Desde que assumiu a chefia do Estado, em 9 de março de 2016, Marcelo Rebelo de Sousa repetiu em diversas ocasiões que desejava não utilizar a chamada "bomba atómica", sem excluir porém um eventual recurso a esse poder constitucional, utilizado por Ramalho Eanes, Mário Soares, Jorge Sampaio e Cavaco Silva.

Em 4 de outubro deste ano, em entrevista à TVI, procurou marcar a diferença em relação aos seus quatro antecessores eleitos em democracia, declarando: "Eu não tenciono criar nenhum partido. Não tenciono promover nenhum congresso para apoiar a oposição. Não tenciono, se for possível, ter exercício do poder de dissolução do parlamento até ao fim do mandato parlamentar."

"No que depende de mim, se posso ser acusado de alguma coisa é de ser estabilizador a mais", acrescentou, nessa ocasião.

Porém, um mês mais tarde, após o chumbo do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade, também com os votos contra de PCP, BE e PEV, Marcelo Rebelo de Sousa tornou-se o quinto Presidente da República consecutivo a comunicar ao país a dissolução do parlamento.

"Uma semana e um dia depois da rejeição do Orçamento para 2022, encontro-me em condições de vos comunicar que decidi dissolver a Assembleia da República e convocar eleições para o dia 30 de janeiro de 2022", afirmou, na noite de 4 de novembro.

Numa comunicação a partir do Palácio de Belém, o Presidente da República defendeu que a dissolução era "o único caminho que permite aos portugueses reencontrarem-se neste momento com os seus representantes nacionais, decidirem o que querem para os próximos anos, que são anos determinantes" e "escolherem aquelas e aqueles que irão o mais rapidamente possível votar o Orçamento que faz falta a Portugal".

Nos termos da Constituição, foram ouvidos os partidos políticos e o Conselho de Estado, que deu parecer favorável à dissolução, por maioria.

Marcelo Rebelo de Sousa tinha colocado esta possibilidade em cima da mesa com antecedência, em 13 de outubro, à saída da inauguração das novas instalações da associação Ajuda de Berço, depois de PCP e BE terem acenado com o voto contra o Orçamento logo na generalidade.

A ameaça de crise política surgiu num contexto ainda de pandemia de covid-19, duas semanas depois das autárquicas de 26 de setembro, em que o PS voltou a ter mais votos e a conquistar mais câmaras municipais, mas perdeu Lisboa e Coimbra, entre outras, para o PSD, que se preparava para decidir o seu calendário interno de diretas e Congresso.

Não houve acordo entre o PS e os partidos à sua esquerda, PCP, BE e PEV, nem sequer para as negociações prosseguirem na especialidade, e o Orçamento para 2022 acabou chumbado, em 27 de outubro, apenas com os votos a favor do PS e as abstenções do PAN e das deputadas não inscritas Joacine Katar Moreira e Cristina Rodrigues.

Terminava o ciclo de seis anos em que a maioria à esquerda apelidada de "geringonça" viabilizou orçamentos de dois executivos do PS, um quadro político inédito que já estava formado quando Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República em 24 de janeiro de 2016, com 52% dos votos expressos, e com o qual conviveu até agora.

O professor catedrático de Direito, entretanto jubilado, liderou o PSD entre 1996 e 1999 e destacou-se no comentário político televisivo aos domingos durante 15 anos, antes das eleições presidenciais de 2016, a que se apresentou como um moderado, vindo da "esquerda da direita", apostado em "fazer pontes".

Distinguiu-se do antecessor, Aníbal Cavaco Silva, na desdramatização da solução governativa e demarcou-se da tese da falta de legitimidade de um executivo formado pelo segundo maior partido na Assembleia da República, defendendo que devia cumprir a legislatura, o que aconteceu.

O PS venceu sem maioria absoluta as legislativas de 04 de outubro de 2019, formando novo Governo minoritário, agora sem o suporte de quaisquer acordos escritos – condição que o próprio chefe de Estado considerou desnecessária e que o PCP rejeitava.

O Presidente apelou a que continuasse a ser a "geringonça" a aprovar os orçamentos, desaconselhando "soluções pontuais", mas a partir de 2020 a maioria começou a desfazer-se: PCP e PEV votaram contra o Orçamento Suplementar para aquele ano, meses mais tarde o BE votou contra o Orçamento para 2021.

Quase até ao fim do seu primeiro mandato de cinco anos, Marcelo Rebelo de Sousa manteve em aberto candidatar-se a um segundo, o que só anunciou em 07 de dezembro de 2020.

A sua recandidatura teve o apoio formal de PSD e CDS-PP, numas eleições em que o PS, no Governo, optou por não dar apoio a nenhum candidato, mas aprovou uma moção com uma "avaliação positiva" do seu primeiro mandato.

Marcelo Rebelo de Sousa obteve 60,67% dos votos expressos nas presidenciais de 24 de janeiro deste ano com, a terceira maior percentagem em eleições presidenciais em democracia e a segunda maior numa reeleição.

Em segundo lugar ficou a militante socialista e diplomata Ana Gomes, que apenas recebeu do seu partido uma saudação à sua candidatura, que obteve 12,96%, a uma distância de quase dois milhões de votos.

Ao tomar posse para um segundo mandato, em 9 de março deste ano, o Presidente da República afirmou que era "o mesmo de há cinco anos", prometendo atuar com "independência, espírito de compromisso e estabilidade, proximidade, afeto, preferência pelos excluídos, honestidade, convergência no essencial, alternativa entre duas áreas fortes, sustentáveis e credíveis".

Perante a Assembleia da República, prometeu que "assim será, com qualquer maioria parlamentar, com qualquer Governo".

Como "primeira prioridade" para o novo mandato, o chefe de Estado elegeu a defesa de uma "melhor democracia", com "convergência no regime e alternativa clara na governação" e "estabilidade sem pântano".

Passados cerca de seis meses, na véspera de o Orçamento do Estado para 2022 ser chumbado, Marcelo Rebelo de Sousa aludiu à possibilidade de Portugal ir "de miniciclo para miniciclo para miniciclo para miniciclo" e pediu convergências de médio e longo prazo.

 "A força das democracias está na moderação, está nos moderados. Não está, por definição, na radicalização", declarou.

O Presidente da República oficializou a dissolução do parlamento, por decreto, em 4 de dezembro, um mês depois de ter anunciado ao país que iria "devolver a palavra ao povo".

As principais forças políticas apresentam-se às legislativas de 30 de janeiro com as mesmas lideranças, incluindo o maior partido da oposição, o PSD, que no meio deste processo reelegeu Rui Rio nas diretas de 27 de novembro, contra Paulo Rangel.