O JRS Portugal vai lançar esta segunda-feira a quarta edição do “Livro Branco sobre os direitos dos imigrantes e refugiados em Portugal” [Livro Branco 2023].

"Tal como o primeiro, aborda as várias dimensões da integração das pessoas imigrantes e refugiadas, utilizando o método de Advocacy do JRS: partir da experiência prática, passar pelo enquadramento teórico rigoroso e terminar novamente na prática, com apresentação de soluções concretas", é explicado em comunicado.

O objetivo é que "este documento seja um ponto de partida para a adoção de novas medidas políticas que venham dar voz às preocupações das pessoas imigrantes e refugiadas, na esperança de contribuir para a discussão pública de temas que afetam gravemente o seu processo de integração em Portugal".

"Ao longo dos 10 capítulos, abordamos os principais problemas que afetam as pessoas que acompanhamos. Porém, não basta apontar defeitos às políticas públicas, é necessário aproximar os decisores políticos desta realidade e apontar caminhos e soluções possíveis, que possam de alguma forma contribuir construtivamente para a sua integração e para a defesa dos seus direitos", adianta o JRS.

De acordo com o Serviço Jesuíta aos Refugiados, "num total de 170 recomendações, apenas 16% passam por alterações legislativas". Quanto às restantes, "implicam apenas alterações às práticas adotadas pelos serviços públicos e demais entidades envolvidas no processo".

"Esta análise permite-nos concluir que muitos dos obstáculos são facilmente superáveis se todos os atores trabalharem em conjunto. Mais do que problemas, evidenciamos as pequenas e grandes vitórias alcançadas ao longo dos anos, que nos permitem concluir que estamos no caminho certo: o caminho da mudança da maneira como a Administração Pública encara as pessoas migrantes, vendo-as não como uma ameaça, mas como seres humanos que devem ser tratados com dignidade. Olhamos, por isso, para os atuais tempos de mudança como uma oportunidade e um sinal de esperança para as pessoas que acompanhamos", diz o diretor-geral do JRS, André Costa Jorge.

Integração é um mar de burocracia

Em declarações à agência Lusa, a coordenadora do gabinete jurídico do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS) relatou a experiência das equipas que, no terreno, apoiam imigrantes e refugiados a “passar este mar de burocracia, que é o processo de integração em Portugal”.

Carmo Belford explicou que logo no primeiro capítulo do livro é feita uma análise da aplicação prática das alterações à Lei de Estrangeiros, feitas no ano passado, e que a responsável considera “muito positivas”.

“Constatámos que, na prática, as coisas não correspondem exatamente àquilo que está previsto na lei”, apontou, acrescentando que “a maioria das recomendações” feitas pelo JRS no Livro Branco “não passam por alterações legislativas, passam por pôr a lei em prática”.

Segundo Carmo Belford, “é esta parte que falha, sobretudo nas políticas públicas portuguesas”, dando como exemplo o processo de transferência de competências para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), na sequência da extinção do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF).

“Para nós não basta extinguir-se entidades. Têm que se resolver os problemas de raiz e temos imensas questões, como por exemplo, se a AIMA terá de facto a capacidade para responder aos processos que herda do SEF”, apontou a responsável.

Frisou que neste momento, o JRS ainda não consegue aferir se a situação piorou ou não, uma vez que ainda se está a passar por “uma fase transitória muito confusa”, em que “a própria AIMA ainda não definiu a maioria dos procedimentos”.

Segundo Carmo Belford, existe “um enorme desconhecimento em relação ao futuro, mas também uma “enorme esperança que as coisas melhorem”.

“Porque de facto pior era impossível. É bastante difícil fazer pior do que o que foi feito até hoje, mas não é nada fácil herdar as competências administrativas do SEF, especialmente com a escassez de recursos humanos que o SEF e agora AIMA têm” denunciou.

Carmo Belford defende que seja feita a “digitalização total dos processos”, simplificando ao máximo os procedimentos para que as pessoas consigam aceder aos serviços, apontando que “não faz sentido este nível de burocracia” nem a quantidade de deslocações que as pessoas fazem para regularizar a sua situação.

Deu como exemplo o caso de quem quer trazer a família para Portugal, apontando que só podem iniciar o processo depois de terem autorização de residência, o que pode demorar “um ano e meio, dois anos à espera”, para depois terem de aguardar mais seis meses por atendimento no consulado.

Além do problema burocrático, o JRS refere que falta também saber como é que vai ser assegurado o papel de mediação e facilitação do processo de integração que anteriormente estava nas mãos do Alto-Comissariado para as Migrações (ACM), uma vez que a AIMA fica simultaneamente com as responsabilidades de regularizar e decidir o afastamento.

A transferência das funções policiais para a PSP e a GNR também levanta questões, com o JRS a entender que “existe uma dimensão de risco, ainda que involuntário, de criminalização das migrações irregulares”, e que a questão da detenção deveria merecer maior atenção por parte dos decisores políticos, com o organismo a defender que as pessoas migrantes “têm direito a ser tratadas com dignidade”.

Carmo Belford defendeu ainda que a Lei do Asilo seja mudada no sentido de incluir mais instituições além do Conselho Português para os Refugiados, como acontece atualmente, repensando o modelo de acolhimento.