No passado dia 8 de maio, o Governo pôs fim aos “rumores infundados” que corriam pelas redes sociais, de que a vinda das comunidades portuguesas para o nosso país passar as férias de verão seria indesejada pelas autoridades.
“O objetivo do governo é que os emigrantes possam vir a Portugal no Verão para reencontrar as suas famílias e, como sempre têm feito, para apoiar na recuperação da economia”, lê-se na nota do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE).
Os rumores, porém, tinham razão de ser: antes das férias da Páscoa, foi de facto pedido pelo ministro Augusto Santos Silva — assim como por autarcas de localidades como Vila Real ou Fornos de Algodres — para que as comunidades emigrantes optassem por ficar pelo país de acolhimento, em vez de viajar para Portugal.
Mas, apesar de tal ter ocorrido há pouco mais de um mês, os tempos e as circunstâncias eram outros. No início de abril, o país atravessava uma fase crítica da pandemia com um estado de emergência vigente, a ideia de clausura estava na ordem do dia e pedia-se aos emigrantes para não cumprir em Portugal o recolhimento que deveriam fazer nas respetivas terras a que passaram a chamar casa.
Daqueles que, mesmo assim, quiseram regressar, muitos desistiram depois de ver os seus voos cancelados, e os que ainda recorreram a fazer o percurso de carro, depararam-se com controlos nas fronteiras e notificações para cumprirem quarentena (entretanto revertidas).
Agora, montado sobre os bons resultados que as últimas semanas trouxeram e uma aparente estabilização da covid-19 a nível europeu, o Governo quer que a história seja outra no verão, e que, apesar de despojados da folia de outros anos, os emigrantes e lusodescendentes regressem às suas raízes.
No entanto, ainda são várias as incógnitas que impedem os vários emigrantes entrevistados pelo SAPO24 de saber com certeza se tanto eles como os seus familiares e amigos poderão vir para Portugal passar a época — ou se as contingências a que poderão ser obrigados justificam o esforço.
Em causa estão voos incertos, fronteiras fechadas e o risco de terem de vir a cumprir quarentena, tanto em Portugal como no seu país de acolhimento. Como tal, há vários que veem a data aproximar-se sem terem feito os preparativos de viagem necessários.
Clarificação, precisa-se
Elodie já tem um voo marcado desde março, comprado dez dias antes de ser decretado o confinamento obrigatório em França, mas a sua viagem tem um “ponto de interrogação” por cima. Apesar das romarias de carros ocuparem o imaginário dos emigrantes a chegar a Portugal nos meses de verão, a lusodescendente enjoa em viagens longas e prefere ir de avião.
Nascida e residente em Paris, a professora de pré-primária de 31 anos passa férias na zona de Pombal, de onde a família é proveniente, desde que se lembra. O que antes era um verão inteiro passado em Portugal nos tempos de juventude, agora resume-se a “três ou quatro semanas”, ditadas pela responsabilidade do trabalho e da maternidade. No entanto, esta pode ser “a primeira vez” que falha uma vinda.
Apesar de ter ida garantida para Portugal, Elodie não sabe em que condições pode voltar a Paris, já que comprou bilhetes de volta para um aeroporto, de Orly, que se encontra fechado. “É mesmo uma confusão porque acho que mesmo só à última da hora é que vamos saber”, desabafa.
Para além disto, o problema, para si, é que não só não sabe o que lhe vai acontecer quando chegar a Portugal, como também falta perceber o que é que o Governo francês vai implementar nos próximos meses. “França está a dizer que vamos poder viajar outra vez à Europa, mas depois Portugal diz que não sabe se quer ou não. Se me deixarem ir, acho que vou. Mas se houver impedimentos, terei de ficar cá”, aponta.
Amandine, de resto, reporta problemas semelhantes. Também ela lusodescendente, esta designer gráfica de 36 anos não vai viajar neste verão, preferindo aguardar por novembro com otimismo cauteloso, por considerar que, por essa altura, se vai saber melhor como lidar com a pandemia.
