"Nós não nos conhecíamos. Esse é o problema deste tipo de missões. Quando vamos realmente para o espaço, os astronautas conhecem-se, e estão pessoalmente juntos durante um ano, dois... preparam-se, e relacionam-se", conta Ana Pires. "No nosso caso, nós relacionámo-nos online, e é difícil. Cada um tem o seu feitio, cada um tem as suas caraterísticas pessoais. É muito difícil de lidar, não vou mentir", confessa a cientista-astronauta.
“Obviamente, que se opta por não haver confronto porque, no fundo, são 15 dias. Se fosse uma verdadeira missão, tínhamos de nos sentar e de resolver os problemas", diz a cientista. "Mas se repetia? Repetia. Foi uma oportunidade e uma experiência única na minha vida". Não só ao nível pessoal, mas também do conhecimento que trouxe para Portugal.
Conta ao SAPO24 que, apesar de cada membro da equipa ter a sua experiência e plano científico, se entrajudaram muito. Ana Pires fazia de astronauta ferido, por exemplo, para que a colega pudesse treinar o envio de ajuda. A comandante, por sua vez, plantou uma semente de cacau. "Eu vi crescer cacau em marte, digamos assim, marte na terra", diz Ana Pires. "É fantástico a terra ter locais como estes que nos preparam para ir para o espaço", diz, referindo-se ao Utah, mas também aos Açores, que considera ser "um excelente análogo".
Essa foi, precisamente, uma das novidades da quarta edição da Global Exploration Summit (GLEX), cimeira que ocorreu em Angra do Heroísmo, nos Açores, entre o dia 14 e 16 de junho, na qual o SAPO24 esteve presente. Foi anunciada a primeira missão espacial análoga a marte em Portugal, na ilha Terceira, liderada pela Associação de Montanheiros, em parceria com entidades, como o INESC TEC, a Universidade dos Açores, Universidade de Aveiro, e outras empresas.
A investigadora do INESC TEC espera ser para outros a inspiração que os seus colegas são para si todos os dias. Engenheira geotécnica de base, trabalhou muitos anos ligada às tecnologias do mar, e há seis anos que está num laboratório de robótica e sistemas autónomos onde vê "os colegas a desenvolver robôs subaquáticos para explorar o fundo do mar, para explorar minas inundadas".
É o caso de Alfredo Martins, também investigador do INESC TEC, cujo interesse pela robótica começou em pequeno. "Desde sempre me interessou engenharia", conta ao SAPO24. Quando via filmes de ficção científica, interessavam-lhe os cientistas que faziam as naves e os robôs. "Desde pequeno que tenho esta paixão pela engenharia, e em particular pela robótica. Já trabalho em robótica há muitos, muitos anos".
Salientando a importância de ser um trabalho de equipa, Alfredo Martins explica que nunca perderam um robô, mas que já tiveram robôs aéreos que falharam e caíram, e que é importante estar preparado para encontrar adversidades. "É aí que a experiência conta", diz o investigador.
"Claro que há um monte de coisas stressantes. É stressante saber que o robô está a 450 metros de profundidade e que se partir um cabo, não tenho maneira de o mandar vir para cima, posso perder meio milhão, ou um milhão de euros", confessa. "Nós fazemos robôs para o meio ambiente, para o fundo do mar, para o fundo das minas inundadas", acrescenta, explicando que o acesso aos locais e as dimensões são fatores desafiantes.
"Nós temos vindo a aumentar a profundidade em que operamos, as condições em que operamos", sendo cada vez mais "complicadas ou delicadas". O ano passado, a equipa de investigadores do Instituto do Porto conseguiu bater um recorde mundial quando o robô UX-1NEO atingiu os 450 metros de profundidade na gruta natural mais profunda do mundo, na República Checa. "Há muitos momentos destes", diz o investigador, referindo o exemplo de elementos da equipa que fizeram robôs que jogam futebol.
Mas, ao mesmo tempo, estão a aprender. Alfredo Martins acredita que "o fundamental é juntar as pessoas certas, todas elas com entusiasmo". Lidam com problemas novos sempre com a consciência "de que vão haver tropeções pelo caminho", mas aproveitando a experiência. "É preciso ter alguma coragem e dizer ok, vamos em frente. Isto tem de ser pesado, mas à medida que vamos ganhando experiência, este peso também fica mais interessante. Já temos melhor capacidade de avaliar os riscos versus os benefícios, o que se consegue, o que não se consegue".
