A decisão final sobre a ratificação da classificação, que já tinha recebido o aval da comissão de peritos em novembro, foi adotada hoje, na 14.ª reunião anual do Comité Intergovernamental para a Salvaguarda do Património Cultural Imaterial da UNESCO, que decorre desde segunda-feira no Centro de Congressos Agora, em Bogotá, Colômbia.
“Declaro a decisão adotada”, anunciou, cerca das 11:55 locais (16:55 em Lisboa), María Claudia López Sorzano, secretária para a Cultura, Lazer e Desporto da cidade de Bogotá e que preside a esta reunião anual do Comité, depois de questionar os delegados sobre eventuais adendas, alterações ou debate sobre a proposta de classificação, que não surgiram.
Além da morna de Cabo Verde, o comité está a analisar a ratificação de outras 39 candidaturas a Património Cultural Imaterial da UNESCO.
A cantora cabo-verdiana Nancy Vieira e o multi-instrumentista Manuel de Candinho acompanham o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas, que lidera a comitiva de Cabo Verde em Bogotá, que comemorou a proclamação ainda na sala da reunião.
Reunido pela primeira vez na América Latina, este Comité Intergovernamental é atualmente composto por representantes da Arménia, Áustria, Azerbaijão, Camarões, China, Chipre, Colômbia, Cuba, Djibuti, Filipinas, Guatemala, Jamaica, Japão, Cazaquistão, Kuwait, Líbano, Maurícias, Holanda, Palestina, Polónia, Senegal, Sri Lanka, Togo e Zâmbia, sendo as decisões tomadas por unanimidade destes membros.
Considerada popularmente “música rainha” de Cabo Verde, como recorda “Nôs morna”, uma das mais conhecidas mornas, do poeta Manuel d`Novas, o dossiê da sua candidatura a Património Imaterial Cultural da UNESCO, com mais de 1.000 páginas e cerca de 300 entrevistas, foi formalmente entregue pelo Governo cabo-verdiano em 26 de março de 2018.
De acordo com o dossiê da candidatura, a morna terá surgido no século XIX, não sendo consensual a origem do nome e ilha onde nasceu: Boa Vista ou Brava.
Marcada pelas letras do poeta Eugénio Tavares (ilha da Brava, 1867 – 1930) e mais de tarde de Francisco Xavier da Cruz ou ‘B.Léza’ (ilha de São Vicente, 1905 – 1958), a morna conheceu o seu expoente maior fora de Cabo Verde através da cantora César Évora (1941 – 2011), que através daquele género musical abriu as portas do mundo a um país de pouco mais de meio milhão de habitantes.
A morna surge de uma mistura de estilos musicais com fortes raízes africanas, o landum, com as influências da modinha luso-brasileira, recorda o dossiê de candidatura a Património Imaterial Cultural da UNESCO.
Uma das referências escritas mais antigas sobre a morna consta de um livro do oficial da marinha russa Konstantin Staninkovitch, que visitou Cabo Verde em 1861.
“A morna é uma prática musical que se estrutura em três dimensões: melodia, poesia e dança, caracterizando-se pelo compasso quaternário, ritmo lento e predominância dos esquemas tonais menores clássicos perfeitos de influência europeia”, lê-se ainda no processo.
Interpretada em crioulo cabo-verdiano por uma voz solista, homem ou mulher, apesar de existirem também mornas apenas instrumentais, e versando temas “lírico-passionais, produz-se uma canção melancólica, muito vinculada ao sentimento do amor, ao sofrimento, à saudade, à ternura, à tristeza, à ironia e à boa ou má sorte do destino individual”.
Geralmente acompanhada por viola, cavaquinho, violino e piano, o “instrumento de excelência da morna” é o violão, introduzido em Cabo Verde no século XIX.
A candidatura de Cabo Verde foi alicerçada na cultura popular que manteve viva a morna até aos dias de hoje, alimentada por músicos e intérpretes de todas as idades.
O processo levado à UNESCO conta com 77 declarações individuais de consentimento e apoio, de instrumentistas, compositores e interpretes de morna, até artesãos e construtores de instrumentos de corda.
O dossiê cabo-verdiano contou com o apoio técnico de Portugal e com a colaboração do antropólogo Paulo Lima, especialista português na elaboração de processos de candidatura a Património Imaterial da Humanidade da UNESCO, como o fado, o cante alentejano e a arte chocalheira.
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