“É uma experiência nova para todos, é uma aprendizagem no exercício do governo e, por isso, nem todos, a todo o tempo, conseguem perceber as coisas, porque é a primeira vez e é histórico [ter] um governo de coligação na Madeira entre dois partidos”, declarou o também secretário regional da Economia, numa entrevista à agência Lusa nas vésperas dos primeiros 100 dias – assinalados na quarta-feira - do executivo saído das regionais de 22 de setembro passado e que tomou posse em 15 de outubro.
O PSD viu então escapar-lhe pela primeira vez em 40 anos a maioria absoluta que sempre deteve na Madeira e conseguiu garantir apenas 21 dos 47 lugares na Assembleia Legislativa da Madeira, ficando o PS com 19, o CDS e o JPP com três deputados cada e o PCP com um.
Na noite eleitoral, o líder do PSD/Madeira convidou o CDS para um acordo de governação, visando assegurar o poder no arquipélago.
“Era um cenário que se avizinhava. Nunca tínhamos experienciado uma outra forma de governação sem ser um governo maioritário do PSD e é natural que houvesse um desgaste, como se foi verificando”, sublinhou Rui Barreto.
O CDS considera ter sofrido com o efeito da bipolarização, atendendo a que existiam dois partidos (PSD e PS) a disputar o centro político - “pela primeira vez esteve em causa quem venceria as eleições”.
Neste contexto, referiu, “o CDS foi penalizado pelo voto útil de quem queria que o PSD continuasse a governar ou quem queria uma alternância de poder para o PS”.
“Devo dizer, contudo, que no parlamento regional o CDS é o único partido à direita”, afirmou.
O acordo de coligação “obrigou a uma forte negociação”: “Se o povo tivesse dado mais força, teria negociado mais”, admitiu, reconhecendo que existiram então momentos de tensão e que os intervenientes nem sempre estiveram em concordância, como é “natural”.
O processo exigiu “sangue frio, muita persistência, muita temperança e muito sentido de pensar no geral e não bloquear em questões particulares”.
Este tipo de situações, indicou, obrigam “a muita ginástica, negociação, compromisso, investir muito no entendimento e não olhar em cada discórdia ou em cada não convergência para ruturas”.
Questionado sobre as pastas que o CDS tutela (Economia, e Mar e Pescas) e com o facto de não ter ficado com a Saúde, uma das bandeiras do partido na oposição, o líder do CDS/Madeira respondeu que “foi a solução das pessoas disponíveis para o exercício de funções de grande exigência que é pertencer a um governo”.
“O CDS quer é que o que está no programa seja globalmente cumprido, porque é esse o nosso principal propósito”, declarou.
"Balanço é positivo" mas com “momentos de tensão”.
O líder do CDS/Madeira faz um balanço positivo dos primeiros 100 dias de governação e destaca o “bom relacionamento” entre os elementos do executivo”, embora admita que já existiram “momentos de tensão”.
“A convivência tem corrido bem. Acho que o balanço é positivo”, declarou Rui Barreto, que referiu que o CDS sempre “trabalhou na oposição” e que a chegada do partido ao Governo Regional “é um tempo novo”.
O responsável considera que o executivo madeirense “tem de ser uno - não é a soma de nove secretarias, é um governo que tem uma orgânica, um programa, que quer levar as coisas avante”.
“Portanto, devo dizer que tanto eu como o Teófilo Cunha [que também representa o CDS no executivo, com as pastas do Mar e das Pescas] temos verificado que o ambiente é bom, há um espírito de entreajuda, solidariedade e partilha”, descreveu.
Nesta “experiência nova” também para a população, porque nunca houve no arquipélago um governo da dois, é “natural que nem sempre estejam de acordo” os dois partidos no poder e houve já quem falasse em rutura, devido a desentendimentos sobre a área da saúde, na qual o CDS se tem empenhado.
“Eu disse que não preciso de estar todos os dias de acordo com o meu parceiro de coligação para estar globalmente satisfeito com a solução que encontrámos”, realçou Rui Barreto, explicando que nessas declarações “estava a dizer que não estava de acordo com algumas coisas que se estavam a passar”.
Contudo, já foi falado com o presidente do Governo Regional, Miguel Albuquerque, para que a seguir ao Orçamento Regional (em discussão entre hoje e quinta-feira) sejam nomeados os responsáveis necessários e o setor “comece de facto a trabalhar”, porque precisa de “estabilidade, confiança, o plano e a ação”.