A experiência é importante em todos os campos da ciência. João Carlos Nunes, vulcanólogo e professor na Universidade dos Açores, refere a importância da experiência para conhecer os sistemas vulcânicos, e consequentemente precaver melhor o futuro. "Nós baseamo-nos não só naquilo que conhecemos hoje, mas naquilo que conhecemos ontem em termos geológicos", explica ao SAPO24.
"Sabemos, no passado geológico, quais são aqueles [sistemas vulcânicos] que entram em erupção com maior regularidade, quais são mais preguiçosos, quais erupções são tendencialmente mais explosivas, como é o caso, por exemplo, da ilha Terceira. Pelo contrário, quais são os sistemas vulcânicos que entram em erupção, mas normalmente dão erupções mais calmas, menos problemáticos, como acontece na ilha do Pico ou de São Jorge", explica o vulcanólogo. "Esse conhecimento também é importante para os sistemas de alerta".
Da mesma forma que quando se dorme, espera-se acordar pela manhã, os 16 sistemas vulcânicos ativos nos Açores estão a dormir, mas podem acordar. Para o especialista, isto não é alarmante porque existe monitorização, equipamentos que detetam qualquer mudança significativa a tempo de agir. "Esses sistemas começaram a ser implementados nos Açores em 1980. Depois do sismo de 80 é que se começou a ter um bocadinho mais de atenção à parte dos vulcões ativos, aplicando aquele velho ditado de: assaltam a casa, trancas a porta".
"Seria alarmante se nós não tivéssemos um mínimo de sistemas de vigilância de vulcões. Como os sistemas vulcânicos ativos têm todos sistemas de vigilância implementados, uns mais, outros menos, os sinais que eles possam dar de que vão acordar, ou de que estão em estado pré-eruptivo, podem ser detetados por esses sistemas", explica João Carlos Nunes.
"Nos últimos 600 anos, que é mais ou menos o período em que as ilhas estão povoadas, nós conhecemos 26 erupções que ocorreram nos Açores. E todas elas deram sinais premonitórios. E é bom lembrar que, algumas delas, numa altura em que não havia equipamentos nenhuns, eram as pessoas os sensores. Agora com os sistemas montados, o que é que esperamos? Que os sinais sejam melhor detetados, e ainda com maior antecedência", conclui o professor.
Para a ciência continuar a evoluir, é preciso investimento. O vulcanólogo gostaria de dizer que há cada vez mais, mas "mostra a experiência" que em alguns domínios da investigação e da ciência que se fazem, sobretudo nos Açores, os meios são reduzidos. Ainda assim, admite que há avanços. Os seus 35 anos de experiência mostram que há equipas maiores, mas também recursos cada vez maiores à medida que as exigências e as tecnologias vão aumentando. "O que antes se fazia com cinco, agora precisamos de cinquenta para fazer. Eu diria que há avanços. Temos hoje melhores condições, mas estamos muito longe de ter condições ideais".
Acredita que eventos como a cimeira organizada pela Expanding World, com a curadoria do The Explorers Club, de Nova Iorque, na qual esteve presente, são importantes para atrair investimentos, apoios, e para chamar a atenção dos decisores. "A primeira grande mais valia de um evento destes é precisamente despertar as pessoas, despertar a sociedade, para uma série de acontecimentos e atividades que passariam despercebidos", diz João Carlos Nunes. "O segundo ganho é envolver os próprios investigadores da área da região, como é o caso dos Açores".
Também Alfredo Martins destaca o impacto mediático e local de um evento como este. "Uma pessoa que eu conheci tinha ido, em miúda, a uma palestra de astronomia, teria 12 anos. E agora é diretora de um grupo de astronomia numa universidade inglesa", conta o investigador. "Nunca sabemos onde estamos a espalhar sementes, é sempre um trabalho contínuo".
Apesar de a educação portuguesa não ter um nível tão superior como o da Coreia do Norte, ou dos países nórdicos, Alfredo Martins acredita que o esforço que existiu se está a refletir agora. "Fizemos uma progressão muito grande entre um período em que tínhamos muito pouca população com educação de nível superior, e agora", explica o especialista de robótica que acredita que Portugal tem "um conjunto de resultados desproporcional face à dimensão do país".
"E então na área da robótica nem se fala", defende Alfredo Martins. "A ciência portuguesa é uma ciência de excelência".
*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel
** O Sapo24 foi a convite da Expanding World
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