A Suíça, o país estrangeiro escolhido para a “dupla comemoração” do 10 de Junho este ano, com a presença do Presidente da República e do primeiro-ministro nas celebrações previstas para terça e quarta-feira, alberga a segunda maior comunidade de emigrantes portugueses na Europa e no mundo, mas aqueles que protagonizaram a grande vaga migratória do final dos anos 1970, início dos anos 80, representam hoje apenas uma ínfima parte dos cerca de 260 mil residentes com cartão de cidadão português: apenas 2,8% têm mais de 65 anos.

Em declarações à Lusa, o coordenador científico do Observatório da Emigração, Rui Pena Pires, sublinha precisamente que, “olhando para os dados, há algo que chama a atenção, que é o facto de, apesar de continuar a haver emigração para a Suíça, e em números significativos todos os anos, a população nascida em Portugal a residir na Suíça tem vindo a diminuir, o que só é possível por haver neste momento mais regressos para Portugal do que saídas” para o país helvético.

“Tendo em conta que a emigração portuguesa para a Suíça já foi maior no passado, era expectável que estivesse a haver um envelhecimento desta população, e o facto de isso não se estar a verificar indicará que uma parte importante dos regressos se faz depois da reforma”, assinala.

Partir ou ficar?

Quem tem estudado esta questão em profundidade é a socióloga Liliana Azevedo, investigadora associada do Observatório, especializada em migração de regresso e envelhecimento e mobilidade, e autora de uma tese de doutoramento intitulada “Partir ou ficar? Transição para a reforma e migração de regresso de casais portugueses na Suíça”.

Em entrevista à Lusa, a socióloga, ela própria atualmente radicada na Suíça – é investigadora de pós-doutoramento na Universidade de Neuchâtel –, explica que o número significativo de portugueses que optam por regressar a Portugal quando deixam de trabalhar na Suíça deve-se a uma conjugação de múltiplos fatores, mas admite que “o próprio sistema social, de pensões e de saúde” na Suíça “acaba por ser um constrangimento à decisão de ficar, porque a quebra de rendimentos é substancial, tornando-se complicado chegar ao final do mês”.

Assinalando que a emigração portuguesa de trabalho para a Suíça teve início de forma muito lenta e tímida ainda nos anos 1960, cresceu progressivamente nos anos 70, “mas foi realmente nos anos 80, ou seja, há cerca de quatro décadas, que se avolumou e a Suíça se tornou um destino importante”, Liliana Azevedo explica que aqueles que vieram, jovens, durante esse ‘pico’, foram ficando, “muitas vezes por causa dos filhos que entretanto começaram a estudar, outros porque avaliaram que não valia a pena voltar a Portugal com 50 anos e mais valia esperar pela reforma”.

“Acontece que esses emigrantes, quatro décadas depois, chegam à idade de reforma, e na última década temos assistido, de facto, a um maior regresso a Portugal de pessoas em idade de reforma”, que, para muitos dos portugueses, é em torno dos 60 anos, já que trabalharam em setores com profissões perenes, como o da construção civil.

Admitindo que há “um conjunto de pessoas que sempre pensaram em voltar, mais cedo ou mais tarde”, a investigadora aponta que há, contudo, também um número significativo de emigrantes que foram permanecendo na Suíça muito além do objetivo inicial de “alguns anos”, por variadíssimas razões — “porque se integraram perfeitamente, porque mudaram os seus projetos migratórios, porque entretanto nasceram netos, e porque os laços com Portugal foram-se distendendo, pois os seus pais em Portugal faleceram ou a família, irmãos e irmãs, estão espalhados por vários países, e há um apelo menos forte para regressar”.

Regressar após a reforma, porquê?

No entanto, muitos destes portugueses acabam mesmo por regressar quando deixam o mercado de trabalho, “momento em que repensam a sua vida”, e entra em cena então um fator que se tem revelado preponderante para a sua decisão de regressar ao país de origem, o financeiro, até porque muitos têm casa em Portugal, e “na Suíça, contrariamente aos casos do Luxemburgo e França, a camada mais velha de emigrantes raramente acedeu à propriedade”, vivendo em muitos casos em apartamentos ao longo de décadas.

Mas um dos fatores que tem mais peso na decisão de regressar a Portugal é o complexo sistema de pensões que se pratica na Suíça, e de forma muito distinta dependendo do cantão, mas que invariavelmente se revela insuficiente para os portugueses permanecerem neste país, com um elevado custo de vida.

Liliana Azevedo explica que o sistema de pensões assenta em diferentes pilares, não só a carreira contributiva mas também, por exemplo, a chamada previdência profissional, um complemento, e, para aceder a todos os benefícios, é preciso preencher uma série de requisitos que muitos portugueses não preenchem, por variadas razões, como o facto de uma parte considerável de emigrantes terem acumulado trabalhos em tempo parcial, em muitos casos trabalho informal, sendo designadamente o caso das mulheres que emigraram na década de 1980, quando “a única via de inserção, ao abrigo do antigo regime migratório, era através das limpezas”.

“A maior parte dos portugueses [reformados] não chegam aos dois mil euros por mês, muitos só têm 1.500 euros, 1.300 euros”, manifestamente insuficiente para viver na Suíça, explica.

Por outro lado, outro fator com muito peso na hora de os emigrantes acima dos 60, 65 anos decidirem permanecer ou voltar é o do acesso aos cuidados de saúde, dos quais muitos necessitam nesta idade após uma vida laboral muitas vezes iniciada na adolescência, e “na Suíça não há sistema nacional de saúde, mas sim seguros privados de saúde, que são obrigatórios”, com custo variado, mas que em regra representa, “no mínimo, 500 ou 600 euros mensais por membro do casal”.

Deste modo, “para se manterem na Suíça” após atingirem a reforma, muitos emigrantes portugueses sabem que “consumirão todo o capital poupado ao longo da vida ativa”, em vez de o deixar de herança aos filhos, por exemplo.

“Quando atingem a reforma e fazem contas à vida, decidem regressar, pois o nível baixo das pensões relativamente ao elevado custo de vida e um sistema de saúde bastante caro vai consumir parte substancial das poupanças, delapidando todo o capital acumulado ao longo da vida”, sintetiza a socióloga.