"O Presidente da República é como é. Eu sou como sou, eu recebo toda agente, eu falo com toda agente. Quando me pedem audiências de cortesia, recebo. Faço isso há seis anos", esclareceu hoje Marcelo Rebelo de Sousa aos jornalistas em Aveiro na comemoração dos 40 anos da Fábrica Renault de Cacia.

Marcelo Rebelo de Sousa respondeu desta forma ao facto de Rui Rio ter considerado "muito estranho" que o Presidente tenha recebido um candidato partidário em Belém. O líder do PSD acrescentou ainda que se o encontro serviu para falar de prazos eleitorais, discorda e reiterou que é "minimamente aceitável".

Alongando o comentário sobre a situação pediu para que o foco estivesse no que é "importante" no dia de hoje para a vida dos portugueses: a discussão na Assembleia da República do Orçamento do Estado (OE) e as consequências que podem advir de um chumbo do OE.

"Nós estamos num momento em que o país decide se tem Orçamento ou não e isso é importante para a vida das pessoas. Estamos num momento em que pode acontecer que tenhamos que assistir a uma dissolução da Assembleia da República e ir a eleições e isso é importante para a vida das pessoas. Portanto, isto é o que é importante. Depois, o que não é importante é as pessoas não perceberem que o Presidente da República é como é" disse.

Instado a comentar o que se passou entre portas, Marcelo explicou ("como imaginam") que não relata o que se passa nas audiências que faz, mas diz ser "fácil entender" que o Presidente da República "não se imiscui na vida interna dos partidos".

"Eu não tenciono formar um partido. Não tenciono organizar nenhum congresso para influenciar a oposição ou a situação. Não tenciono preferir um ou outro candidato na vida dos partidos. Quem os partidos escolherem para líder, está bem escolhido", afirmou, acrescentando que o Presidente da República "exerce as suas funções com quem está na roda política e social".

O chefe de Estado considerou ainda que a reunião com Paulo Rangel decorreu "na melhor altura", porque se realizou antes de o parlamento votar esta quarta-feira, na generalidade, a proposta de Orçamento do Estado para 2022.

"Se era uma visita de cortesia, tinha de ser o mais rapidamente possível. Se fosse depois é que se poderia dizer que tinha alguma influência ou tinha tido alguma ligação com o voto da Assembleia ou com a vida interna do partido. Antes disso era fazer o que sempre fiz ao longo dos seis anos", concluiu.

Paulo Rangel, eurodeputado do PSD e candidato à liderança nas diretas de 4 de dezembro, foi recebido terça-feira por Marcelo Rebelo de Sousa no Palácio de Belém.

O anúncio da audiência foi feito no portal da Presidência da República na Internet, com o esclarecimento de que o encontro se realizou a pedido de Paulo Rangel.

Constitucionalista diz que encontro não foi "incorrecto"

O constitucionalista Paulo Otero considerou hoje que não foi “incorreto” o Presidente da República ter recebido em Belém o candidato à liderança do PSD Paulo Rangel, frisando que juridicamente o chefe do Estado recebe quem quiser.

"Não há nenhum obstáculo constitucional a que o Presidente da República resolva receber A, B ou C, incluindo quando, num partido há eleições ou vão existir candidatos, poder receber um deles ou todos. Não há, juridicamente, qualquer objeção", defendeu Paulo Otero, em declarações à Lusa.

O professor catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa sustentou que "juridicamente, o PR pode receber quem bem entender" mas reconheceu que "políticamente, é um sinal" que não considera "incorreto porque, não tomar em atenção o que se passa dentro do maior partido da oposição, poderia significar tomar posição a favor do atual líder", Rui Rio.

Contactado pela Lusa, o constitucionalista Vital Moreira também considerou, em declaração à Lusa, que a questão é "constitucionalmente irrelevante, só sendo suscetível de comentário político", que não quis fazer.

Para Paulo Otero, recusar receber Paulo Rangel "poderia significar que o Presidente da República apoiava o atual líder, Rui Rio. Tendo [recebido Paulo Rangel], significa que o Presidente está sensibilizado para o ‘timing’ eleitoral", apontou.

Nesse sentido, Paulo Otero frisou que o "grande problema do PSD" é que, em caso de convocação de eleições antecipadas, o sufrágio não irá "ocorrer antes das diretas" sociais-democratas – que terão lugar a 4 de dezembro -, sendo que "a apresentação das listas de deputados tem de ocorrer até 41 dias antes da data das eleições" legislativas.

"Ora, 41 dias antes da data das eleições pode significar que as listas tenham que ser apresentadas entre o momento em que já ocorreram as eleições diretas do PSD, mas não existiu congresso. Qual é a consequência? É que Paulo Rangel pode ganhar as diretas, mas quem tem os comandos ainda do partido, e por isso mesmo a indicação da lista dos candidatos, é o Rui Rio, e esse é o drama do PSD neste momento", salienta.

Quanto ao facto de o Presidente da República ter afirmando, em 13 de outubro, que iria dissolver o Parlamento e convocar eleições antecipadas em caso de chumbo do Orçamento, Paulo Otero estima que Marcelo Rebelo de Sousa não excedeu as suas funções, apesar de reconhecer que colocou "pressão nos partidos da oposição no sentido de se entenderem".

"Ele quando diz que haverá dissolução significa que, no fundo, os partidos quando votam a rejeição, estão simultaneamente a querer a dissolução, porque sabem que a rejeição do Orçamento determinará a respetiva dissolução", frisa.

O constitucionalista aponta assim que o Presidente "partilhou as mágoas do Governo" ao dizer aos parceiros de esquerda que, "ou aprovam o Orçamento, dando um voto de confiança implícito ao Governo ou, pelo contrário, rejeitando o Orçamento, estão a censurar o Governo e, perante a censura ao Governo", dissolveria o Parlamento.

(Notícia atualizada às 16:12)