“Anule a decisão, aplique o tratado!”, gritaram milhares de mulheres e homens reunidos no distrito de Kadiköy, em Istambul, exigindo que Erdogan retroceda na decisão já tomada de abandonar a Convenção de Istambul, assinado por 45 países há uma década, e que lhe rendeu críticas da Europa.
Os manifestantes mostravam retratos de mulheres assassinadas e levantavam cartazes nos quais se podia ler, nomeadamente: “São as mulheres que vão vencer esta guerra”.
“Estou farta deste Estado patriarcal. Estou farta de não me sentir seguro. Chega!”, disse Banu, uma dos manifestantes, à agência AFP.
De acordo com os media, outros protestos, menos participados, realizaram-se em Ancara e Izmir (oeste).
Num decreto publicado na noite de sexta-feira para sábado no diário oficial do Estado e assinado por Erdogan, este anunciou a retirada da Turquia da Convenção de Istambul.
Foi o atual presidente turco quem assinou este tratado, mas então, em 2011, como primeiro-ministro.
Esta decisão, tomada numa altura em que os feminicídios estão a aumentar há uma década na Turquia, despertou a ira das organizações de direitos das mulheres e as críticas da União Europeia.
A organização não-governamental Bianet contabilizou cerca de 300 feminicídios em 2020 e 77 desde o início deste ano.
Na Turquia os feminicídios e a violência doméstica são endémicos, sendo que no do mês de março deste ano, o país foi abalado com a divulgação de um vídeo que mostra um homem a bater na ex-mulher que está no chão, no meio da rua, e em frente à sua filha.
O agressor foi preso e o Presidente Erdogan anunciou a criação de uma comissão parlamentar para fazer um balanço da legislação a fim de melhor lutar contra a situação.
Apesar das declarações de Erdogan, os grupos de direitos das mulheres acusam o governo de não fazer cumprir de forma dura a legislação existente, a fim de desencorajar o sentimento de impunidade existente.
Este país eurasiático, que segundo os seus críticos nunca implementou a convenção, torna-se assim o primeiro Estado a abandonar o tratado, depois de ter sido o primeiro a ratificá-lo.
Em agosto de 2020, Erdogan disse que se retiraria do acordo “se o povo o quisesse” e anunciou a sua intenção de criar um tratado próprio.
Grupos islâmicos conservadores pressionaram o AKP, partido liderado por Erdogan, para esta retirada, considerando que alguns artigos têm um impacto negativo “na estrutura familiar” e vão contra os “valores nacionais”.
Alegam que o texto promove a homossexualidade, utilizando o termo “orientação sexual”, e ataca os valores familiares, descrevendo as relações de “pessoas que vivem juntas” sem especificar se são casadas.
Dentro do próprio AKP, há representantes críticos do abandono do pacto, incluindo algumas deputadas e a KADEM, uma organização de mulheres próxima do partido e cuja vice-diretora é Sümeyye Erdogan, a filha do Presidente.
A Turquia registou 284 assassinatos sexistas de mulheres em 2020, de acordo com estimativas de Bianet, uma ONG que tem vindo a recolher estes casos há uma década na ausência de números oficiais.
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