para ver se caio dentro de uma checklist”.
Além do processo de alteração de sexo, a maioria dos campos de medicina, segundo Alice, não estão prontos para receber as pessoas trans.
“Quando uma pessoa trans, que ainda não teve o privilégio de conseguir mudar o nome no seu cartão de cidadão, vai ao centro de saúde ou médico de família, chamam o nome antigo no altifalante. A pessoa com uma aparência que não corresponde àquela do nome irá levantar-se, dirigir-se ao gabinete, e toda a gente da sala irá reparar nesta pessoa”.
Relativamente aos rapazes trans, regista-se outra complicação. “Os rapazes trans também podem precisar de apoio de ginecologia, e eu conheço pessoas que já tiveram consultas de ginecologia consecutivamente desmarcadas, porque quando a pessoa do hospital olhou e viu que era um homem que tinha uma consulta de ginecologia pensou automaticamente que era um erro, e a consulta era imediatamente cancelada. Os serviços ainda não estão pensados nem preparados para as pessoas trans”.
Embora este tenha sido um ano marcado pela conquista de alguns direitos — nomeadamente na lei do casamento ou na lei da adoção e coadoção por casais do mesmo sexo — é importante não abrandar a luta. “Mais importante do que já passou e do que já temos, é entender que a luta nunca pode parar, nunca tudo está feito. É preciso continuar a sair à rua, para que ninguém nos tire aquilo que já conquistámos”.
Num dia que junta a festa e a luta, uma mensagem antecipa a 19º Marcha LGBTI+: “Como qualquer história de resistência política, a resistência faz a força. E nós estamos aqui. Nós estamos na rua”.
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