Nascida em Lisboa, a 20 de maio de 1937, Maria Teresa Horta é descendente, pelo lado materno, de uma família da alta aristocracia portuguesa, contando entre os seus antepassados a célebre poeta Marquesa de Alorna.
Frequentou o Liceu D. Filipa de Lencastre, estudou na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, foi dirigente do ABC Cine-Clube, e dedicou-se ao jornalismo e à questão do feminismo.
A sua escrita começou na infância, no escritório do pai, onde passava os dias a olhar maravilhada para os livros, mas era a avó quem lhos lia, uma avó sufragista, por quem teve uma grande paixão e com quem morreu de mão dada. A dor da perda da avó marcou a vida de Maria Teresa Horta, que ficou muda durante 24 horas com a notícia da sua morte.
Uma mulher sensível e guerreira, estreou-se na poesia em 1960, com um livro intitulado “Espelho inicial”, a que se seguiram vários outros como Cidadelas Submersas (1961), Amor Habitado (1963) e, Jardim de Inverno (1966). O seu nome ficou associado ao grupo “Poesia 61”, uma antologia da autoria de cinco poetas universitários, todos homens e Maria Teresa Horta.
A tertúlia era composta, além da poetisa, por Casimiro de Brito, Fiama Hasse Pais Brandão, Gastão Cruz, Luiza Neto Jorge, que referiam a importância de uma “evolução conjunta da poesia experimental em sentido tangente ao realismo social”.
O início de uma vida dedicada à luta da Mulher
Criada numa casa onde quem mandava era o pai, que um dia lhe queimou os livros, por achar que não era próprio de uma rapariga, Maria Teresa Horta decidiu lutar contra isso toda a vida. Descreve esse momento que descreveu como “horrível”, e sai de casa.
Em 1971, publicou o livro de poesia “Minha senhora de mim”, que faz uso da forma poética das cantigas de amigo medievais, mas que coloca a mulher no centro da narrativa, como alvo de desejo sexual e como sujeito que comanda a relação com o homem, submetendo-o aos seus desejos.
A obra foi censurada e tanto a editora como as livrarias foram objeto de um auto de busca e apreensão por parte da polícia política da ditadura, a PIDE. Chegou também a ser presa em manifestações do Movimento pela Libertação das Mulheres (MLM), juntamente com Maria Isabel Barreno.
Mas foi a publicação de livros sobre o papel da mulher durante o regime do Estado Novo, que mais lhe custou a liberdade. Numa entrevista à Lusa, Maria Teresa Horta contou que por causa deste livro foi espancada na rua “pelos fascistas”, que lhe terão dito uma frase que nunca esqueceu: “Isto é para aprenderes a não escreveres como escreves”.
Este episódio foi o mote para dar início, no mesmo ano, com Maria Isabel Barreno e Maria Velho da Costa, à escrita de "Novas Cartas Portuguesas (ou de como Maina Mendes pôs ambas as mãos sobre o corpo e deu um pontapé no cu dos outros legítimos superiores)", no âmbito do Movimento Feminista de Portugal.
Um manifesto contra a repressão da figura feminina e a escravidão da "esposa meiga", em que a intenção era desafiar o poder vigente, pois se uma mulher foi agredida por escrever um livro, o que aconteceria se fossem três a escrever? Além disso, um texto que se constituiucomo um libelo contra a ideologia vigente no período pré-25 de Abril, que denunciava a guerra colonial, as opressões a que as mulheres eram sujeitas, um sistema judicial persecutório, a emigração e a violência fascista.
O resultado foi a apreensão da primeira edição do livro, interrogatórios na polícia e um julgamento que terminou após a revolução de 25 de Abril de 1974, com a absolvição das autoras.
A luta pelos direitos das mulheres é indissociável da sua carreira como escritora e ativista, que teve como mote da sua vida "a luta das mulheres guerrilheiras": "mas em nós tudo mudou/ e agora não / já lutamos com as nossas mãos / recusamos o repouso do guerreiro / construiremos / o mundo por inteiro".