No entanto, para já, Amandine diz que “a maior parte” da sua comunidade “está à espera de saber se vai poder ir”, incluindo as suas duas irmãs e a sua mãe. "Eu sei que o Governo português disse que ia tentar fazer de tudo para que os emigrantes pudessem visitar as suas famílias, mas nós também aqui precisamos de saber do nosso lado se vai ser possível — o Governo francês também tem de nos dar essa opção de viajar".
A confusão das lusodescendentes é causada pela falta de clarificação que neste momento existe quanto às viagens e às medidas a implementar, não só em Portugal, como na União Europeia, onde cada país ainda está a manter as suas próprias regras mediante a fase da pandemia em que se encontra.
Sendo um setor que, em condições normais, já assumiria um enorme peso na economia de muitos países da União Europeia, o turismo afigura-se agora essencial para ajudar à difícil recuperação da crise pandémica nos cofres dos estados-membros, com o nosso país à cabeça.
É por isso que a UE já fez avançar as diretrizes para promover uma certa retoma até aos meses de verão, deixando, inclusive, a ressalva de que os países da União Europeia deveriam dar livre-conduto a quem se deslocasse para visitar a família.
No entanto, um dos pressupostos para que isso aconteça é a abertura das fronteiras entre os países do espaço Schengen, encerradas por razões sanitárias durante a fase crítica da pandemia. Se a União Europeia já fez saber que pretende, num futuro próximo, manter-se fechada ao mundo, dentro de portas quer que a livre circulação volte a instaurar-se. Só que os países não estão a trabalhar ao mesmo ritmo: se a Alemanha, a Suíça ou a Bélgica já fizeram saber que esperam a 15 de junho já ter as suas fronteiras abertas, em França ainda nada avançou e em Espanha admite-se que as fronteiras possam ficar fechadas até julho, para além do país estar a impôr quarentena de 14 dias a qualquer estrangeiro — fora algumas exceções — que entre no seu território.
O Governo português, pelo seu lado, tem procurado dar alguns sinais positivos. No que toca às restrições dos voos provenientes de fora da UE, o Ministério da Administração Interna, respondendo a um email enviado pelo SAPO24, garantiu que continua a manter como exceções à interdição de tráfego aéreo “os voos oriundos de países com importantes comunidades portuguesas”: países africanos lusófonos, Brasil (Rio de Janeiro e São Paulo), Reino Unido, Estados Unidos da América, Venezuela, Canadá e África do Sul.
Por outro lado, na sua nota, o MNE mencionou como está "a trabalhar para assegurar que, em qualquer cenário de evolução da situação na fronteira terrestre, venha a ser possível aos portugueses residentes no estrangeiro e com outra residência ou familiares em Portugal deslocarem-se ao nosso país no período de férias de verão". Portugal, recorde-se, mantém a fronteira fechada com Espanha até, pelo menos, 15 de junho.
Esta informação, inclusive, foi secundada pela Direção-Geral da Saúde, que em resposta a um email do SAPO24 assegurou, para já, que os emigrantes que venham para Portugal não sofrerão quaisquer restrições à sua entrada.
“À data, não existem restrições à entrada de pessoas em Portugal continental (cidadão nacional ou estrangeiro). Assim, se um emigrante pretender entrar em Portugal continental, poderá fazê-lo”, responde a DGS.
A DGS adianta também que, para as férias de verão, os emigrantes que “chegarem por via aérea, em voos com destino a Portugal autorizados, poderão entrar normalmente no aeroporto, sem restrições”, ressalvando, porém, que “se chegarem por via terrestre, para conseguir chegar às fronteiras, estes emigrantes deverão ter obtido autorização de circulação, de todos os estados membros que irão atravessar durante o trajecto desde o país onde estão a residir até à fronteira terrestre”.
No entanto, nem o MNE nem a DGS responderam ao SAPO24 se vão impor períodos de quarentena aos visitantes ou se vão testá-los para covid-19 à chegada. Também a este respeito, o secretário de Estado da Saúde pouco adiantou numa das conferências de imprensa diárias para fazer um ponto de situação quanto à pandemia. Questionado sobre este tema, António Lacerda Sales apenas disse que não haver “nada definido”, sendo tais medidas “articuladas com os diferentes países de onde provierem os nossos emigrantes”.
