Perante este resultado, Hageman, que apoia as afirmações de Trump de que as últimas eleições, de 2020, foram objeto de "fraude", disputará o lugar por Wyoming na Câmara dos Representantes nas eleições de meio de mandato.

Mesmo no momento de reconhecer a derrota, Liz Cheney prometeu fazer tudo o que estiver ao seu alcance para evitar que Trump volte à presidência dos Estados Unidos. É publico que o ex-presidente tem demonstrado a intenção de se recandidatar.

"Desde 6 de janeiro [dia do ataque ao Capitólio] que afirmo que farei o que for preciso para garantir que Donald Trump nunca mais chega perto da Sala Oval, e estou a falar a sério", disse a congressista do Wyoming, no discurso após a derrota nas primárias, o que a deixou sem possibilidade de apresentar uma nova candidatura ao Congresso em novembro.

Em 2020, a congressista republicana tinha sido reeleita com 73,5% dos votos.

Cheney, de 56 anos, tem sido uma pedra no sapato do magnata republicano por co-presidir o comité da Câmara dos Representantes que investiga o papel de Trump no ataque violento dos seus apoiadores ao Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021.

A filha do ex-vice-presidente Dick Cheney é uma das coordenadoras do comité que investiga se Trump "faltou ao dever" durante o ataque que tentava impedir a certificação da vitória do democrata Joe Biden nas eleições presidenciais de 2020.

Em retaliação, o ex-presidente desencadeou a sua fúria sobre Cheney, acusando-a de ser "desleal", dizendo que é uma "uma fracassada que tenta dar lições".

Assim, nesta disputa interna, Trump declarou apoio à principal adversária de Cheney, Harriet Hageman, uma advogada de 59 anos a quem se aliou em maio.

Hageman apoia as alegações de Trump de que as eleições de 2020 foram alvo de "fraude" e disputará a vaga por Wyoming - estado em que Trump venceu com mais de 70% dos votos nas eleições presidenciais.

O ex-presidente comemorou a derrota de Cheney, que classificou como um "resultado maravilhoso para os Estados Unidos".

"Agora ela pode finalmente desaparecer nas profundezas do esquecimento político onde, tenho certeza, será muito mais feliz do que é agora", afirmou na sua rede social, a Truth Social.

Ameaças de morte

Liz Cheney votou a favor do impeachment de Trump, que não avançou porque o ex-presidente foi sido absolvido no Senado, e tenta há mais de um ano desmantelar a tese defendida por milhões de trumpistas de que as eleições foram uma fraude.

Desde que passou a investigar Trump e os seus colaboradores, a deputada tornou-se alvo de uma série de ameaças de morte e já não viaja sem escolta policial.

Isso obrigou-a a realizar uma espécie de campanha nas sombras, sem comícios eleitorais ou eventos públicos.

Cheney, filha do ex-vice-presidente Dick Cheney, é descendente da direita tradicional, pró-armas e anti-aborto. Foi excomungada pelo Partido Republicano de Wyoming, cujo líder participou das manifestações no dia do ataque ao Capitólio.

"Não importa quanto tempo tenhamos que lutar, esta é uma batalha que venceremos. Milhões de americanos de toda a nação, republicanos, democratas, independentes, estão unidos pela causa da liberdade", disse Cheney numa mensagem de vídeo, publicada na semana passada.

"Somos mais fortes, mais entregues e mais determinados do que aqueles que tentam destruir a nossa república. Esta é a nossa grande tarefa e vamos vencer", declarou.

Na terça-feira também aconteceram votações no Alasca, onde a candidatura de Sarah Palin, uma das primeiras figuras do movimento contra as elites, gera divisão.

Palin, que concorreu à vice-presidência com o republicano John McCain, em 2008, é criticada por muitos eleitores por ter abandonado o seu cargo de governadora do Alasca, em 2009.

Uma sondagem recente indica que 60% dos eleitores do Alasca têm uma opinião desfavorável sobre ela.

MAGA

Os resultados das eleições primárias em cinco estados, na semana passada, mostram que o ex-presidente Donald Trump continua a ter um domínio significativo sobre o partido republicano, mas há sinais de erosão a três meses das eleições intercalares.

