É pela observação da lua crescente que a Arábia Saudita anuncia quando a peregrinação anual a Meca vai começar. Este ano, o início do mês durante o qual se realiza o ‘hajj’ assinala-se a 14 de junho.

A data é tão esperada que foi anunciada pelo Supremo Tribunal saudita na semana passada. Durante uma conferência de imprensa, o ministro saudita do ‘hajj’, Tawfiq al-Rabiah, declarou que “cerca de 1,2 milhões de peregrinos vindos de diversos países do mundo” já tinham chegado à Arábia Saudita. Esta semana, os números apontados rondam os 1,5 milhões.

Afinal, o que é o ‘hajj’?

O ‘hajj’ é um dos cinco pilares do Islão e deve ser cumprido pelo menos uma vez na vida por todos os muçulmanos que tiverem os meios para isso.

Consiste numa série de rituais cumpridos ao longo de, pelo menos, quatro dias em Meca e nos seus arredores, no oeste da Arábia Saudita.

Em 2023, mais de 1,8 milhões de muçulmanos participaram no ‘hajj’, segundo números oficiais. Khalid Jamal, da Comunidade Islâmica de Lisboa, diz ao SAPO24 que para este ano estão previstos cerca de dois milhões de peregrinos, de um total de 180 países.

Todos os muçulmanos podem ir a Meca?

A ideia é que todos lá possam ir. Contudo, além da falta de meios, podem existir razões políticas para não o fazerem. Por exemplo, nos últimos 10 anos os peregrinos sírios estavam impedidos de visitar Meca.

Este ano, a normalização entre Damasco e Riade permite a participação destes peregrinos na grande peregrinação ao local mais sagrado do Islão. Com esta mudança, recomeçaram os voos diretos entre os dois países e a concessão de autorizações para fazer a viagem.

“Não podia acreditar, os meus sentimentos foram indescritíveis quando me disseram que eu estava entre os aceites", disse à EFE Um Omar, um cidadão sírio de 64 anos que este ano será um dos cerca de 17.500 sírios no local.

Desde o início de junho, mais de 9.000 peregrinos já voaram para a Arábia Saudita a partir de regiões sob o controlo do Governo sírio do presidente Bashar al-Assad, repudiado por Riade e pelo mundo árabe pela sua brutal repressão dos protestos antigovernamentais na Síria em 2011.

Uma das consequências deste repúdio, que só começou a ser revelado no ano passado, foi o veto da Arábia Saudita, guardiã dos locais sagrados do Islão, à entrada de cidadãos sírios, uma punição que, ao longo dos anos, excluiu milhares de sírios, tanto residentes na Síria como opositores que fugiram para outros países.

Ainda faltam dois dias para o início do ‘hajj’. Como está o ambiente?

Embora os ritos oficiais do 'hajj' só comecem na sexta-feira, na Grande Mesquita de Meca, muitos fiéis vestidos de branco já começaram a dar voltas em redor da Kaaba, a estrutura cúbica preta em direção à qual todos os muçulmanos rezam.

"É magnífico", disse à AFP Mariam Comate, uma mulher de 48 anos que viajou de Abidjan, na Costa do Marfim. "Quando vi a Kaaba pela primeira vez, fiquei estupefata", comentou.

O Médio Oriente está em guerra. Isso nota-se em Meca?

A celebração anual em Meca é ofuscada pela guerra entre Israel e Hamas na Faixa de Gaza. O conflito "provoca muita ira no mundo muçulmano" e pode gerar expressões de solidariedade que não serão do agrado de Riade, destaca Umer Karim, especialista em política saudita da Universidade de Birmingham, no Reino Unido.

A monarquia saudita anunciou esta semana que receberá como peregrinos quase mil parentes de vítimas da guerra, o que eleva para 2 mil o número de palestinianos que estarão em Meca.

Ao mesmo tempo, o ministro responsável pelo evento, Tawfiq al Rabiah, advertiu que "nenhuma atividade política" será tolerada no 'hajj', que deve ser dedicado exclusivamente às orações.

Ao contrário de outros países muçulmanos, a Arábia Saudita nunca reconheceu Israel, mas a normalização das relações entre as nações estava em análise antes da guerra.

Mesmo depois do ataque de 7 de outubro e da ofensiva de represália israelita, Riade continua o diálogo com Washington sobre um eventual reconhecimento, agora condicionado à criação de um Estado palestiniano.

As autoridades vão tentar "controlar a divulgação de qualquer mensagem ou manifestação política" que possa sair do controlo e voltar-se contra a liderança saudita, afirma Umer Karim.

Quais os riscos numa peregrinação tão grande?

No ano passado, quase 90% dos peregrinos em Meca chegaram  do exterior, essencialmente de países asiáticos e do mundo árabe. E não há dúvidas: a receção de tantos fiéis em espaços considerados pequenos é uma "proeza logística", destaca o professor Bernard Haykel, da Universidade de Princeton.

Por questões de segurança, as autoridades implementaram sistemas para administrar o fluxo e evitar incidentes como o ocorrido em 2015, quando um grande tumulto deixou 2.300 mortos.

Também são aplicados processos para reduzir os riscos sanitários. Meca tem sido "historicamente um lugar de transmissão de doenças entre pessoas que chegam de diferentes partes do mundo", explica Haykel.

Mas um dos principais riscos para os fiéis, que cumprem a maioria dos ritos em locais abertos, será o clima, numa das regiões mais quentes do mundo. As temperaturas devem atingir 44ºC nos próximos dias.

No ano passado, mais de 2 mil peregrinos sofreram problemas de saúde devido ao calor, desde dores no corpo a crises cardiovasculares, segundo as autoridades sauditas.

Também existem "peregrinos clandestinos". O que significa isto?

Todos os anos, são muitos os estrangeiros que viajaram para Meca com vistos de turista em vez dos exigidos para o 'hajj'. Por esse motivo, são considerados peregrinos clandestinos.

Mohamed, um egípcio de 70 anos, está escondido num apartamento em Meca há semanas, na esperança de escapar da vigilância das autoridades sauditas e participar na peregrinação sem autorização, por um preço mais barato do que o que pagaria através do canal oficial.

"Estou a tentar obter um visto para o 'hajj' no Egito há mais de dez anos, mas não tive sorte", disse Mohamed à AFP, referindo-se às permissões especiais emitidas pelo reino saudita num sistema de cotas por país, que são então alocadas no Egito por sorteio.

Tal como ele, dezenas de milhares de muçulmanos estão a tentar participar sem autorização, de acordo com as autoridades e agências de viagem. Contudo, os peregrinos clandestinos podem ser presos e expulsos e ainda têm de pagar multas, mas estão dispostos a correr o risco só para fazerem parte da peregrinação.

Pelo menos 20 pessoas foram presas nas últimas semanas por “fraudes” relacionadas com o 'hajj', a maioria delas de origem egípcia, de acordo com os meios de comunicação estatais. E mais de 150 mil estrangeiros foram já expulsos do local.

*Com agências