Um grupo de investigadores de quatro universidades portuguesas está a realizar um estudo nacional sobre o impacto no luto das medidas restritivas durante o primeiro estado de emergência devido à pandemia de covid-19 tendo agora a intenção de incluir nesta análise dados mais recentes.
A investigação está a ser realizada por investigadores da Universidade de Lisboa, Coimbra, Minho, Universidade Lusíada de Lisboa e dos agrupamentos de centros de saúde de Gaia e de Espinho/Gaia.
O objetivo é conhecer de que forma as pessoas que perderam alguém próximo durante este período foram afetadas pelas restrições durante o acompanhamento aos doentes em fim de vida, momento da morte, cerimónias fúnebres e rituais de luto e de que forma isso influencia a sua adaptação à perda.
Mayra Delalibera, psicóloga e uma das coordenadoras do estudo explicou em declarações à agência Lusa que participaram 225 enlutados de Lisboa, Porto, Setúbal, Santarém, Leiria, Évora e Coimbra, que perderam alguém desde o início da pandemia até 2021.
Os participantes eram maioritariamente (85%) do sexo feminino, com uma média de idade de 44 anos e destes 55% viviam no distrito de Lisboa e Vale do Tejo.
Relativamente à perda, 40% dos participantes perderam um dos pais (pai ou mãe), 23% perderam o avô/avó, 9% perderam o cônjuge, 5% perderam um amigo e os restantes 23% perderam algum outro familiar.
A grande maioria dos participantes referiu sentir-se muito limitado devido as restrições impostas pela pandemia.
Do total de participantes 58% apresentam risco de perturbação de luto prolongado, o que, explicou a investigadora, deveria ser alvo de acompanhamento psicológico uma vez que estas pessoas denotam maior angústia e uma dificuldade em lidar com a perda.
Quando neste processo foram identificados sintomas de Perturbação de Luto Prolongado, explicou Mayra Delalibera, os entrevistados foram contactados pelos investigadores que disponibilizaram contactos para apoio especializado.
Por outro lado, 78% dos inquiridos consideram que a perda foi um evento traumático como consequência, por exemplo, de não terem estado presentes no momento da morte, de não terem feito o velório e o funeral e por não lhe ter sido permitido ver o corpo.
“Deixei o meu pai nas urgências e nunca mais o vi. Esta é uma das frases que ouvimos”, disse a investigadora.
Contudo, as restrições na fase do cuidar e funeral não estão correlacionadas com sintomas de trauma e risco de luto prolongado, mas o impacto psicológico dessas medidas sim, o que significa que não é o evento em si que é perturbador, é a forma como o indivíduo o experiencia.
Segundo o estudo, 66% dos participantes referiram sentirem-se muito limitados em estar presente no momento da morte, 64% em ver e/ou tocar o corpo do falecido, 69% sentiram-se muito limitados em realizar o velório e 75% muito limitados em ter a presença das pessoas que desejavam durante o funeral.
Questionados sobre o apoio que receberam no período de luto, apenas 16% referiram ter recebido algum por parte do médico de família, 25% do psicólogo e 15% de um líder espiritual/ religioso.
O apoio prestado foi maioritariamente por telefone e 61% consideram que foi muito útil.
Três quartos dos participantes sentiram-se muito limitados em poder visitar o seu familiar e em poder estar presente e acompanhar o fim de vida, 69% sentiram-se muito limitados em despedirem-se do seu familiar, 62% sentiram-se muito limitados na comunicação com o seu familiar, 47% sentiram que não recebiam informação suficiente sobre o estado de saúde do seu familiar e 51% perceberam uma grande limitação para poderem receber apoio dos profissionais de saúde.
Em 53% dos casos o falecido era do sexo masculino e tinha uma média de idade de 75 anos.
A maioria faleceu no hospital (55%), 13% em outras instituições de saúde, 21% em casa, 9% num lar e a principal causa de morte foi doença oncológica (43%).
Segundo o estudo, apenas 17,5% dos falecidos foram diagnosticados com covid-19.
O tempo médio de luto quando responderam ao questionário era de cinco meses, 98% dos enlutados referiram que tinham uma relação de grande proximidade com a pessoa que faleceu e 73% dos enlutados viviam com a pessoa falecida.
Segundo os investigadores, embora normativa, a perda de uma pessoa significativa é geralmente muito dolorosa e, em alguns casos, reveste-se de sintomatologia emocional e física que, pela sua intensidade e persistência, implica atenção médica.
Estima-se que, na população geral de enlutados, 10& a 20% apresentam sintomas de perturbação de luto prolongado que se caracteriza por manifestações de intensa dor emocional, forte anseio e dificuldade em aceitar a perda, perda de interesse e do sentido de vida, bem como incapacidade social e funcional que se mantêm para além dos seis meses após a morte.
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