A covid-19 veio fazer, para muitos, do teletrabalho regra. No último ano e meio, empregados e empregadores perceberam que havendo um computador e acesso à internet, o escritório pode dividir-se por dezenas ou centenas de casas. Mas estas "casas" não têm de ser sempre as mesmas: e é aqui que entram os nómadas digitais, que acabam por correr o mundo enquanto trabalham.

Uma das vantagens deste nomadismo profissional é a possibilidade explorar uma cultura local como semi-residente, já que o período de permanência, a trabalhar, se prolonga para lá do que seria a curta visita que os férias permitem. Neste sentido, muitos países criaram vistos para nómadas digitais — o que em tempo de pandemia vem colmatar as quebras do turismo.

De acordo com um top do InsureMyTrip, e ao contrário do que seria esperado, não é um país cheio de sol que ocupa o primeiro lugar da tabela de preferências dos nómadas digitais, mas sim um onde o frio é abundante: a Noruega. É lá que estes turistas trabalhadores se veem a ficar por um ano ou mais. Os outros lugares do pódio são ocupados pelo México e pela Alemanha. Mas Portugal surge logo a seguir, em quarto lugar. O restante top 10 inclui a Islândia, Grécia, Costa Rica, Jamaica, Espanha e Bermudas.

O que leva os nómadas digitais para a Noruega? A facilidade em obter residência por tempo indeterminado, a velocidade da internet e os altos níveis de felicidade compensam o custo relativamente alto do visto e os custos de habitação. Além disso, outro ponto essencial é a facilidade de aprendizagem da língua, essencial para conseguir ter conversas com os locais e promover a integração no país em causa.

No que diz respeito a Portugal, posicionar-se "como um país de excelência para atrair nómadas digitais" é uma das propostas do Livro Verde para o Futuro do Trabalho, que sugere a criação de "um enquadramento fiscal e um sistema de acesso à proteção social específico para melhor integração" destes trabalhadores e de uma rede nacional de espaços de coworking.

Em certo sentido, parece que tal começa já a ser feito: de acordo com o relatório Expat Insider de 2021, Portugal é o país europeu com a melhor classificação, ocupando o quinto lugar numa lista de 59 países. Mais concretamente, o nosso país obtém uma classificação entre os dez primeiros em três dos cinco índices avaliados: qualidade de vida (3.º lugar), facilidade de instalação (9.º lugar) e custo de vida (9.º lugar).

E o caminho continua a ser feito, em várias vertentes: o nosso país desenvolveu um visto de residente temporário que pode ser utilizado por freelancers e empresários. Desta forma, o seu titular pode ficar no país por um ano, com possibilidade de renovação por períodos sucessivos de dois anos. Outra iniciativa de destaque é a criação do programa Programa e-Residency, que constava do Programa Simplex 2019 com a designação "Identidade Digital". Mas especificamente para nómadas digitais não há dúvidas do grande projeto até agora: o Digital Nomads Madeira85, que procura atrair os nómadas digitais para a região. Todavia, outros locais são também chamativos para este modo de vida, como é o caso do Porto, Lisboa, Ericeira e Lagos.

Promover o nomadismo digital. É este o caso da Madeira

Em maio deste ano foram contabilizados cerca de 700 nómadas digitais na Madeira — e mais de 7.000 manifestaram interesse em deslocar-se a prazo para o arquipélago, segundo o secretário regional da Economia, Rui Barreto.

Para que tal seja possível, foi iniciado um projeto-piloto promovido pela Secretaria Regional da Economia e pela Startup Madeira, o Nómadas Digitais, que tem como objetivo atrair trabalhadores remotos, estando envolvidos, enquanto parceiros, a comunidade de nómadas digitais, empresas locais (hoteleiros e proprietários de alojamento local, empresas de animação turística, restauração, 'rent-a-car', saúde, consultoria, advogados, entre outros), o Centro Cultural John dos Passos, a NOS Madeira (internet) e plataformas internacionais (Nomadx e Flatio.com).

A Madeira quer posicionar-se no mapa como “um dos 10 melhores destinos do mundo para trabalhar remotamente”, com “preços muito acessíveis” para aceder a um “espaço de trabalho em sistema de ‘cowork’”.

No fim, mais do que uma oportunidade de negócio, esta também é uma forma de divulgar a ilha no mundo. “A Madeira tem condições ótimas no norte e no sul. Eles preferem mais o sul, porque tem um tempo mais quente e, o mar tem melhores condições, mas há sempre quem prefira o norte e nós estamos já a trabalhar no concelho de Santana, São Vicente e Porto Moniz”, disse o secretário regional.

Mas o desenvolvimento nesta área não fica por aqui. Rui Barreto frisou que também está a ser “desencadeado um conjunto de contactos” na ilha do Porto Santo, porque “há vontade de muitos poderem trabalhar lá”.

“Temos o ‘coworking’ (escritório partilhado) 24 horas disponível, temos outros ‘coliving’ (residência partilhada) já com parceiros locais e o nosso objetivo é também dinamizar o comércio local porque existe muita oferta que se adapta ao que um trabalhador nómada precisa aqui no concelho”, sublinhou Luís Pestana, um dos três empreendedores responsáveis por este novo conceito na região.