“Porque é que vamos testá-los a eles? Os que estão cá também vão ser testados permanentemente?”
De entre as autarquias contactadas pelo SAPO24 quanto à potencial vinda dos emigrantes portugueses no verão, a posição generalizada é de que ainda é cedo para falar em possíveis medidas.
No entanto, José Manuel Gonçalves, presidente da Câmara Municipal de Peso da Régua, afirmou perentoriamente que a sua vinda não representa um risco ou a necessidade de um plano reforçado. “Não estou a prever fazer qualquer tipo de plano suplementar, apenas e só porque os emigrantes vêm. Esse plano já está em cima da mesa com a abertura gradual que estamos a fazer”, adianta.
“É evidente que nós não temos de ter medidas acrescidas quando eles chegarem, temos é de ter um plano que terá de existir e que já estará no terreno com boas práticas, com a relação entre o que há de ser a segurança no dia-a-dia com algumas regras que vão alterar um pouco aquilo que é a nossa dinâmica normal”, afirmou também o autarca em conversa ao SAPO24.
Ao contrário do que aconteceu na Páscoa, quando ”houve uma determinação global e uma limitação daquilo que era a circulação”, assim como o controlo apertado “que fazia sentido” ter — a Régua também notificou emigrantes a cumprir quarentena nessa fase —, José Manuel Gonçalves diz que tais medidas agora não fazem sentido, a começar pela imposição da quarentena.
“Isso será para muitos o seu período de férias. Não faz sentido tomarmos esse tipo de medidas”, defende o autarca, pugnando antes por um “dispositivo montado de resposta à pandemia e um centro de testes a funcionar”. No entanto, este deve manter a sua função de diagnóstico enquanto resposta a casos suspeitos e não para profilaticamente testar todos os emigrantes recém-chegados.
“Penso que isso não se justifica, não conseguiríamos operacionalizar isso com toda a gente que chega”, apontou o presidente da Câmara Municipal de Peso da Régua, deixando também uma questão: “Porque é que vamos testá-los a eles? Os que estão cá também vão ser testados permanentemente? Temos de ter em conta essa realidade”.
De resto, o autarca concede que não haverá as festas sazonais de outros anos, mas que isso não impede os emigrantes de terem “todo o direito de vir à sua terra natal, estar com a sua família e os seus amigos”, sendo, por isso, necessário arranjar “um equilíbrio para que isso possa acontecer”.
José Manuel Gonçalves não deixou de mencionar o papel de recuperação económica que os emigrantes poderão ter — a par de um esforço de reforçar a atratividade para o turismo interno —, mas, apesar de não ser “uma questão disciplicente”, o autarca disse que o fator principal é “sentirem-se de cá e serem recebidos por quem é de cá”.
O autarca deixou ainda a nota de que considera que as fronteiras com Espanha vão “obrigatoriamente ter de abrir, a não ser que os próximos tempos nos deem sinais claros de um agravamento acentuado da pandemia”, pois “há uma pressão muito grande para retomarmos a economia, porque a dada altura vamos ser com uma situação em que não morremos da doença mas podemos morrer da cura”.
“Se for para cumprir quarentena, não vale a pena ir.”
Sendo uma medida que potencialmente esgota grande parte do período de férias de que dispõem, a questão da quarentena é um assunto sensível para os emigrantes.
Para Elodie, neste momento, já não é uma questão de escolha. “Eu tenho bilhete marcado desde 15 de julho até 26 de agosto, se tiver de ficar 15 dias [de quarentena], depois tenho quatro semanas para aproveitar. Mas para quem tem férias muito curtas, é complicado”, aponta. Quanto a si, sempre é melhor ficar retida “numa casa com quintal e jardim” do que num “num apartamento de 40 m2 sem varanda nem jardim” onde tem estado retida, sublinha.
No entanto, nem toda a gente poderá ver o copo meio cheio nesta situação. “Se for para cumprir quarentena, não vale a pena ir”, atira Fausto, que não vai viajar este ano por estar a recuperar de um acidente de trabalho. “Estar longe de quem queremos ver... acho que não vale a pena ir de férias!”, conclui.
