“É inaceitável a agressão física, verbal e psicológica cometida contra a escritora Paulina Chiziane e os artistas que a acompanhavam (…). Medidas severas devem ser tomadas contra os agressores. Sejam quem forem, seja qual for o pretexto dessa violência”, declarou Mia Couto, reagindo à Lusa ao incidente.
Em causa está uma queixa-crime submetida pela escritora moçambicana Paulina Chiziane contra um pastor da Divina Esperança, acusando os seguranças daquela congregação de a terem agredido no dia 28 de julho, na província moçambicana de Maputo, quando, com outros três membros da sua equipa, registavam imagens para um videoclipe nas imediações da igreja.
Segundo Paulina Chiziane, a agressão foi protagonizada pelos seguranças da Igreja, sob orientações do seu pastor, tendo algumas das pessoas da sua equipa ficado gravemente feridas.
“Estou a processar um pastor, aquele que ordenou a agressão contra mim e contra os meninos. Estou, sim, a processar o pastor e o chefe da segurança dele. Eles [a igreja] dizem que podem ajudar a pagar as despesas de saúde, mas um dos nossos membros foi pisado com botas e não consegue respirar bem, eu não sei se ele tem fraturas ou não, mas ele não está bem”, declarou à Lusa, na terça-feira, a escritora, acrescentando que outro membro da equipa também teve ferimentos que o deixaram com um problema na vista.
Além das agressões, Paulina Chiziane afirmou que foi acusada de “bruxaria”, sob alegações de que, no veículo em que se faziam transportar, levavam consigo a Timbila, um instrumento musical tradicional e que foi classificado como Património Cultural Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2008.
Além de Mia Couto, a Associação dos Escritores Moçambicanos condenou a agressão da escritora moçambicana, considerando que o episódio ameaça a liberdade artística.
“Entendemos, assim, que tais atos, contraditórios a qualquer postura religiosa e cívica, constituem uma inadmissível ameaça à liberdade de criação artística e ao exercício dos direitos sociais e de cidadania consagrados pela Constituição”, lê-se num comunicado da associação distribuído hoje.
A Lusa tentou, uma vez mais, sem sucesso, contactar a Igreja Divina Esperança.
Paulina Chiziane, vencedora do Prémio Camões 2021, nasceu em Manjacaze, em 1955, e é autora de diversas obras, tendo publicado o seu primeiro romance, “Balada de Amor ao Vento”, em 1990, considerado o primeiro romance publicado de uma mulher moçambicana.
A escritora tem publicamente criticado a proliferação de “seitas religiosas” em África, alertando para as consequências do fundamentalismo, sobretudo para as identidades e culturas do continente.
“Em cada esquina temos uma igreja. O que diz a Igreja? Cada um com uma ideologia mais estranha do que a outra. Acham isso normal?”, questionava a escritora, em fevereiro, durante uma conferência que debateu a “Nação e a Moçambicanidade” em Maputo.
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