Marcelo Rebelo de Sousa falava no lançamento do livro de Diogo Freitas do Amaral "Mais 35 anos de Democracia - Um percurso singular", editado pela Bertrand, o terceiro dedicado às suas memórias e que abrange o período entre 1982 e 2017, no Centro Cultural de Belém, em Lisboa.

"O lugar é adequado. Por aqui passou muita história de Portugal. É adequado para agradecer a um dos pais da democracia portuguesa. Se temos democracia hoje, há uma quota-parte que se deve a si, e isso não esquecemos, isso agradeceremos sempre. E teremos de passar esse testemunho aos vindouros", afirmou o chefe de Estado, perante Freitas do Amaral.

Além de o apontar como "um dos quatro pais líderes dos partidos estruturantes da democracia portuguesa", juntamente com Mário Soares, Francisco Sá Carneiro e Álvaro Cunhal, o Presidente da República considerou que o fundador e primeiro líder do CDS "foi essencial para que houvesse direita em Portugal em democracia".

"Nem sempre o fez, admito, com plena felicidade, correspondendo às suas ideias às suas convicções, aos seus sentimentos. Mas existe direita em Portugal, e existiu desde o 25 de Abril, largamente devido ao seu contributo. Porque, num momento em que ela não existia, foi Diogo Freitas do Amaral que tomou esse encargo, com um grupo de amigos, com um grupo de seguidores, com um grupo de correligionários, de dar voz a esse reequilíbrio num sistema político nascente", acrescentou.

Marcelo Rebelo de Sousa defendeu que o antigo vice-primeiro-ministro e duas vezes ministro dos Negócios Estrangeiros, em governos da Aliança Democrática (AD) e do PS, teve uma preocupação constante com "o equilíbrio no sistema jurídico-político-institucional português" que, no seu entender, "o levou a ter uma intervenção ativa em momentos cruciais".

Na sua intervenção, o chefe de Estado destacou a importância da campanha para as presidenciais de 1986, em que Freitas do Amaral acabaria derrotado por Mário Soares na segunda volta, declarando que "foi, de todas as campanhas eleitorais, a mais importante da democracia portuguesa" e que dificilmente se voltará "a encontrar uma campanha tão importante para a vitalidade da democracia como aquela".

"Nós, os mais velhinhos aqui presentes, que vivemos os primórdios da democracia, recordamo-lo a fundar o CDS, recordamo-lo na Assembleia Constituinte, recordamo-lo a votar contra a Constituição, não por uma questão que tivesse a ver com a rejeição da democracia, mas por uma visão de equilíbrio no quadro político-constitucional existente. Recordamo-lo, mais tarde, na entrada de elementos do CDS no Governo de Mário Soares. Recordamo-lo na criação da AD", referiu.

O Presidente da República descreveu o fundador do CDS como "um homem visceralmente do centro, com um toque britânico", que tem "um prazer enorme a ser muito livre" e tomou posições que "agradaram a uns, desagradaram a outros", mas discordou que seja incompreendido ou desvalorizado pelos portugueses.

"Às vezes a humildade de Diogo Freitas do Amaral leva-o a subestimar-se, e nessa medida a subestimar o juízo que os portugueses têm acerca do próprio. Não é verdade", disse-lhe, agradecendo-lhe, no plano pessoal, pela amizade e cumplicidade e, como chefe de Estado, pelo "que tem feito por Portugal, e que não prescreve".

Professor universitário de direito, nascido em 21 de julho de 1941, na Póvoa de Varzim, no distrito do Porto, Freitas do Amaral foi fundador e primeiro presidente do CDS, pelo qual foi eleito deputado à Assembleia Constituinte, em 1975, e depois à Assembleia da República, em diversas legislaturas, até se desfiliar do partido, em 1992.

No período da AD, entre 1979 e 1983, foi vice-primeiro-ministro, ministro dos Negócios Estrangeiros, primeiro-ministro interino, após a morte de Francisco Sá Carneiro, e ministro da Defesa Nacional. Voltou a exercer as funções de ministro dos Negócios Estrangeiros no primeiro Governo chefiado por José Sócrates, entre 2005 e 2006.

No plano internacional, foi presidente da Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), entre 1995 e 1996, e da União Europeia das Democracias Cristãs, de 1981 a 1983.

Freitas recorda "percurso singular" sempre "no quadro amplo" da democracia-cristã 

O fundador do CDS Diogo Freitas do Amaral recordou o seu "percurso singular" de intervenção política, afirmando que acentuou valores ora de direita ora de esquerda, face às conjunturas, mas sempre "no quadro amplo" da democracia-cristã.

"De facto, o meu percurso político foi singular", considerou, terminando a sua intervenção a citar alguns versos da canção "My Way", na sua versão em inglês, com letra de Paul Anka, que ficou famosa na voz de Frank Sinatra, para ilustrar o seu "percurso diferente", feito "no exercício de uma plena liberdade política".

Freitas do Amaral, que fez parte de governos da Aliança Democrática (AD), entre 1979 e 1983, e mais tarde do PS, entre 2005 e 2006, após ter saído do CDS em 1992, ressalvou que respeita a opção das pessoas que "ficam quase sempre onde começaram", mas realçou que no seu caso "as coisas aconteceram de forma diferente".

"Houve uma primeira fase em que, com o país demasiado virado à esquerda, acentuei sobretudo valores de direita. E uma segunda fase em que, julgando eu que o país estava demasiado virado à direita, acentuei sobretudo valores de esquerda. Sempre no quadro amplo, vasto e profundo da democracia-cristã", afirmou.

Contudo, declarou que não se arrepende de nada e defendeu que nunca deixou a matriz da "democracia-cristã, inspirada na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo", e o sentido de "dever especial de solidariedade com os mais pobres".

"Olhando para trás, para estes 45, 50 anos, penso que aquilo que mais me marcou foi a minha filiação democrata-cristã. Em primeiro lugar, a democracia, a qual explica quatro recusas de convites feitas pelo meu mestre e amigo, doutor Marcello Caetano, durante o Estado Novo. E explica mais de uma dezena de 'sins' que fiz conscientemente depois do 25 de Abril. Mas democracia-cristã, inspirada na vida e nos ensinamentos de Jesus Cristo", disse.

"E enquanto tiver um sopro de vida tenciono continuar a dar prioridade a esse aspeto", acrescentou.

Freitas do Amaral referiu que a última fase da conclusão desta obra "não foi uma fase muito fácil", por razões de saúde, e frisou que estas são "memórias políticas, que não são nem privadas, nem familiares, nem pessoais, nem académicas", com as quais não pretende "ajustar contas com ninguém".

"Escrevi, sobretudo, para deixar um testemunho, tão objetivo quanto possível. Sei que esta verdade é apenas a minha parte da verdade. Mas um testemunho feito com a intenção da imparcialidade possível, para que um dia os historiadores independentes possam dispor uma fonte onde vão encontrar algumas explicações que se calhar mais ninguém deu ou dará", justificou.