Sobre o seu trabalho, o secretário regional explicou que estes primeiros 100 dias de governação “têm sido muito agitados”, porque tutela uma secretaria nova e “é preciso montar uma estrutura” para fazer funcionar as sete áreas da área económica que tem à sua responsabilidade.
O futuro do projeto de governo em coligação não o assusta: “Sinto que há confiança, que as pessoas desejam, sinto que queremos de facto, PSD e CDS, que o governo chegue ao fim, não a qualquer custo e a qualquer preço”.
Rui Barreto tem noção de que o projeto “não é um passeio no parque” e vão continuar a surgir, “às vezes, alguns momentos de tensão e momentos difíceis”. Porém, tem existido, “em situações de facto que são de limite, uma disponibilidade, uma abertura, vontade para dialogar”.
“Ninguém vira as costas um ao outro. Eu prefiro gerir discordâncias do que andar em ruturas”, vincou.
É por haver diálogo e vontade conjunta de encontrar soluções que acredita que o executivo se manterá durante toda a legislatura.
No final dos quatro anos, gostava que os madeirenses dissessem “desconfiámos muito no início, agora”.
“O melhor prémio é o reconhecimento que valeu a pena”, concluiu.
Coligação pode estender-se às autárquicas
“Acho que é possível e já falamos sobre isso”, referiu Rui Barreto, sublinhando que ainda “não há nada escrito e não há nada decidido” nesta matéria e que ainda é cedo.
Ainda assim, disse, “a solução encontrada para o governo pode também ser transponível para as eleições autárquicas”.
Rui Barreto ressalvou que o acordo celebrado entre o PSD e o CDS na Madeira na sequência das eleições de setembro passado – em que os sociais-democratas perderam pela primeira vez a maioria absoluta - foi apenas para a governação.
Por isso, cada uma das forças partidárias deve primeiro ouvir “os dirigentes locais, os autarcas e perceber o que eles acham sobre a matéria” de estender este projeto às próximas eleições autárquicas, que se realizam em 2021.
Para o atual secretário regional da Economia, “as pessoas também não entenderiam que, estando dois partidos num governo, depois andassem desavindos a disputar eleições em concelhos, principalmente onde estão na oposição”.
Na região, há quatro municípios lideradas pelo PSD (Câmara de Lobos, Calheta, Ribeira Brava e Porto Santo) e um pelo CDS (Santana).
“Mas, onde estamos os dois partidos na oposição não faz sentido que não se entendam para uma solução autárquica, porque [as pessoas] não vão entender [que estejam a] governar a região e a digladiar-se nas eleições para os concelhos”, insistiu.
Na opinião de Rui Barreto, este projeto tem de ser delineado respeitando critérios claros e a expressão que os partidos tiveram nas últimas eleições autárquicas.
Falando sobre o Orçamento Regional para 2020, na ordem dos 1.700 milhões de euros e que hoje começa a ser debatido no parlamento do arquipélago, o dirigente realçou que o documento plasma uma “boa distribuição pelas várias áreas da governação, atendendo a critérios de coesão economia, social e territorial e isso é positivo”.
“Não é possível agradar e chegar a todos”, reconheceu, mencionando que as pessoas “nunca estão satisfeitas e querem sempre mais”, mas é impossível “fazer um bolo maior do que a forma”.
O orçamento, referiu, “aproveita o bom desempenho económico e a arrecadação das recitas para desenvolver um conjunto de políticas sociais, nomeadamente discriminação fiscal”, estabelecendo o Imposto sobre o Rendimento Coletivo (IRC)em 12%, “a taxa mais baixa do país, para ajudar as empresas”.
O líder do CDS/Madeira destacou ainda o reforço de 18 milhões nas verbas para a saúde, além do acréscimo de cinco milhões de euros para investir no programa de recuperação de cirurgias, “uma exigência” que o partido tem feito, tal como “um alargamento da rede de cuidados continuados, em que a Madeira foi pioneira e precisa de chegar a mais pessoas”.
Uma visão moderna de apoio às rendas acessíveis e a não construção de bairros para ‘guetizar’ pessoas, ou critérios objetivos de distribuição da riqueza são outras das medidas defendidas pelo CDS previstas no orçamento.
O primeiro Governo Regional de coligação na Madeira tomou posse em 15 de outubro de 2019.
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