O carpinteiro de 32 anos, natural da Mêda, está radicado em Payerne, na Suíça, há 10, e costuma fazer a sua viagem de carro atravessando a Europa até chegar a Portugal. O seu irmão está neste momento “a planear ir como faz normalmente”, sendo que “só não vai se houver impedimento”.
No entanto, este emigrante confessa que, junto da comunidade portuguesa onde se insere, existem algumas pessoas que talvez não venham a Portugal este ano dadas as circunstâncias, especialmente porque, fazendo as suas viagens de carro, ainda não fizeram os preparativos e não se sentem vinculadas a uma viagem como quem compra um bilhete de avião.
“É complicado estar a cancelar tudo, porque o meu dinheiro já está investido naqueles bilhetes e não posso cancelar os voos. As companhias só devolvem o dinheiro se forem elas a cancelar na altura”, lamenta Elodie, adiantando também conhecer quem esteja a aguardar até à última da hora para se meter num carro e vir para Portugal, "nem que seja por uma semana”.
No entanto, um pouco mais a norte, há quem encare a atual situação com um pouco mais de leveza. Dada a situação de desconfinamento em que o país se encontra, Miguel sente-se “relativamente tranquilo”. Há nove meses em Bruxelas, na Bélgica, o engenheiro civil de 27 anos já tem um voo marcado para julho, mês onde a sua empresa “tem um período fixo de férias, pois todo o setor da construção fecha durante três semanas”.
Miguel tinha, então, “voo comprado para passar esse tempo em Portugal”, se bem que “com estas notícias todas”, não sabe se “o voo se vai concretizar ou não”. No entanto, o engenheiro civil acredita que não haja medidas na Bélgica que o impeçam de realizar a viagem.
“Aqueles fins de semana em que era possível fazer de escapadinha agora podem ser um mês inteiro só de quarentena”
Se Miguel já tinha um voo marcado antes do início da pandemia, Estrela ainda não comprou bilhete e não sabe quando o vai fazer.
A viver na República da Irlanda há perto de uma década, a ilustradora e artista de storyboard natural de Alhandra, de 33 anos, costuma voltar a Portugal de três em três meses. Foi, aliás, devido a essa frequência, que teve a sorte de visitar o país duas semanas antes do início da pandemia.
Se normalmente costumava planear as viagens com antecedência dado o encarecimento dos voos para Portugal, desta vez está a aguardar novidades, mesmo sabendo que os voos estão “a ficar com uma pressão incrível, porque as companhias estão a perder dinheiro”. “Não faço ideia de que medidas existem, portanto não estou a marcar voos nenhuns. Já estou a pôr na cabeça que me vai custar um dinheirão, quando finalmente puder ir”, confessa.
Parte da sua rotina anual envolve passar férias com a família em agosto em Sesimbra, mas Estrela não sabe se vai conseguir cumprir o ritual. “Agora está a começar a ser um problema porque não sabemos quando é podemos voltar a casa. Toda a gente aqui na Irlanda diz: ‘tudo bem, façam férias mas pelo país’. Mas ninguém está a falar sobre os emigrantes que querem ir a casa”, diz.
No seu caso, existe um forte dissuasor quanto à hipótese de viajar a Portugal este verão: qualquer pessoa que regresse à Irlanda de outro país, terá obrigatoriamente de fazer quarentena de 14 dias. “O medo é esse, exatamente. Até porque, quanto ao meu trabalho, não sei se posso voltar e posso tirar 14 dias para ficar fechada em casa”, indica.
O caso piora de figura com a possibilidade de passar também um período de quarentena em Portugal. “A mim não me interessa vir ver a minha família e ficar trancada em casa”, diz, sublinhando que tem saudades, mas que não quer “ficar trancada em casa, ainda num local de férias onde ficar em casa é uma tortura”.
No entanto, Estrela considera tal medida inevitável. “Não estou a ver o Governo a deixar de fazer a quarentena, porque também não quero ser um perigo público”, observa, lembrando que “o risco é muito maior” de contrair a doença quando se anda por um aeroporto ou dentro de um avião “por mais cuidado que as pessoas tenham”, porque “é um ponto de encontro de muita gente”.
