A meio da estrada íngreme da zona da Lombada avista-se a costa da ilha debruçada sobre o mar, com as casas encavalitadas na montanha e o fulgor do sol a cintilar o oceano. Os primos João Rodrigues e António da Silva conversam à beira do caminho, um em pé, o outro sentado no muro. Aparentam estar a repousar da intensidade dos últimos dias.
“Agora já posso sorrir. Foi aflitivo, difícil, assustador. O lume chegou mesmo perto das casas, mas graças aos bombeiros, tanto os nossos como os que vieram do continente, ficou tudo bem. Estão de parabéns”, diz o primeiro à Lusa.
Aquela é a única zona que ainda motiva a atenção das autoridades.
O incêndio que deflagrou a 14 de agosto ainda hoje não foi considerado extinto devido a alguns pontos quentes na Lombada, apesar de já não existirem focos ativos.
No local, o fogo já só é percetível pelas consequências: a vegetação está arrasada, vários espaços estão cobertos de cinza e o cheiro a queimado paira no ar.
“Já se foi tudo embora. Volta e meia, andam por ai [bombeiros e autoridades] só para garantir que está tudo bem. Agora estamos tranquilos outra vez”, prossegue João Rodrigues.
A cancela da Proteção Civil, que na véspera serviu para interditar a estrada onde mais de 70 operacionais combateram o fogo, repousa agora, esquecida, encostada a uma parede.
Apesar de o ambiente ser de tranquilidade, ninguém vai esquecer os últimos dias.
“Aqui na ilha da Madeira é a primeira vez na vida que vejo uma coisa assim. Nunca vi uma coisa tão horrível. Foi muito assustador. Se não fosse a ajuda dos bombeiros que vieram do continente e dos aviões que vieram de Espanha, eu não sei como ia ser”, conta João Rodrigues.
O homem de 68 anos aproveita para criticar o “abandono da serra”, onde existe “muito mato” e pouca limpeza. O primo concorda. “Foi muto aflitivo. Vi pedras a cair com o lume por aí abaixo. Estava difícil. Nunca houve nada assim. Já passou, graças a Deus”, intervém.
António da Silva, 71 anos, acompanhou os bombeiros na fase inicial para partilhar o conhecimento que tem sobre a terra onde nasceu.
“Conheço as veredas. Conheço tudo isso. Nasci aqui. Criei-me aqui. Dei uma ajuda a eles para os encaminhar. A zona onde estava o fogo era de muito perigo”, explica.
É, por isso, que António da Silva não poupa nos elogios a quem conseguiu controlar o fogo, sobretudo tratando-se de áreas “muito, muito complicadas”. Não é “conversa fiada”, adverte.
“Eu mostrei um caminho que era muito perigoso. Eu só disse ao bombeiro: ‘você é doido? Vai por aí abaixo?’. Ele só me respondeu: ‘vamos apagar lume’. É gente com coragem”.
Mais acima, António Correia inspeciona o terreno repleto de canas-de-açúcar. Está a regar o solo, porque é “preciso manter a terra fresca”.
“Não tive grande perda. Foi uma sorte não ter atingido esta parte. Se não fossem os bombeiros isso ardia tudo. Basta olhar e ver que o resto ficou tudo queimado”, afirma, enquanto espalha a água de um lado para o outro.
José Manuel também está agitado, de mangueira na mão, a regar toda a zona envolvente à sua casa. O agricultor critica a ausência de tanques no local. “Não há falta de água na serra”, mas “não há forma de a aproveitar”.
“Ninguém se preocupa connosco aqui. Estamos longe”, lamenta.
O desabafo é de quem está sem saber como resolver o problema da alimentação do gado. José Manuel conseguiu salvar os animais, trazendo-os para casa e retirando-os das zonas afetadas pelo incêndio, mas agora está à procura de uma solução para a pastagem.
“Tinha gado na serra. Como é que queria que dormisse com este lume a fazer esse prejuízo enorme? Tirei o gado, mas agora não sei como vai ser porque aquilo não tem nada que se coma. Está tudo negro. Aquilo ardeu tudo. O gado agora não tem nada para comer”.
Para os moradores, a situação mais aflitiva aconteceu na tarde de sábado, quando o incêndio parecia estar controlado. Bruno Costa, 39 anos, relata que o fogo estava numa “fase descendente da encosta, bem afastado” da zona habitacional e menos intenso devido à chuva.
Todavia, “sem ninguém prever”, tudo mudou: “De repente, o vento muda, empurra o fogo cá para cima e ele chega com toda a intensidade. Temos aqui uma zona onde há ventos cruzados, o que ajudou a criar chamas e labaredas muito grandes que consumiram muita zona de mato e criou pânico entre os moradores”.
As chamas estiveram a menos de 40 metros das casas, mas, agora, o pior parece ter ficado no passado. Bruno Costa assume que “hoje já vai conseguir dormir mais descansado”. Ele e toda a ilha.
“Evitaram-se males maiores. Não houve perda de bens, não atingiu agriculturas ou moradias. Foi com muita força e empenho que os bombeiros conseguiram conter o fogo. Muito graças à força especial do continente e dos meios aéreos. Pensamos que agora podemos estar mais descansados”, constatou.
O incêndio que deflagrou na ilha da Madeira há 12 dias está “controlado e em fase de rescaldo”, já sem qualquer foco ativo, mas ainda com alguns pontos quentes, indicou hoje a Proteção Civil.
Apesar de a situação estar, para já, controlada, o incêndio ainda não se pode considerar extinto e as equipas vão manter-se vigilantes no terreno, para prevenir possíveis reacendimentos, acrescentou o comandante regional da Proteção Civil, António Nunes, em declarações à Lusa.
Nestes dias as autoridades deram indicação a perto de 200 pessoas para saírem das suas habitações por precaução e disponibilizaram equipamentos públicos de acolhimento, mas muitos moradores foram regressando a casa.
Dados do Sistema Europeu de Informação sobre Incêndios Florestais apontam para mais de 5.045 hectares de área ardida.
*Por Rui Pedro Paiva, da agência Lusa
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