Todos os anos são vários os casos de alunos matriculados com moradas diferentes das suas e com "falsos encarregados de educação". Para os assinantes da petição Chega de Moradas Falsas!, o primeiro critério a ter em conta ao matricular um aluno deve ser a morada que consta no Cartão de Cidadão da criança e não a morada do encarregado de educação, já que por vezes se recorrem a terceiros para garantir vaga. A par, defendem, é importante que o responsável pela criança seja um dos elementos que detém o poder parental e, se não for o caso, que isso seja devidamente indicado e avaliado pela escola.
Em agosto, o SAPO24 falou com Marta Valente, uma das fundadoras do movimento. Agora, já em setembro e com o ano letivo a começar, o que mudou?
"Entregámos, no início do mês, a petição no site da Assembleia da República, para tentar a alteração da lei, que foi sempre um dos grandes objetivos do movimento. Tínhamos quase 1600 assinaturas. Quando atingimos cerca de 300 assinaturas acrescentámos uma pergunta para as pessoas identificarem a escola onde tinham tentado a inscrição, porque nos pareceu que era uma informação relevante", conta Marta. E os resultados são surpreendentes. "Surgem nomes de 80 escolas diferentes entre as 1300 pessoas que responderem. Reparei que iam deste o Minho até ao Algarve. Claro que há muitas concentradas em Lisboa, mas também noutras cidades como o Porto, Gaia, Coimbra. Isto para dizer que é um problema transversal ao país", ressalta.
Contudo, é preciso fazer mais. São precisas respostas que tardam a surgir, mas os esforços não param. "Foi entregue, a 4 de setembro, uma queixa-crime contra os pais que utilizam estes esquemas [moradas e encarregados de educação falsos] no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP). É uma queixa ao Ministério Público para ser feita uma investigação exaustiva aos processos dos últimos três anos no Agrupamento Filipa de Lencastre. Neste caso optámos por nos focar só no Filipa. Vão ser centenas de processos para que isto seja minimamente fiável", refere Marta Valente.
Em declarações ao SAPO24, fonte do Ministério de Educação tinha já informado sobre o decorrer de um inquérito da Inspeção-Geral de Educação e Ciência (IGEC), para "apurar a existência de irregularidades no processo de matrículas e na aplicação do despacho que o regula". Os responsáveis pela petição só souberam do sucedido, segundo Marta, pela comunicação social. "No dia 24 de agosto a Inspeção Geral de Educação e Ciência informou-nos formalmente por email que tinha começado um inquérito. Foi exatamente um mês depois de ter informado a comunicação social, o que também é um pouco estranho. Formalmente nunca ninguém nos disse nada. No dia 4 de setembro ligámos para saber como está o inquérito e disseram que pode demorar até 6 meses. Tinham-nos dado o nome da inspetora encarregue da situação, Ana Matela, que se encontra de férias, por isso não nos conseguem dar mais informação. Disseram que é confidencial", explica.
Tentar abrir portas para resolver a situação
Quanto à responsabilidade pelas irregularidades, a IGEC aponta o Ministério da Educação, diz Marta. "Em relação à questão de como se vai fazer com as crianças que entraram ilegalmente e com as crianças que deviam estar no Agrupamento e não estão, dizem que a responsabilidade é do Ministério da Educação. E o Ministério da Educação - também telefonámos para lá, para a secretária de estado adjunta desta semana, a Sónia Gomes - empurrou para a IGEC. Portanto estão aqui a passar a bola de uns para os outros".
Com estas duas portas fechadas, os pais pensaram recorrer à Direção-Geral dos Estabelecimentos Escolares (DGEstE). "Pedimos uma reunião com o advogado regional da educação, o Dr. Francisco Neves, mas recebemos a resposta a dizer que só podem reunir connosco quando o processo de averiguações da IGEC estiver concluído. Isso pode acontecer apenas daqui a seis meses, por isso ficamos num beco sem saída".
