Os debates televisivos são um produto de sucesso em Portugal. São tão mais apetecíveis quanto maior é a tensão política e esse ingrediente não tem faltado nestas eleições. Um debate não é um debate apenas, tem uma antevisão, uma análise posterior, mesas redondas de comentadores, reportagens de rua e, a partir de hoje (bem haja) também um programa de humor diário, com mais entrevistas e comentários.
Um debate é aquilo que acontece em estúdio entre dois políticos e o que a maioria dos comentadores conclui que aconteceu.
No debate desta segunda-feira entre Luís Montenegro e Pedro Nuno Santos a maior parte dos comentários à queima-roupa deram a “vitória” ao líder socialista ou quanto muito cederam no empate. Houve quem disse que se viu “o verdadeiro" Pedro Nuno Santos.
Para outros, o que aconteceu foi que o Pedro Nuno Santos que debateu com Luís Montenegro recebeu indicações claras da equipa de campanha para se mostrar como “animal feroz”.
E houve ainda quem reconhecesse no discurso desta noite a “venturização” do debate político em que os apartes e o estilo rufia ganham à substância.
Terá sido um pouco disso tudo. Foi certamente um Pedro Nuno Santos diferente dos outros debates frente a um Luís Montenegro mais parecido com o que foi em todos os outros debates, feitos os devidos descontos ao tempo acrescido em estúdio e ao facto de esta ser efetivamente uma discussão entre os dois políticos que podem vir a ser os próximos primeiros-ministros.
Quem ganhou o debate?
Se o debate fosse decidido nos primeiros minutos, e sabendo que a política está intrinsecamente ligada ao discurso, Pedro Nuno Santos teria sido o inequívoco vencedor. Porque inusitadamente este foi um debate que decorreu com uma manifestação das forças de segurança à porta. Se durante o dia o clima pré-debate foi semelhante ao de um derby, à noite o clima que recebeu os dois líderes junto ao português Capitólio, no Parque Mayer em Lisboa, mais se assemelhava a um jogo da seleção, com entoação do hino frases patrióticas. Ainda assim, não deixou de ser uma moldura inusitada, na sua versão mais benigna, e preocupante na projeção num Estado de direito.
E é por isso que quando Clara de Sousa lança como primeira pergunta que mensagem deixam aos polícias, esse era o momento em que não se podia titubear. Montenegro falou primeiro e poderia ter marcado logo aí a diferença entre um líder partidário e um candidato a primeiro-ministro. Não o fez. Disse que concordava com a reivindicação que decorria de “uma injustiça que foi criada por este governo” e que e “é prioritário iniciar um processo negocial para reparar esta injustiça”.
Pedro Nuno Santos falou de seguida e não poupou nas palavras. Disse que tinha uma “palavra de lamento por uma manifestação marcada para o Terreiro de Paço que foi desmarcada” para o lugar onde se realizava o debate e que “não se negocieia sob coação”.
Há momentos na política em que não se pode ser fofinho. Este era um deles. Não é só, e seria bastante, institucionalismo e respeito pelo Estado de direito. É também conhecer a natureza humana e, já agora, a forma como os portugueses entendem a liderança.
O segundo momento do debate foi eminentemente político já que visava a resposta sobre a viabilização ou não, de parte a parte, de governos de maioria relativa. “Sei que é difícil a AD ter maioria absoluta”, disse Luís Montenegro, apontando como segundo objetivo uma maioria com a IL. “Se não conseguirmos governaremos com maioria relativa e em negociação com todos os partidos e com o principal partido da oposição que será o PS”.
Na resposta, Pedro Nuno Santos diz que o PS não apresentará uma moção de rejeição nem votará ao lado de uma, mas também não se comprometerá à partida com um orçamento que não conhece. Nas muitas interrupções da noite, esta era uma que teria valido a pena Montenegro fazer. Era um ótimo momento de revisão da matéria dada desde os longos meses em que o PS defendeu a narrativa de uma aliança escondida entre PSD e Chega até ao progressivo direito ao esquecimento de toda essa argumentação que soçobrou em definitivo nas eleições nos Açores onde o PS acaba de anunciar que irá chumbar a maioria relativa do PSD/AD – a mesma maioria que manteve mesmo a linha vermelha face ao Chega, como Montenegro tem repetido que faria.