As primárias que determinaram os candidatos que vão a votos nas intercalares de novembro no Arizona, Kansas, Michigan, Washington e Missouri, e deram vitórias incisivas a vários candidatos 'MAGA' ['Make America Great Again', 'Engrandecer Novamente a América'], apoiados por Donald Trump.

O caso do Arizona foi especialmente relevante, com quatro candidatos republicanos que negam a legitimidade da eleição de Joe Biden a avançarem: Kari Lake na corrida a governadora, Mark Finchem para secretário de Estado, Blake Masters para o Senado e Paul Gosar para congressista do 9º distrito. Finchem e Masters são seguidores do movimento conspiracionista QAnon.

Também no Michigan avançou Tudor Dixon para governadora e no Kansas venceu Derek Schmidt na corrida a governador, além de John Gibbs ter derrotado o incumbente Peter Meijer no 3º distrito do Arizona, depois de este ter votado a favor do ‘impeachment’ de Donald Trump.

“Em muitas partes do país, o controlo de Trump sobre o partido republicano continua a parecer muito seguro”, disse à Lusa o cientista político Thomas Holyoke.

A plataforma FiveThirtyEight contabilizou perto de duas dezenas de candidatos que avançaram nas primárias republicanas e são promotores da ideia falsa de que a eleição de 2020 foi fraudulenta. Em quatro estados-chave (Arizona, Michigan, Nevada e Pensilvânia), os oficiais que irão supervisionar os resultados eleitorais em 2024 poderão ser 'negacionistas' de Joe Biden.

“Pelo menos entre os eleitores mais fiéis do partido, aqueles que costumam votar nas primárias, a influência de Trump parece ser muito forte”, indicou Holyoke. No entanto, apesar das vitórias dos candidatos “MAGA”, o especialista sublinhou que estão a surgir sinais de erosão.

“Em termos gerais, há sondagens que revelam o que parece ser algum decréscimo de apoio entre os republicanos, pelo menos no que toca à perspetiva de ele voltar a ser o candidato presidencial em 2024”, frisou.

Em julho, uma sondagem do New York Times/Siena College mostrou que 64% dos eleitores republicanos com menos de 35 anos disseram que votariam contra Trump numa primárias presidenciais.

No mesmo mês, uma sondagem SSRS para a CNN revelou que o partido republicano sofreu uma quebra de 15 pontos percentuais nas intenções de voto junto de eleitores acima dos 65 anos.

Holyoke apontou para quão próximos foram os resultados entre a candidata apoiada por Trump, Kari Lake, e a candidata apoiada pelo ex-vice-presidente Mike Pence, Karrin Taylor Robson, nas primárias para o cargo de governador.

“O facto de a corrida no Arizona ter sido tão renhida significa que há muitos republicanos que não estão dispostos a votar nos candidatos que Trump apoia”. Lake acabou por vencer com 46,8% contra 44% de Taylor Robson.

O cientista político também frisou que alguns dos republicanos que votaram a favor do ‘impeachment’ de Trump, incluindo o lusodescendente David Valadão na Califórnia, vão sobreviver politicamente pelo menos até à eleição geral.

Intercalares medem o pulso à democracia norte-americana

As intercalares de novembro irão determinar o controlo do congresso e as perspetivas de que os republicanos voltariam ao poder estão a alterar-se. O partido de Trump é o favorito para retomar o controlo da Câmara dos Representantes, mas nas últimas semanas os democratas tornaram-se favoritos para manterem o Senado.

Com candidatos mais extremistas do lado republicano, os democratas acreditam que podem conseguir melhores resultados do que estava previsto. Foi por isso que nalgumas corridas, como no Michigan, embarcaram numa estratégia controversa de canalizar financiamento para republicanos extremistas nas primárias. É, disse Holyoke, um plano “arriscado”.

Haverá primárias a decorrer em vários estados até setembro, com as intercalares marcadas para 8 de novembro.

*Por Patrick FALLON y Camille CAMDESSUS/ AFP e Ana Rita Guerra / Agência Lusa