“Duarte Pacheco é que criou o Parque Florestal de Monsanto (em Lisboa), que não tinha uma única árvore, já havia preocupações ambientalistas há 70 anos, como agora, embora com diferenças, há 70 anos não havia plásticos”. Eugénio Sequeira, 81 anos, é o presidente da Liga para a Proteção da Natureza (LPN), este ano a comemorar os 70 anos (28 de julho de 1948) e, se tinha apenas 11 anos quando a associação começou, sabe toda a história, até porque casaria mais tarde com uma filha de um dos fundadores.
Em entrevista à Lusa conta que estando o poeta Sebastião da Gama a convalescer de uma tuberculose na Arrábida viu o dono de uma zona florestal conhecida como Floresta do Solitário a cortar as árvores para fazer carvão. A um engenheiro amigo enviou uma carta a pedir “socorro” e este reencaminhou-a a outro engenheiro, chamado Baeta Neves.
A carta foi lida e debatida num Congresso de Botânica Peninsular que decorria na Serra do Gerês (em 1947), onde estava também um botânico de Coimbra, amigo do presidente do Conselho (primeiro-ministro), Oliveira Salazar. Os profissionais escreveram uma carta a Salazar e este sensibilizou-se e mandou comprar a mata.
Sabiam os botânicos e sabia o poeta o valor da Mata do Solitário, exemplo raro da floresta mediterrânica primitiva, hoje com o estatuto de área de proteção total, interdita até a simples passeios.
É por isso que Eugénio Sequeira diz que há 70 anos havia preocupações ambientalistas como hoje. Mas admite que se havia problemas “grandes e intensos” não eram, porém, tão graves, “porque as consequências não eram tão dramáticas”.
“Hoje não é só a qualidade de vida, hoje [a preocupação] é salvar vidas, hoje há a alteração do clima, a destruição de habitats, os problemas são agora globais e muito graves”.
Mas, há 70 anos, salvar a Mata do Solitário era um problema e haveria de envolver o apoio dos cerca de 200 botânicos, engenheiros agrónomos e biólogos que estavam reunidos no Gerês. E Baeta Neves, professor catedrático da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, engenheiro silvicultor, começou a pensar que aquela união, que tinha produzido resultados, havia de continuar. Um ano depois do congresso do Gerês nasce a LPN, para fomentar o “interesse pela natureza” e desenvolver trabalhos científicos “na área da Proteção da Natureza”.
Em pleno Estado Novo, a associação, para vingar, apoiava-se “na segurança técnica dos catedráticos”. “Tínhamos o conhecimento e essa era a grande vantagem”, diz Eugénio Sequeira, contando um episódio que demonstra as dificuldades de trabalhar nessa época.
E o episódio cabe num parágrafo. Em 1956 Baeta Neves escreve o livro “A proteção da Natureza – Plano de Educação Popular – Campanha Nacional de Educação de Adultos” que é chumbado pela censura. Baeta Neves remete-o de novo, mas agora com uma imagem de São Francisco de Assis na capa e uma citação de Salazar na contracapa. O mesmo livro passa sem qualquer problema e é até objeto de conferências.
Baseada na inteligência e na técnica, a LPN foi até ao 25 de Abril a única associação do género e conseguiu obra. “A Liga andou pelo país para ver sítios onde não se podia fazer barragens e daí nasceu a ideia dos parques naturais”, conta Eugénio Sequeira. A LPN propôs dois, o Parque Nacional da Peneda-Gerês e o Parque Nacional da Arrábida. Em 1958 o Governo mostra interesse pela ideia do Gerês, que seria criado anos depois.
“Fizemos pressão, dissemos que os ingleses e os franceses tinham parques e que nós também tínhamos de ter”, diz o atual presidente da LPN.
Mas fazia mais a Liga, desde logo ligada à União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN).
Baeta Neves andava por essa altura a defender a criação do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique. E em 1951 iniciava uma campanha contra o uso indiscriminado do DDT (inseticida), e em 1956 pedia ao Governo que fizesse uma campanha nacional para a defesa preventiva de incêndios. Começava também a sensibilizar para a importância dos “animais nocivos”, como as águias ou as raposas. E até afrontou Salazar dizendo que a campanha do trigo era “a lepra de Portugal”.
Eugénio Sequeira lembra tudo isso, tudo o que se fez nestes 70 anos, do primeiro ano europeu de proteção da natureza às cimeiras mundiais, da criação do serviço nacional de parques, de uma secretaria de Estado, de um Ministério do Ambiente.
Era muito diferente há meio século? “Antes tínhamos que ter mais cuidado com o que dizíamos, mas há 60 anos já se falava da erosão, da biodiversidade”.
E há outra diferença ainda na proteção da natureza. “Antes tínhamos o problema do interesse económico, mas não havia como hoje a avidez brutal pelo crescimento económico”.
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