O líder do PSD trouxe os Açores à equação mas faltou-lhe o rasgo com que alguns políticos transformam momentos destes em palavras que não se esquecem.
A discussão seguinte foi sobre a famigerada localização do novo aeroporto em que Pedro Nuno Santos brindou a audiência com as suas frases-bandeira. Confrontado com a decisão e publicação em Diário da República da localização do novo aeroporto, que abriu uma mini crise no Governo e culminou no seu pedido de desculpas público, disse fez o que fez porque, passamos a citar, “ gosto de decidir e quero que o meu país avance”.
Na quase hora que se seguiria, discutiu-se crescimento económico, salários, impostos, empresas (pouco), habitação, saúde, educação para terminar no tema das pensões e de quem é mais amigo dos pensionistas. Este foi um momento especialmente penoso de assistir com o regresso da discussão aos anos da troika usado como arma de arremesso e muito pouco respeito pelo que o país atravessou e as responsabilidades que tanto PS como PSD têm desses tempos difíceis. Mais de uma década depois, é desolador ver um líder socialista falar das decisões assumidas no memorando assinado com a troika como se o partido que representa não tivesse qualquer responsabilidade na situação de bancarrota e, já agora, na própria negociação com as entidades que emprestaram dinheiro a Portugal.
“Temos uma relação de confiança com os mais velhos em Portugal”, disse Pedro Nuno Santos. Os mais velhos de 2012 não são os mesmos de 2022 e não serão certamente os de 2032 – mas não foi ontem, neste debate, que isso se discutiu.
Quem ganhou então? Ouviremos de muitos analistas que foi Pedro Nuno, o verdadeiro, que ontem finalmente apareceu como que na eterna manhã de nevoeiro que alimenta estas histórias em Portugal. Se isso significa ganhar, já é mais discutível. Quem ouviu os debates anteriores de ambos os líderes viu um mais igual ao que tem sido a sua postura e outro mais diferente. Mais diferente é melhor para Pedro Nuno Santos e para o que os apoiam certamente, mas, tal como a maioria que se antecipa, o impacto nos eleitores é relativo.
Quem perdeu?
A memória é traiçoeira e à medida que o tempo passa vamos tendendo a afirmar que o temos hoje é pior do que aquilo que tivemos no passado. Haja tempo e paciência para esmiuçar cada um desses debates de outras eleições e concluiremos que também havia acusações infundadas, interrupções constantes e contrarrespostas totalmente fora de âmbito.
Ainda assim, o debate de ontem não só não foi um debate inesquecível, como não foi um bom debate. Foi um “suficiente” e com alguma generosidade.
Mas Pedro Nuno Santos tinha tudo a perder se nada tivesse feito de diferente e Luís Montenegro teria tudo a ganhar se mais tivesse feito.
Pedro Nuno Santos não perdeu o que poderia ter perdido e Luís Montenegro não ganhou o que poderia ter ganho.
Foi um debate que decidiu umas eleições? Esperemos que não, coitados de nós.
