A história de Elizabeth Alexandra Mary Windsor — nascida a 21 de abril de 1926, na casa dos avós maternos, em Londres — começa como todos os contos de fadas: foi um acontecimento relativamente menor pois “Lilibet”, como era conhecida a menina de cabelos aos caracóis, não estava destinada ao trono.
Este deveria ter sido ocupado nos anos vindouros por Eduardo VIII, filho mais velho do monarca reinante, Jorge V, falecido a 20 de janeiro de 1936. No entanto, o amor falou mais alto: nesse mesmo ano, ao fim de 11 meses de reinado, abdicou para se casar com Wallis Simpson, uma norte-americana divorciada, pondo fim a uma calma vida familiar.
Como resultado, o irmão, e pai de Isabel, George VI, herdou o trono, abrindo o caminho da coroa à primogénita, que, no dia em que celebrou os 21 anos, prometeu dedicar a vida, “seja longa ou curta", ao serviço do país.
Durante a Segunda Guerra Mundial, permaneceu sobretudo no Castelo de Windsor, evitando os bombardeamentos de Londres, mas mais tarde serviu como voluntária no Serviço Territorial do Exército como motorista e mecânica.
Em 20 de novembro de 1947, Isabel casou-se com Filipe, um primo afastado que renunciou aos títulos de príncipe da Grécia e da Dinamarca e à carreira na Marinha Real britânica para se consagrar ao papel de príncipe consorte. A cerimónia foi relativamente discreta devido aos tempos de crise após a guerra, e a princesa teve que usar senhas de racionamento para pagar os tecidos do vestido. De resto, o casal chegou mesmo a viver fora do Reino Unido, em Malta, entre 1949 e 1951, enquanto o príncipe Filipe cumpria uma comissão de serviço na Frota do Mediterrâneo.
Quando George VI morreu aos 56 anos, em 1952, Isabel tornou-se rainha com apenas 25 anos, então mãe de dois filhos, Carlos (nascido em 1948) e Ana (1950). Teve mais dois filhos já em funções, André (1960) e Eduardo (1964).
A cerimónia da coroação, na Abadia de Westminster, a 2 de junho de 1953, foi transmitida via rádio em todo o mundo e, a pedido da rainha, pela primeira vez na televisão, atraindo uma audiência de milhões de pessoas. No exterior, multidões de populares resistiram à forte chuva para assistir à passagem da rainha. Era o início de um reinado que não era para acontecer e que durou mais tempo que qualquer outro na história da coroa inglesa.
Ao longo de sete décadas, a rainha cruzou-se com muitas figuras internacionais que marcaram a História e a atualidade como o primeiro primeiro-ministro da Índia, Jawaharlal Nehru, o imperador japonês Hirohito, o líder anti-apartheid e ex-Presidente sul-africano Nelson Mandela ou o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos, Barack Obama.
Já ao nível da política interna, desde que subiu ao trono, o Reino Unido teve 15 primeiros-ministros, tendo convivido com Winston Churchill, Margaret Thatcher, Tony Blair ou Boris Johnson. Liz Truss foi a última chefe de governo à qual deu posse, esta terça-feira, efetivamente acompanhando o seu mandato por apenas dois dias.
70 anos de muitos altos e baixos
Em 9 de setembro de 2015, a Isabel II tornou-se a monarca há mais tempo em funções, superando a trisavó Vitória. A demissão de Boris Johnson às mãos dos seus próprios deputados e a sua substituição por Liz Truss foi apenas um de muitos casos que a monarca observou desde que subiu ao trono — sublinhe-se o “observou”, já que o seu papel enquanto chefe da monarquia britânica foi essencialmente cerimonial, tendo sido sempre assim desde o século XIX.
Antes de ter delegado ao príncipe Carlos a Abertura de Estado do parlamento em abril passado, leu sempre com uma voz indiferente e aguda o programa do Governo, um compromisso ao qual só faltou três vezes em 70 anos, e esteve sempre acima das quezílias políticas, sabendo-se pouco do que pensava das decisões dos primeiros-ministros com quem conversava todas as semanas.
O extenso império que herdou da era vitoriana encolheu-se consideravelmente durante o seu reinado, devido aos movimentos de descolonização, à transferência de Hong Kong para a China em 1997 e ao fim de laços com a coroa britânica, como fizeram os Barbados recentemente.
Não obstante, além de chefe de Estado do Reino Unido, Isabel II presidiu à Commonwealth, a organização de 54 países, incluindo 14 ex-colónias das quais continuou a ser soberana, como Austrália, Canadá e Jamaica. Os súbditos, empregados e até alguns familiares chamavam-lhe “Ma’am”, trato alternativo a “Sua Majestade”.
Isabel II eternizou a sua imagem com roupas de cores vivas, andando quase sempre de chapéu e nunca se separando da sua mala de mão — além de ser uma conhecida dona de uma larga família de cães de raça Corgi e de ser notória a sua paixão pela prática equestre. No entanto, apesar do respeito consensual que foi granjeando, o seu reinado teve também muitos altos e baixos.
