Na ressaca da tomada de posse do novo presidente e quando ainda se estiverem a proceder às primeiras limpezas das festividades do dia anterior, no sábado, dia 21, milhares de mulheres vão manifestar-se em Washington DC (e um pouco por todo o mundo) naquela que será provavelmente a maior marcha registada nos Estados Unidos.
Perto de 200 grupos já confirmaram que se vão juntar à passeata, onde serão defendidos ideais que vão desde a defesa do ambiente, à legalização do aborto, ao direito ao voto, aos direitos raciais, à igualdade de género, o direito a salário mínimo, seguros de saúde, liberdade de expressão ou controlo de armas.
A Marcha das Mulheres pode ter começado nas redes sociais, no Facebook, como reação à eleição de Donald Trump, no dia 8 de novembro de 2015, mas acabou por se tornar algo muito maior. O movimento é uma manifestação de mulheres, para mulheres, que se vão juntar independentemente da sua raça, crença religiosa ou ideologia política.
A história começa no Havai com a inquietação de uma advogada reformada após serem oficializados os resultados das eleições. Num grupo de amigos do Facebook que apoiava Hillary Clinton, Teresa Shook começou semear o seu desejo: organizar algo na capital política do país em protesto contra a eleição de um presidente que não demonstra ter quaisquer princípios ou respeito pelos direitos das mulheres.
Shook não era uma ativista, mas isso não a impediu de avançar, tanto que pediu ajuda aos amigos do Facebook para conseguir criar a página do evento/marcha que tinha idealizado. Nunca poderia antever a dimensão daquilo que estava a prestes a iniciar. Quando se foi deitar estavam confirmadas cerca de 40 mulheres presentes na sua marcha. Ao acordar, estavam confirmadas cerca de 10.000, de acordo com o Washington Post.
“Acho que no meu íntimo queria que acontecesse, mas nunca pensei que se tornasse viral”, disse Shook. “Nem sei como é que se faz algo viral”, confessou a antiga advogada, agora na casa dos 60 anos.
Sem saber muito bem como proceder nos primeiros dias após a criação da página, Shook recorreu à ajuda das primeiras mulheres que tinham entrado em contacto consigo e convidou-as para se tornarem voluntárias na organização do evento.
À medida que a ideia foi ganhando dimensão e expressão nas redes sociais, as pessoas à frente do movimento começaram a ser alvo de críticas, nomeadamente por parte de associações defensoras de minorias. Foi o caso das mulheres afro-americanas e latinas, que se sentem excluídas de muitos movimentos feministas.
Além disso, reclamavam, por exemplo, que as pessoas responsáveis pela marcha eram todas caucasianas. O que se tornou especialmente grave uma vez que o primeiro nome da mesma era “Million Woman March”, igual ao de uma famosa concentração, em 1997, que reuniu milhares mulheres negras na cidade de Filadélfia.
Shook defendeu-se, explicou que a marcha não tinha por base questões raciais, mas antes protestar contra um Presidente que se gabou - em privado - de agarrar mulheres pelas suas partes íntimas e contra a derrota de uma mulher que era, na sua óptica, bem mais qualificada para a posição que Trump irá hoje oficialmente ocupar.
Mas este foi só um dos problemas com que a organização se deparou. Inicialmente, a intenção passava por marchar junto ao Lincoln Memorial. Esse era o plano de Shook. Só que Trump também tem os seus planos. E é, para todos os efeitos, o presidente-eleito. E é lá que acontecem as festividades da tomada de posse deste. Ficou sem efeito.
Sobrecarregadas e sob uma enorme pressão, as organizadoras pediram ajuda a um pequeno grupo de ativistas, sediadas em Nova Iorque, com vasta experiência nestas andanças: Tamika D. Mallorry, do controlo de armas; Linda Sarsour, diretora executiva da Associação Americana Árabe de Nova Iorque; Carmen Perez, da Gathering Justice, um grupo que procura reformular a justifica criminal; e, por fim, Bob Bland uma empresária do mundo da moda.
Foi com este grupo alargado que se chegou a consenso sobre o nome da marcha, agora denominada "A Marcha das Mulheres em Washington", em referência à marcha que marcou o movimento pelos direitos civis, em 1963. A organização recebeu inclusive a bênção da filha mais nova do Reverendo Martin Luther King Jr., Bernice King.
Linda Sarsour garante que esta "será a maior mobilização que qualquer administração Presidencial já assistiu”. As declarações foram feitas à Vogue norte-americana. Na mesma entrevista, faz questão de referir os laços criados entre pessoas que apesar de não se conhecerem, estão juntas por uma causa comum.
A organização tem tido, no entanto, o cuidado para não apelidar a marcha de “protesto”.
“Estamos a fazer isto no primeiro dia de trabalho da administração porque queremos marcar uma posição”, disse Breanne Butler, uma das organizadoras. “Os grupos marginalizados que atacaste durante a campanha? Nós estamos aqui e estamos a ver tudo. E do tipo, ‘Bem-vindo à Casa Branca’”, esclareceu ao New York Times.
Na página do evento, mais de 200 mil pessoas já garantiram que vão participar na marcha de dia 21, em Washington. E também existem várias celebridades que podem estar presentes ou que já se associaram de alguma forma à campanha. Kate Perry, Julianne Moore ou Scarlett Johansson são algumas das mais notórias.
A equipa de Trump, o homem que irá comandar os destinos de mais de 324 milhões de norte-americanos nos próximos quatro anos, já respondeu a este movimento de Shook. O porta-voz do Comité que organiza a tomada de posse de Donald Trump, Boris Epshteyn, garantiu que Trump está disponível "para ouvir as suas preocupações", acrescentando que tem a expectativa de que algumas destas mulheres desistam de protestar e se juntem às celebrações.
A Marcha das Mulheres gerou entretanto um entusiasmo mundial. O mediatismo do evento chegou além fronteiras e está presente em países como o Iraque, Arábia Saudita, Nigéria, Myanamar, Líbia, Kosovo, entre outros.
As Marchas Irmãs, assim apelidadas no site oficial do evento de Washington, são organizadas por voluntários espalhados pelo mundo. Segundo os números deste site, à data de publicação deste artigo, estão marcadas 616 marchas associadas à principal e são esperadas mais de 1,3 milhões de pessoas.
Portugal não foge a esta realidade. Há seis cidades onde se vão realizar concentrações sob a batuta da hashtag #NãoSejasTrump: Lisboa, Porto, Braga, Coimbra, Faro e Angra do Heroísmo.
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