É por isso que a ilustradora diz estar “nesta situação” com um grupo de amigos emigrantes. Um dos elementos desse grupo é Maria, de 32 anos, que vive do outro lado da fronteira. Residente em Belfast, na Irlanda do Norte, a designer em animação digital costuma ir a Portugal uma vez por estação e, tal como Estrela, foi a Portugal mesmo antes da pandemia, para celebrar o seu aniversário com os pais.
Porém, agora não sabe quando vai regressar ou se são os pais que vão visitá-la. “Eu iria fazer planos por volta de abril, mas como veio o coronavírus, nem tomei a iniciativa com a esperança de que, por esta altura, já soubesse de qualquer coisa e pudesse marcar”, admite.
Tal como a República da Irlanda, também a Irlanda do Norte impõe quarentena de 14 dias a quem regresse, como parte do pacote de medidas recentemente aprovado pelo Reino Unido. “Aqueles fins de semana em que era possível fazer de escapadinha agora podem ser um mês inteiro só de quarentena”, realça, dizendo não saber se deva “ir e passar 14 dias enfiada a fazer quarentena longe dos meus pais e para poder estar lá com eles a seguir e depois voltar e fazer quarentena outras duas semanas”.
Enquanto não se decide nem a situação se clarifica, Maria dá graças à internet por manter o contacto, até porque voos é coisa que não abunda neste momento. “Em tempos normais, costumava ter imensos aviões a voar por cima de minha casa. Agora são três ao dia e devem ser voos internacionais ou de carga, nada que se compare com o que era antes”, diz.
No entanto, apesar de todas as adversidades, Maria continua a manter a vontade de ir a Portugal, nem que seja em setembro, mas a verdade é que “o tempo está a voar mais depressa do que imaginava numa situação destas”.
“Muitas pessoas estão a ser informadas que não vão voltar ao escritório. Por isso tenho amigos a pensar se não era melhor ir para Portugal nestes tempos”
Este era suposto ser um verão mágico para Jéssica. Afinal de contas, mais do que significar “férias”, seria dentro de dois meses que a jornalista de 26 anos se casaria. No entanto, a pandemia obrigou a mudar os planos.
“Ia-me casar agora em junho em Portugal. Adiámos primeiramente para agosto mas já mudámos outra vez para agosto de 2021, porque vimos que as coisas não estavam a melhorar, adianta Jéssica, esperando, entre risos, que se consiga “casar dentro da próxima década”.
Em Londres há quase nove anos, a jornalista diz não fazer “as férias de agosto como os emigrantes de antigamente”, tentando “ir a Portugal de três em três meses”, sendo que “muitas vezes calha no verão, porque calham casamentos ou outros eventos”.
Tendo já recebido o reembolso dos bilhetes de junho, Jéssica diz que a sua viagem em agosto está em stand-by. “Vamos se esse voo puder ir em frente e se me sentir segura para o fazer”, diz.
Para si, o maior temor está em realizar a própria viagem pois não sabe “o quão seguro é ir para o aeroporto” e “estar fechada no avião com outras pessoas”. Esse medo depois manifesta-se na possibilidade de “”não poder estar com as pessoas ou correr o risco de as infetar”, por vir “de um país onde a situação está muito pior”, o que faz de si “uma pessoa de risco”.
Tal como ela, outros colegas e familiares encaram a possibilidade de ter de fazer quarentena no Reino Unido como um obstáculo se já tiver deixado de fazer teletrabalho no verão. No entanto, visto que o país se mantém sob estado de emergência sem grandes perspetivas de melhora no futuro, “muitas pessoas estão a ser informadas que não vão voltar ao escritório, até pelo menos, setembro”. Por isso mesmo, Jéssica diz ter “amigos a pensar se não era melhor ir para Portugal nestes tempos”.
”Com a ideia de que vão ter de ficar por casa, começaram a pensar porque não ir para Portugal usufruir o verão aí e trabalhar por aí? Ainda por cima não há diferença horária”, adianta Jéssica, se bem que o medo de “infetar as pessoas em Portugal”, não deixa de estar presente.