O conto de fadas que foi o casamento em 1981 do príncipe herdeiro Carlos com Diana azedou rapidamente, apesar do nascimento dos dois filhos William e Harry. Em 1992 declarou "annus horribilis” o período que ficou marcado pelo desmoronamento dos casamentos de três dos seus filhos, Carlos, Ana e André, e pelo devastador incêndio no Castelo de Windsor, uma das residências oficiais.
Em 1997, a rainha foi acusada de não estar em sintonia com a população que chorou a morte de Diana num acidente de viação em Paris, ao ter permanecido na propriedade rural na Escócia durante dias antes de regressar a Londres e agradecer pelas inúmeras flores e mensagens deixadas à porta do Palácio de Buckingham.
Nas duas décadas seguintes, porém, conduziu uma reviravolta notável para a monarquia, ajudada por uma poderosa máquina de comunicação ativa não só nos tabloides, mas também nas redes sociais. A rainha cortou o orçamento do Palácio, e o casamento de William com a plebeia Kate (Catherine) Middleton ajudou a projetar a imagem de uma monarquia mais moderna.
Durante os confinamentos da pandemia de covid-19, interveio com comunicações públicas cujo tom conciliou a gravidade da situação com uma mensagem de esperança. Esse sentido de abnegação ficou espelhado nas imagens das cerimónias fúnebres do marido, que morreu em abril de 2021 aos 99 anos, às quais assistiu afastada da família por causa das restrições em vigor.
A reputação que construiu nos últimos anos de devoção sóbria permitiu também distanciar-se das polémicas causadas pelo príncipe Harry e a mulher Meghan Markle — que se afastaram da família — e pelos escândalos protagonizados pelo príncipe André — acusado do abuso sexual de uma menor e que, apesar do caso ter sido arquivado, significou a sua ostracização efetiva da família.
O ocaso de um Jublieu platinado
Com 96 anos feitos este ano, Isabel II foi demonstrando uma vitalidade assinalável, mesmo já tendo passado a barreira das oito décadas de vida. No entanto, o seu estado de saúde começou a gerar preocupações nos últimos anos, especialmente desde outubro passado, quando passou uma noite internada para fazer exames médicos, cuja natureza nunca foi especificada.
Por isso mesmo, os tempos recentes ficaram marcados também pela especulação quanto à possibilidade de abdicar a favor do filho Carlos, de 73 anos, por causa das dificuldades de mobilidade que vinha sentido. Vários observadores da família real observaram que, apesar de não haver uma renúncia oficial, a monarca foi passando responsabilidades para o filho e outros membros da família. Abdicar, porém, nunca foi opção — recorde-se o voto de dedicar a vida, longa ou curta, ao serviço do país.
Em maio, fez uma visita surpresa à nova linha do metro londrino, batizada Elizabeth em honra da rainha, mas foram mais as vezes que fez notícia por faltar a cerimónias do que a presidi-las este ano.
Disso foram exemplos o Discurso do Trono no Parlamento, em maio, a missa de Páscoa, em abril, a cerimónia da Commonwealth, em março e o Remembrance Day e na cimeira climática promovida pela ONU (COP26), em novembro de 2021, todos eles acontecimentos onde passou a responsabilidade a Carlos.
O caso mais notório da sua aparente fragilidade, porém, foi mesmo durante as cerimónias de quatro dias dedicadas a celebrar 70 anos de reinado, o chamado Jubileu de Platina. Apesar de ter marcadas comparências em vários eventos ao longo desse período, Isabel II foi sucessivamente cancelando a sua presença, limitando-se, por fim, a apresentar-se ao público em duas ocasiões no Palácio de Buckingham.
Acompanhada pelos seus herdeiros, os príncipes Carlos e William e respetivas famílias, a rainha Isabel II permaneceu durante alguns breves minutos na varanda, sorridente e segurando uma bengala, acenando à multidão.
"Estou profundamente sensibilizada por tantas pessoas terem saído às ruas para celebrar o meu jubileu de platina", disse a monarca numa mensagem divulgada pelo Palácio de Buckingham e assinada pela própria Isabel II. "Apesar de não ter participado em todos os eventos pessoalmente, o meu coração está com todos e continuo determinada a servi-los o melhor possível, apoiada pela minha família", acrescentou.
Nos meses subsequentes, apesar de ter feito um par de aparições públicas na Escócia — já que, como era habitual, foi passar o verão ao Palácio de Balmoral, propriedade da família real —, continuaram a ser noticiados episódios que apontavam para um estado de saúde cada vez mais débil.
Por fim, na manhã desta quinta-feira, 8 de setembro, o Palácio de Buckingham anunciou que a monarca tinha sido colocada sob avaliação médica e que o seu estado gerava preocupação junto dos seus médicos. O que inicialmente poderia ter parecido apenas mais um susto foi tomando proporções cada vez mais graves, especialmente quando se soube que a sua família mais próxima tinha sido convocada para Balmoral.
Em vida, Isabel II visitou 132 países, percorreu mais de um milhão de quilómetros e fez milhares de discursos, mas nunca deu uma entrevista — a sua vida privada, apesar de explorada e fantasiada em séries televisivas de grande sucesso como “The Crown”, permaneceu em grande parte um mistério.
Além dos quatro filhos, a monarca deixou oito netos e 12 bisnetos — ao longo de 70 anos, apenas a pandemia interrompeu a tradição de reunir a família no Natal.
*com agências
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