No entanto, a escritora não se reconhecia na imagem estereotipada da “feminista militante”, tendo afirmado, numa entrevista dada à revista Pública em 2000, que era “precisamente o contrário do que as pessoas imaginam das mulheres feministas”.
O que contestava era a situação das mulheres, o facto de terem menos direitos e deverem obediência aos homens, de serem sexualizadas e terem de responder a padrões sociais que não lhes pertenciam. C
O seu percurso pelo jornalismo
Enquanto jornalista, escreveu para publicações como Diário de Lisboa, A Capital, República, O Século, Diário de Notícias e Jornal de Letras e Artes, entre outros.
No jornal A Capital chefiou o suplemento Literatura e Arte, pelo qual passaram nomes maiores da literatura portuguesa, como Natália Correia, Ary dos Santos, José Saramago, António Gedeão, Alexandre O’Neill ou Mário Cesariny.
Militante do Partido Comunista Português durante 14 anos, de 1975 a 1989, quando se deu a queda do muro de Berlim e o início do fim da União Soviética, Maria Teresa Horta foi convidada pelo partido a chefiar a redação da revista Mulheres.
Esta revista foi um projeto pessoal de Maria Teresa Horta, que lhe permitiu entrevistar mulheres de relevo da política, da cultura e da literatura, entre as quais Maria de Lourdes Pintasilgo, Marguerite Yourcenar, Marguerite Duras e Maria Bethânia.
Ainda assim, Maria Teresa Horta defendia que “jornalista é a minha profissão, escritora é quem eu sou”. Aliás, “eu sou a minha poesia” foi uma frase várias vezes repetida pela autora, que deu título a um poema e a uma antologia pessoal publicada em 2019.
E o regresso aos poemas
Produziu vasta obra poética e de ficção, que lhe granjeou inúmeros prémios.
Em 2011 foi distinguida com o Prémio D. Dinis 2011 da Fundação Casa de Mateus pela sua obra "As Luzes de Leonor", que aceitou, recusando-se contudo a recebê-lo das mãos do então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, por considerar que este estava “a destruir o país”. Pela mesma obra recebeu o Prémio Máxima de Literatura.
Em 2017, recusou o quarto lugar ‘ex-aequo’ do Prémio Oceanos, por considerar que lhe tirava a dignidade. O mesmo livro, “Anunciações”, valeu-lhe o Prémio Autores de 2017 na categoria melhor livro de Poesia.
Em 2020, o Ministério da Cultura distinguiu-a com a Medalha de Mérito Cultural, e no ano seguinte foi distinguida com o Prémio Literário Casino da Póvoa, no festival literário Correntes d'Escritas, pela obra “Estranhezas”.
Em 2022, foi agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem da Liberdade. Em 2004, já tinha sido agraciada com o grau de Grande-Oficial da Ordem do Infante D. Henrique pelo então Presidente da República, Jorge Sampaio.
Teve livros editados no Brasil, em França e Itália, e foi a primeira mulher a exercer funções dirigentes no cineclubismo em Portugal, sendo por isso considerada um dos expoentes do feminismo da lusofonia.
Entre as suas obras poéticas, contam-se títulos como “Educação sentimental”, “As mulheres de Abril”, “Rosa sangrenta”, “Inquietude”, “Poemas para Leonor” e “Paixão”, este último, uma homenagem ao amor pelo marido, que morreu em 2019, causando-lhe um enorme desgosto.
Na ficção, destacam-se títulos, além de “Novas Cartas Portuguesas”, como “Ema”, “A Paixão Segundo Constança H.”, “As Luzes de Leonor” ou “Meninas”, além de um livro que compila as crónicas publicadas no suplemento Literatura e Arte do jornal A Capital, entre 1968 e 1972, intitulado “Quotidiano Instável”.
Maria Teresa Horta não conseguia viver sem escrever. Dizia que quando parasse era porque tinha morrido.
*Com Lusa
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