O inquérito às mortes dos recrutas dos comandos, Hugo Abreu e Dylan da Silva, começou há mais de cinco anos. Oito oficiais, oito sargentos e três praças, na maioria instrutores, foram acusados de abuso de autoridade por ofensa à integridade física.
O processo foi aberto em setembro de 2016 com o objetivo de apurar as circunstâncias da morte dos dois jovens recrutas do curso dos Comandos no Campo de Tiro de Alcochete, onde decorria a Prova Zero, sob temperaturas que rondaram os 40º graus. Dylan da Silva e Hugo Abreu, à data dos factos com 20 anos, morreram e outros instruendos sofreram lesões graves e tiveram de ser internados no decurso desta prova.
Nas alegações finais do julgamento, a 7 de maio de 2021, a procuradora Isabel Lima tinha pedido a condenação de cinco dos 19 arguidos a penas de prisão entre dois e 10 anos.
Esta segunda-feira foi conhecido o acórdão sobre este caso. No banco dos réus estavam sentados 19 arguidos e o Tribunal Central Criminal de Lisboa condenou apenas três. Os restantes 16 arguidos do processo foram absolvidos – entre os quais o médico do curso, o diretor do curso e outros 14 arguidos.
Mas vejamos mais em concreto o que aconteceu no dia de hoje, relativamente aos nomes que mais foram referidos durante o processo:
- O instrutor Ricardo Rodrigues foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa — quando o Ministério Público pedia pena de prisão até 10 anos;
- Outros dois instrutores foram também condenados. Pedro Fernandes foi condenado a dois anos e três meses de prisão e Lenate Inácio a dois anos, ambos com pena suspensa;
- Quanto ao diretor da "Prova Zero", o tenente-coronel Mário Maia foi absolvido, depois de o Ministério Público ter pedido a sua condenação a uma pena de dois anos de prisão com pena suspensa;
- O mesmo ocorreu com o médico Miguel Domingues, acusado de abuso de autoridade com ofensa à integridade física, que foi absolvido quando a procuradora tinha pedido uma condenação a cinco anos de prisão, passível de ser suspensa na execução.
No final da leitura do acórdão, o Ministério Público (MP) pediu a prorrogação do prazo para recurso de 30 para 60 dias, invocando a excecional complexidade do processo.
O MP e os advogados de defesa das vítimas já anunciaram que vão recorrer da decisão, dizem que está em cima da mesa a anulação do julgamento e consideram que não foi feita justiça.
“As famílias de Hugo Abreu e Dylan da Silva, obviamente que, não se conformam com esta decisão e dela vão interpor recurso”, disse o advogado das famílias das vítimas, Ricardo Sá Fernandes, adiantando que considera que "as condenações são claramente insuficientes".
O advogado insurgiu-se contra o entendimento do acórdão de que o tribunal criminal "não era competente para julgar matérias e crimes estritamente militares, designadamente as condutas homicidas que vitimaram Hugo Abreu e Dylan da Silva".
"Entendemos que este tribunal tinha competência para ter apreciado essas condutas", acrescentou, reiterando a sua convicção na futura decisão da Relação, pois caso contrário gerava-se uma "situação kafkiana" de julgar a parte civil das condutas em causa num tribunal civil e a parte militar num tribunal militar.
Também Miguel Santos Pereira, advogado da mãe de Dylan da Silva acredita que a Relação vai anular o acórdão de hoje e, se for caso disso, mandar repetir o julgamento.
Os advogados Alexandre Lafayette e Paulo Sternberg criticaram esta segunda-feira o trabalho do MP. Alexandre Lafayette - que representa o instrutor dos Comandos Ricardo Rodrigues e o tenente-coronel Mário Maia - diz que vai recorrer e teceu críticas à procuradora Cândida Vilar, responsável pelo inquérito.
“A procuradora que conduziu o inquérito é absoluta e irremediavelmente incompetente. É o significado disto”, afirmou, em referência à “grande divergência” entre o número de crimes que constavam da acusação e aqueles que foram dados como provados em tribunal.
Confrontado com a intenção de recurso já manifestada pelo MP perante a decisão do coletivo presidido pela juíza Helena Pinto, depois de a procuradora Isabel Lima ter pedido em alegações finais uma pena de prisão até 10 anos para o instrutor Ricardo Rodrigues, Alexandre Lafayette contestou, dizendo: “Aquela senhora até pode pedir champanhe nas alegações finais que eu não lhe sirvo”.
O advogado anunciou que “provavelmente” vai interpor recurso da decisão e pedir a absolvição, ao defender que uma pena suspensa de três anos “não é uma pena reduzida” e que se trata de uma “uma mancha no registo criminal e na carreira de um militar”.
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