Promessas
- Economia
Luís Montenegro:
- Choque fiscal, aposta na produtividade e capacidade exportadora
- Objetivo de crescimento de 4% em 2028
Pedro Nuno Santos:
- Transformação do perfil de especialização da economia portuguesa como prioridade
- Estado a selecionar setores de investimento preferencial
- Salários
Luís Montenegro:
- Objetivo de salário médio de 1750 euros em 2030
Pedro Nuno Santos:
- Objetivo de salário médio de 1750 euros em 2027
- Salários doa funcionários públicos
Luís Montenegro
- Atualização de acordo com inflação
- Valorização de carreiras especificas
- Valorização de mérito e desempenho com prémios
Pedro Nuno Santos
- Cumprir acordo de rendimentos privados e públicos
- Impostos
Luís Montenegro
- Baixar taxas de IRS até ao 8º escalão
- IRS jovem até aos 35 anos
- Isentar de IRS os prémios de produtividade até um vencimento mensal
Pedro Nuno Santos
- “Se for possível” atualização dos escalões
- Habitação
Luís Montenegro
- Aumentar oferta pública
- Parceria público-privadas
- Redução do IVA da construção para 6%
- Retirar carga burocrática
- Melhor fiscalidade aos jovens (isentar de IMT e Imposto de selo)
- Garantia publica (de 15 ou 20%) nos empréstimos bancários
- Nos próximos quatro anos ter mais 50 mil casas no mercado
Pedro Nuno Santos
- Benefícios fiscais
- Garantia pública aos empréstimos a jovens e famílias em dificuldades
- Oferta pública: “temos o país todo em obras”
- Rendas
Luís Montenegro
- Não vai mudar taxa de atualização
Pedro Nuno Santos
- Atualização das rendas em função da inflação e dos salários
- Retirar tecto ao programa Porta 65 para abranger mais jovens
- Educação
Luís Montenegro
- Recuperação integral do tempo de serviços dos professores
- Programa de recuperação de aprendizagem
- Reintrodução de provas no 4º e 6º anos
- Estimular ensino profissional
Pedro Nuno Santos
- Exames: “não vamos obviamente repor o que abolimos”
- Estudar solução para ensino profissional que “não tem uma rede pública”
- Aumentar escalões de entrada para tornar a profissão mais atrativa para os professores
- Teste de diagnósticos aos alunos que frequentaram 1º e 2º ciclo durante a pandemia
- Saúde
Luís Montenegro
- Reorganizar a rede de urgências, obstetrícia e pediatria como prioridade
- Garantir consulta em doenças crónicas em 5 dias
- Vale para procurar resposta no setor privado ou social quando são ultrapassados os tempos máximos de espera
- Resposta de medicina familiar para todos até ao final de 2025
Pedro Nuno Santos
- Olhar de forma diferente para o envelhecimento e juntar serviços de saúde e serviços sociais
- Formar mais médicos
- Pensões
Luís Montenegro
- Atualizações todos os anos das pensões
- Atualização maior nas pensões mais baixas
- Rendimento mensal mínimo de 820 euros para todos os pensionistas no final da legislatura
Pedro Nuno Santos
- “Temos uma relação de confiança com os mais velhos em Portugal”
- “Nos períodos de baixa inflação conseguimos fazer atualizações adicionais às pensões mais baixas” [seis aumentos extraordinários das pensões em oito anos]
E acordos pós-eleitorais?
Luís Montenegro usou o seu minuto final para sublinhar que a escolha a 10 de março está entre “AD e eu próprio ou PS e Pedro Nuno Santos” enquanto líder socialista destacou que o dia das eleições será “um dos mais importantes de 50 anos de democracia”. Mas a verdadeira discussão de puzzles pós-eleitoriais teve lugar logo no início do debate em resposta à questão sobre se cada um viabilizaria ou não um governo de maioria relativa.
O que disse Montenegro?
- “A minha pré disposição é formar um governo competente, com pessoas capazes, indo à sociedade buscar pessoas dinâmicas”
- “Vou juntar à reunião semanal do conselho de ministros três conselhos temáticos em três áreas fundamentais: crescimento económico, transição climática e digitalização”
- “Sei que é difícil a AD ter maioria absoluta; o meu segundo objetivo é conseguir [uma maioria] com IL”
- “Se não conseguirmos governaremos com maioria relativa em negociação com todos os partidos e com o principal que será o PS”
O que disse Pedro Nuno Santos?
- “O tabu mantém-se” [referindo-se à decisão do PSD sobre um governo de maioria relativa do PS]
- “O PS não apresentará uma moção de rejeição nem viabilizará uma moção de rejeição [a um governo minoritário do PSD]”
- “O pior serviço à democracia era fazer aqui um negócio sobre um documento que ainda não é conhecido (Orçamento de Estado)”
- Mas “orçamentos dificilmente terão o voto do PS”
- Sobre coligações: “Incapacidade do PSD para liderar a direita – uma grande bagunça – o mesmo não tem acontecido à esquerda que tem mostrado capacidade e urbanidade”
Nota de edição: artigo editado às 8h30 para acrescentar informação sobre as promessas dos dois líderes partidários
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