"Considero um grande exercício de hipocrisia que os dois grandes partidos que se empenharam na revisão constitucional de 1997 sejam os mesmos que hoje têm a maioria e, 22 anos depois, tudo esteja na mesma", afirma Luís Marques Mendes, conselheiro de Estado. É por isso apoia a proposta que a SEDES – Associação para o Desenvolvimento Económico e Social entregou na Assembleia da República, e que conjuga círculos uninominais com listas abertas, um sistema semelhante ao alemão.
Até à revisão de 1997 a Constituição não permitia mudar o sistema eleitoral, criado em 1975. "Nos anos que antecederam a revisão, houve uma grande discussão política, influenciada pelo PSD, para reformar a lei". Entre as alterações, ficou consagrada na Constituição a possibilidade de criar círculos uninominais.
Marques Mendes lembra-se bem: "António Guterres era então secretário-geral do PS e Marcelo Rebelo de Sousa era presidente do PSD. Quem fez a negociação e assinou o acordo fui eu, enquanto líder parlamentar do PSD, e Jorge Lacão, líder parlamentar do PS".
Há mais de 20 anos que Marques Mendes defende a alteração do sistema eleitoral. Este "é um contributo decisivo para a melhoria da qualidade da democracia", diz. E explica: "Os cidadãos votam mais em pessoas do que em partidos e isso vê-se na comparação das eleições autárquicas com as legislativas. Nas autárquicas, e porque querem ganhar, os partidos são exigentes nas escolhas que fazem, escolhem pessoas com qualidade, credibilidade e mérito. A nível nacional o grau de exigência devia ser igual, mas os chefes partidários metem tudo nas listas, o bom e o mau, privilegiam a fidelidade em vez do mérito".
O autor do novo projeto, que reuniu sete mil assinaturas, é o histórico do CDS José Ribeiro e Castro: "O sistema partidário evoluiu negativamente e defende hoje os interesses que estão por trás dos partidos, nuns casos mais do que noutros, em vez de estimular a cidadania. Os mais afeiçoados ao poder, os do arco da governação, têm mostrado grande resiliência a um novo sistema eleitoral, mas os restantes partidos não estão imunes a essa lógica de captura do poder", diz.
Esta é a realidade que um grupo de subscritores quer alterar. Eduardo Marçal Grilo, ex-ministro da Educação e administrador da Fundação Calouste Gulbenkian, concorda com o diagnóstico e por isso juntou-se à ideia. "Esta lei eleitoral tem mais de 40 anos e está um pouco esgotada. Prestou serviços magníficos ao país, mas convinha melhorar o que é a relação entre deputados e o eleitor. Nos pequenos distritos como aquele em que nasci, Castelo Branco, há uma certa proximidade, mas nos grandes círculos como Lisboa, Porto, Braga, Aveiro ou Setúbal, entre outros, o eleitor não sabe quem o representa e os deputados - porque falo das eleições legislativas - não se sentem obrigados a prestar contas ao eleitor, mas sim aos partidos que os colocam nas listas", afirma.
O sistema eleitoral em vigor tem 44 anos e a última vez que foi discutido, há 20 anos, correu mal, em boa parte porque implicava a redução do número de deputados. Ribeiro e Castro, Marques Mendes e Marçal Grilo concordam que a Assembleia da República tem deputados a mais, mas consideram que esta é uma questão acessória e que apenas serve para minar o debate. "Também considero importante reduzir o número de deputados, mas essa não é uma questão estruturante", afirma Marques Mendes. Marçal Grilo é da mesma opinião: "Não me parece que 230 deputados sejam necessários para representar o país, mas também não vou no radicalismo, como alguns afirmam, de que 100 deputados é suficiente". Para Ribeiro e Castro, uma das vantagens desta reforma é que o número de deputados permanece quase inalterado (229). De resto, a Constituição prevê que o número de deputados possa ser reduzido até um mínimo de 180.
Ainda assim, e na esperança de desmistificar a questão, o SAPO24 publica três gráficos em que compara o número de eleitores por deputado nos países de dimensão média, como Portugal (gráfico 1) , nos países de maior dimensão (gráfico 2) e nos países com parlamentos sensivelmente iguais ao português (gráfico 3).
Nº de eleitores por deputado nos países de dimensão média
Nº de eleitores por deputado nos países de grande dimensão
Nº de eleitores por deputado em países com parlamentos sensivelmente iguais ao português
A proposta elaborada pela SEDES em parceria com a APDQ – Associação Por uma Democracia de Qualidade é hoje discutida no ISEG - Instituto Superior de Economia e Gestão, sala 4, a partir das 17:30, e conta com o contributo de João Duque, presidente do conselho coordenador da SEDES, Álvaro Beleza, médico e político, José de Melo Alexandrino, constitucionalista e professor universitário, Gonçalo Carrilho, jurista e coautor do projeto, além de participação de Luís Marques Mendes, Eduardo Marçal Grilo e José Ribeiro e Castro.
O objetivo é refletir e forçar e mudança, que só poderá fazer-se, como diz Marques Mendes, pelo empenho dos cidadãos. "É preciso que a cidadania levante a voz", diz Ribeiro e Castro, "em vez de voltar as costas e não votar". "Nesta altura", continua, "os partidos com uma visão favorável à reforma, ou que têm no seu programa a alteração do sistema eleitoral, são o Partido Socialista e o Aliança".
Muito dificilmente o projeto em causa será aprovado nesta legislatura, como chegou a desejar José Ribeiro e Castro numa entrevista ao SAPO24 em que explica o novo sistema e que pode ler aqui.
Quem também poderá ter um papel importante, é o presidente Marcelo Rebelo de Sousa, até porque as eleições presidenciais "são contaminadas" pela descredibilização e desinteresse dos eleitores. "Pela primeira vez numas eleições presidenciais [as últimas], o número dos que votaram foi inferior ao dos que se abstiveram", relembra o ex-líder do CDS.
A reforma proposta procura restabelecer a relação entre o eleitor e o deputado. É um sistema misto, com círculos uninominais e plurinominais, que mantém a proporcionalidade, mas que produz uma mudança na cultura dos partidos. O novo sistema permite que o eleitorado escolha por maioria o seu deputado num determinado território e influencia a escolha dos que não ganham, que podem ser candidatos nas listas. Isso determina a formação das listas e a qualidade das pessoas que lá estão. O primeiro voto será no partido, o segundo no deputado, que pode ser do mesmo ou de outro partido.
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