"É com pesar que comunicamos a todos os nossos amigos o desaparecimento do nosso Encenador, João Silva. Iremos prestar as condolências, na igreja da Nossa Senhora de Fátima", em Lisboa, lê-se na mensagem do Grupo de Teatro Terapêutico (GTT), que adianta a realização do funeral, hoje, às 14:00, no Cemitério dos Olivais, onde será feita a cremação.
João Silva nasceu em Lisboa, iniciou a carreira teatral na Casa da Comédia, onde se estreou como ator na "Farsa de Inês Pereira", em 1964, e de onde partiu para criar o Grupo de Teatro Terapêutico do Hospital Júlio de Matos (GTT), em 1968, há 50 anos, por convite de um grupo de médicos e de doentes da instituição.
Quando questionado sobre a idade, a resposta era imediata: “Esquece lá isso”.
A estreia do grupo e de João Silva, como encenador, ocorreu em dezembro de 1968, com "Óleo", do dramaturgo Eugene O'Neill, a que se seguiu, poucos meses depois, "Torno", de Luigi Pirandello.
Foi o início de uma colaboração que se manteve até à morte de João Silva, uma colaboração quase exclusiva, segundo a Base de Dados do Centro de Estudo de Teatro da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, e que teve o último ato na estreia de "Casulo", no passado mês de abril, uma "leitura-análise" de discussões e conversas dos utentes do GTT, concebida pelo encenador.
Depois da estreia dos dois primeiros espetáculos, a companhia sobreviveu com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, que permitiu, em 1970, a montagem de "Caleidoscópio", de Eduardo Gama.
Seguiram-se, em 1972, "A traição do padre Martinho", de Bernardo Santareno, projeto suspenso pela censura da ditadura, e, em 1973, a adaptação de "Calígula", de Albert Camus, que só após o 25 de Abril de 1974 seria levada a cena, na versão integral.
"Médico à força", de Molière, que João Silva interpretara na Casa da Comédia, deu continuidade ao GTT, em 1976, antes de "O Principezinho", em 1978, a primeira produção sem apoios externos ao Hospital Júlio de Matos, que assinala igualmente a estreia da companhia em palcos externos, com a representação no Teatro da Comuna, segundo a cronologia do grupo.
"Perseguição e Assassinato de Jean Paul Marat", de Peter Weiss, abriu a década de 1980, que contou com "Murmúrios do Capuchinho Vermelho", texto de João Silva inspirado no conto tradicional, "As sete notas mágicas" e "Neblina", apresentada em 1988, no Teatro Maria Matos, a partir de "Frei Luis de Sousa", de Almeida Garrett, e "Carmen em tragicomédia no Luna Parque", sobre Prosper Merimée.
Em 1991-1992, João Silva concebe "As Magnólias", projeto levado à cena em diferentes instituições e salas de espetáculo, cujo texto, da sua autoria, resultou por inteiro de sessões de grupo.
O processo teve continuidade em "Memórias de Bichos e Gente", peça estreada na Culturgest, em 1994, "Tolerar os Tolos" (1997), "A Muralha" (2001), "Sonhos sem Freud" (2002), "Tordos à deriva" (2004), "A Borralhona" (2005), "A nossa quinta" (2006), "No cais" (2008), "Noturnos" (2013), "Torcicolo" (2017) e, por fim, "Casulo" (2018).
Em 2009, "Limiar" - sobre o limiar da doença e da loucura - levou o GTT e João Silva, pela primeira vez, ao palco do Teatro Nacional D. Maria II.
Em abril, o GTT contava 18 elementos, metade homens e metade mulheres, entre os 22 e os 60 anos de idade, pessoas em regime de internamento ou de tratamento ambulatório, no Centro Hospitalar Psiquiátrico de Lisboa, e ex-doentes da unidade hospitalar.
"Cada peça de teatro é trabalhada em criatividade e em idêntico profissionalismo como as demais", mas sem nunca descurar o lado terapêutico, disse então João Silva à agência Lusa. O projeto "é simultaneamente uma terapia e uma libertação pela arte, o teatro".
O realizador Rui Simões dirigiu o documentário "Teatro de Sonhos", sobre João Silva e o trabalho do grupo.
Em 2016, João Silva publicou a peça "Vigilantes", na editora Cavalo de Ferro.
Hoje, os atores ofereceram a João Silva "50 rosas que celebram este projeto", uma por cada ano do GTT, do qual foi fundador e líder.
"Estamos todos aqui, unidos, para dar continuidade ao seu trabalho exemplar", lê-se na mensagem.
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