"Os desafios são exatamente os mesmos que se exigem a quem reside em Portugal"
Face a este e outros exemplos de emigrantes e lusodescendentes incertos de poder regressar a Portugal no verão ou com manifestas dificuldades em fazê-lo, o SAPO24 contactou o MNE para procurar compreender de que forma o Governo ou o Conselho das Comunidades Portuguesas está a acompanhar a sua situação, não tendo obtido resposta até à data de publicação desta peça.
Existem, no entanto, iniciativas criadas na sociedade civil que também tomam essa responsabilidade. Uma delas é a Associação Internacional de Lusodescendentes, criada no início deste ano e que tem como presidente o empresário Philippe Fernandes.
Ao SAPO24, a AILD disse estar a fazer um acompanhamento desde o início da pandemia. "Quando percebemos que muitos emigrantes e lusodescendentes estavam a regressar e a querer regressar a Portugal, fizemos um comunicado a alertar para os perigos dessas entradas enquanto eventuais potenciais cadeias de contágio", explica a organização por email.
Com uma postura semelhante à tomada pelo Governo português, a AILD pediu aos emigrantes e lusodescendentes para que "se possível até, adiassem esses momentos" de regresso durante o período da Páscoa, reforçando àqueles que vieram "para terem o máximo de cuidados". "Se tivessem mesmo de vir, seriam, naturalmente, bem-vindos, mas apelamos a que praticassem um período de isolamento profilático, para a própria salvaguarda e salvaguarda da saúde e vida dos familiares, pais, avós e amigos", explica a associação.
Parte desse esforço de consciencialização foi tomado, inclusive, na criação de um "flyer informativo e de alerta" pela comunidade, com as regras de segurança e medidas a cumprir. "Não queríamos de forma alguma que os nossos emigrantes pudessem ser rotulados de irresponsáveis e causadores da propagação do contágio, como, aliás, já existia alguns comentários a circular", lamenta a AILD.
No entanto, essa foi outra fase da pandemia. Neste período de desconfinamento, a AILD considera que "os emigrantes devem vir a Portugal no verão para reencontrar as suas famílias e, naturalmente, apoiar na recuperação da economia, como sempre tem acontecido e que é sempre extremamente importante", registando com agrado a postura do Governo.
No entender da associação, aliás, para além da importância de se reatarem laços, é preciso ter em conta o papel das comunidades na recuperação da economia nacional, e não apenas no que toca às remessas enviadas para o país. "O consumo interno é neste momento extremamente importante e os nossos emigrantes podem ser uma ajuda preciosa, pois, a alavanca do turismo estrangeiro, este ano não se verificará. E este é o risco da demasiada dependência de um modelo de negócio", alerta a AILD.
No entanto, apesar de ter alertado para o potencial risco de contágio que os emigrantes e os lusodescendentes poderiam representar numa fase prévia da pandemia, a AILD considera que hoje "os desafios são exatamente os mesmos que se exigem a quem reside em Portugal, ou seja, o cumprimento das regras e medidas estabelecidas pelas autoridades e pela DGS, no sentido de haver todos os cuidados de segurança, evitando o contágio e propagação da doença".
A AILD, porém, concede que a vinda dos lusodescendentes e dos emigrantes "provocará um maior aglomerado de pessoas e consequente aumento do risco de contágio". Por isso mesmo, "os cuidados terão de ser maiores, sobretudo, porque grande parte da nossa emigração tem origens nos municípios do interior, que como sabemos são zonas do país com baixa densidade e uma população envelhecida, o que significa portanto, uma população de risco".
A associação, todavia, diz-se convencida que as comunidades em visita "terão exactamente essa consciência e esse sentido de responsabilidade", sabendo que "será um período de férias diferente, mais recatado, menos exposto, sem as tradicionais festas de verão das aldeias, sem os grandes concertos de verão, sem os grandes aglomerados de gente".
Por essa razão, no entender a AILD, as recomendações a dar aos emigrantes e lusodescendentes "é que venham, reencontrar as famílias, matar saudades, darem apoio a quem cá está e viveu momentos difíceis, mas também virem recarregar baterias, depois dos tempos difíceis que também viveram". A pandemia, conclui, "teve um efeito e impacto psicológico muito grande, e este reencontro é muito importante".
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