“Posso confirmar que foi validado o indiciamento do presidente da Republika Srpska [RS], Milorad Dodik”, declarou um responsável do gabinete de imprensa do Tribunal Estatal da Bósnia-Herzegovina.

Considerado próximo do Kremlin e já sancionado por Washington e Londres por emitir ameaças separatistas, Milorad Dodik, 64 anos, será julgado pela primeira vez pelas suas ações políticas.

Em 11 de agosto, o líder da RS, a entidade sérvia do país, foi indiciado pelo procurador-geral bósnio - medida hoje validade pelo Tribunal de Estado - pelo “não respeito” das decisões do alto representante, o diplomata conservador alemão Christian Schmidt.

O responsável por este cargo, previsto no acordo de paz de Dayton em 1995, dispõe de poderes discricionários que lhe permitem anular ou impor leis, e ainda demitir os políticos eleitos.

Em junho, Dodik exortou o parlamento da entidade sérvia a votar duas leis destinadas a impedir a aplicação na RS das decisões do Tribunal Constitucional bósnio e do alto representante, e que acabaram por ser promulgadas pelo presidente da entidade sérvia.

O processo de Dodik constituirá um importante teste para a justiça central da Bósnia-Herzegovina e a sua capacidade de gerir este ‘dossier’, contestado pelo dirigente sérvio bósnio.

“Milorad Dodik pode ir ao tribunal [para participar no processo] mas não vão meter na prisão Milorad Dodik mesmo que o condenem”, advertiu o próprio na passada terça-feira em entrevista a um canal televisivo.

Após o anúncio do seu indiciamento em agosto, Dodik denunciou uma “perseguição política” orquestrada pelo embaixador dos Estados Unidos na Bósnia, que acusou se “serbofobia”, alegações que a embaixada considerou “absurdas”.

O alto representante, Christian Schmidt, por sua vez não sancionou Dodik e no âmbito dos seus vastos poderes optou por alterar o código penal bósnio para que a justiça local possa perseguir os responsáveis políticos que se opõem às suas decisões e do Tribunal Constitucional.

Dodik rejeita a autoridade do enviado alemão desde a sua chegada à Bósnia em agosto de 2021 e considera-o um “simples turista” ou um “falso alto representante”.

A designação de Schmidt por um Conselho para a Aplicação da Paz (PIC), dominado pelas potências ocidentais, não foi aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, ao contrário dos seus antecessores, devido às reservas da Rússia e China.

As relações entre Dodik e Schmidt deterioraram-se após a suspensão em abril de 2022 pelo alto representante de uma controversa lei pela qual a entidade sérvia bósnia pretendia apropriar-se de bens do Estado no seu território.

Após o acordo de paz de Dayton, concluído em novembro de 1995 nos Estados Unidos e que pôs termo à guerra civil na Bósnia-Herzegovina (1992-1995) - que provocou cerca de 100.000 mortos e mais de dois milhões de refugiados e deslocados civis - a questão da partilha dos bens públicos nunca foi solucionada.

No início de setembro, Dodik anunciou a iminente publicação de um decreto destinado a impedir Schmidt de deslocar-se à entidade sérvia, e com os gabinetes do alto representante instalados na capital Sarajevo, em território da entidade croato-bosníaca.

No entanto, Dodik acabou por recuar após advertências de Washington e Bruxelas, que reafirmaram apoio ao diplomata alemão.

“Nenhum de nós vai recorrer à força” para expulsar Christian Schmidt, relativizou Dodik no passado domingo, acrescentando que “não é bem-vindo [à entidade sérvia]” e que “deve entender que as pessoas na Republika Srpska estão em vias de perder a paciência devido a esta situação”.

O território da RS representa cerca de 50% do país. A outra metade situa-se na Federação entre croatas e bosníacos (muçulmanos), a segunda entidade legitimada pelo acordo de Dayton.

A ex-república jugoslava continua a confrontar-se com as ambições secessionistas dos sérvios bósnios e uma crescente fratura e afastamento entre os nacionalistas bosníacos muçulmanos e croatas católicos.

Os partidos nacionalistas continuam a dirigir as respetivas entidades, num cenário de profundas divisões étnicas.