Mas, afinal, o quê que isto implica? "O ano letivo está a começar e estamos sem colocações para estas crianças todas, que são cerca de 16 ou 17, só de filhos de pais que estão no movimento, fora todas as outras", reforça Marta. "O filho da outra fundadora do movimento foi colocado a três quilómetros de casa. Tendo em conta que vivemos no centro de Lisboa é uma coisa completamente absurda. Alguns pais recusaram-se a inscrever os filhos na escola onde foram colocados, o que provoca aqui uma situação de impasse, sem grandes hipóteses de se resolver a curto prazo, pelo menos".
Esta situação, que afeta crianças de várias faixas etárias - pelo menos seis crianças do pré-escolar, seis do primeiro ano e as restantes de anos intermédios, do 7º ao 9º ano - no Agrupamento D. Filipa de Lencastre, continua com pontas soltas por falta de respostas.
"Durante o mês de agosto pedimos também uma clarificação do despacho normativo ao Ministério da Educação, para perceber quem é que pode ser encarregado de educação, quem é que pode delegar as competências, quais são as entidades - se podem ser os pais, como está a acontecer, ou se tinha de ser um tribunal, como nos parece fazer sentido. Já pedimos esta clarificação há mais de 10 dias úteis e ainda não tivemos resposta", assegura Marta.
"Também perguntámos se os critérios podem ser considerados cumulativamente, porque é uma coisa que o Filipa de Lencastre faz. Uma criança que é residente e cujos pais trabalham na zona tem sempre prioridade sobre uma criança que é apenas residente, independentemente da idade. Os critérios não dizem nada sobre isto", exemplifica.
Ao SAPO24, fonte do Ministério de Educação explicou, este mês de setembro, que "ainda decorrem averiguações quanto ao processo" do D. Filipa de Lencastre.
"O processo de matrículas e colocação de alunos decorreu com normalidade. Tratou se de um processo que colocou mais de um milhão de alunos nas escolas. Todos os alunos em idade de escolaridade obrigatória, obviamente, têm lugar na escola pública", acrescentou a mesma fonte.
Contudo, existem algumas exceções. "Os casos pontuais de não colocação e que levaram a uma decisão por parte da DGEstE, solução prevista no despacho das matrículas, foram absolutamente residuais no contexto nacional. Nesses casos incluem-se as situações de não colocação por não aceitação por parte dos encarregados de educação e não por falta de vaga", apontam.
O meu filho não tem escola. E agora?
No Agrupamento Filipa de Lencastre foram vários os pais que viram as matrículas dos filhos recusadas. "Os pais apresentaram uma reclamação na escola a pedir dados sobre a quantidade de encarregados de educação que não são pais. Recebemos todos a mesma resposta: a lei de proteção dos dados não lhes permite dar estas informações. Mas nós só pedimos quantidades e não nomes, portanto escudaram-se na proteção de dados para não nos responder", conta a responsável pela petição.
Com isto pretendia-se chegar a conclusões sobre o número de pessoas que utilizam moradas diferentes da sua ou falsos encarregados de educação. Sem mais hipóteses de ação, o que fazer?
"Se só esperarmos não vai acontecer nada. Há pais que realmente foram inscrever as crianças nas escolas onde elas foram colocadas, mas há crianças aqui que ainda não estão inscritas em lado nenhum porque os pais se recusaram. O ano letivo vai começar, por isso é que tentamos pedir a ajuda da comunicação social para que isto venha a lume. O Ministério da Educação está a passar um bocadinho a ideia de que o início do ano vai ser pacífico e que estas escolas são marginais. Mas pela petição não me parece que sejam. São pelo menos 80 escolas com pessoas que se queixam disto, o que já é bastante relevante. Mas, mesmo que fossem poucas, o que interessa é que as crianças não estão a entrar. Estamos a falar de crianças que ficam fora da sua área de residência e que têm de se deslocar. Há crianças de cinco e seis anos que ficaram de fora e têm de se deslocar quilómetros quando vivem mesmo no centro de Lisboa", remata Marta Valente.
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