O principal objetivo, segundo o empreendedor, passa por “juntar os madeirenses com a comunidade, tudo o que é trabalhador remoto”, de forma a proporcionar também “uma nova experiência para os madeirenses”.

Contudo, Luís Pestana assumiu alguma dificuldade com os alojamentos em Santa Cruz, cidade onde se localiza o aeroporto, enfatizando a necessidade de poder “contar mais com o apoio dos alojamentos locais e empresários do concelho” porque a “oferta é pouca” para a procura que vai existir já nos próximos meses.

Ao Expresso, Gonçalo Hall, digital nomadism consultant da Startup Madeira, explicou que os nómadas que chegam à ilha trabalham em várias áreas. "Há de tudo um pouco porque houve uma grande mudança no mercado”, explica, referindo que “apenas 20% trabalham em IT” — os restantes trabalham em vendas, organizações não-governamentais, em entretenimento e advocacia ou em grandes empresas (como a Siemens, Philip Morris ou Talkdesk, a título de exemplo).

Além dessa diversidade, há ainda outro factor a apontar: a percentagem de nómadas com empregos fixos alterou completamente. Anteriormente, apenas um em cada 10 nómadas eram empregados de uma empresa, agora são cerca de metade.

Prós e contras de ser nómada digital

Vantagens de ser nómada digital, de acordo com o InsureMyTrip:

  • Flexibilidade para viajar para qualquer lugar, a qualquer hora;
  • Flexibilidade para trabalhar seguindo uma agenda própria;
  • Fugir dos dramas tradicionais do escritório;
  • Experimentar novas culturas;
  • Conhecer novas pessoas;
  • Economizar dinheiro ao morar num local com boa relação custo-benefício;
  • Aceder a incentivos fiscais em alguns países (por exemplo, Grécia e Croácia);

Desvantagens: 

  • Longos períodos longe de amigos e familiares;
  • Não há a sensação de casa ou propriedade;
  • Podem existir barreiras relativamente ao idioma local;
  • Pouca distinção entre trabalho e vida pessoal;
  • É necessário aprender a gerir melhor o tempo;
  • Sensação ocasional de solidão e amizades de curto prazo;
  • É necessário um esforço extra para formar relacionamentos.

O que é preciso para trabalhar como nómada digital?

Cada país tem regras próprias para receber estrangeiros que pretendam instalar-se para trabalhar. Contudo, no que diz respeito às deslocações para a União Europeia, o Conselho da UE e o Parlamento Europeu chegaram, em dezembro de 2020, a um acordo sobre a mudanças no sistema europeu de vistos para aumentar a segurança no espaço Schengen, aumentando a vigilância às permissões de curta duração e de residência — necessárias para nómadas digitais.

Desta forma, a UE está a melhorar o seu Sistema de Informação sobre Vistos [VIS], um instrumento utilizado pelas autoridades para registar e verificar as pessoas que solicitam um visto de curta duração. Até então, este sistema reunia apenas informações sobre os vistos — e agora passa a estar interligado com outros sistemas e bases de dados relevantes da UE, nomeadamente o Sistema de Informação Schengen (SIS), o Sistema de Entradas e Saídas (EES), o Sistema Europeu de Autorização de Informações de Viagem (ETIAS), os dados do serviço europeu de polícia (Europol) e da Organização Internacional de Polícia Criminal (Interpol) e ainda com o Eurodac, que armazena impressões digitais dos requerentes de asilo e migrantes.

No que diz respeito aos trabalhadores remotos, esta é uma realidade cada vez mais assente — e reforçada agora pela pandemia —, pelo que vários países por todo o mundo se têm adaptado à mudança, o que passa também por lançar novos vistos especificamente projetados para trabalhadores digitais.

Assim, os vistos de nómada digital da UE já estão disponíveis em vários países europeus e preenchem uma lacuna nas leis para trabalhadores remotos que querem passar períodos — sejam mais curtos ou de longa duração — no exterior, trabalhando de forma independente.

No fundo, estes vistos são autorizações de viagem que legalizam o estatuto dos profissionais viajantes. São fáceis de obter, tais como os vistos para turismo, mas permitem estadias mais longas e trabalhar de forma independente e remota. Todavia, muitos nómadas digitais continuam a usar vistos de turista, visto que podem continuar a trabalhar no país para onde se deslocaram (desde que não tenham sido contratados por uma empresa local).

Para facilitar o processo — e evitar surpresas —, é recomendado que os trabalhadores remotos entrem em contacto com as autoridades do país para onde se desejam deslocar, de forma a verificar os requisitos do visto para nómades digitais e o processo de candidatura. Regra geral, as condições para obter o visto são apenas duas: ter um passaporte válido e elegível e o comprovativo de um trabalho remoto estável. Porém, alguns países podem exigir seguro de saúde, certificado de vacinação, entre outros documentos.

Como vai o nomadismo pela Europa?

Apesar de todo o cenário ser relativamente recente, a Europa está na vanguarda do nomadismo digital. Desta forma, são já alguns os países que se mostram bastante atrativos para quem pretende este tipo de vida.

Estónia: foi o primeiro país a adaptar-se à mudança e a implementar um programa de e-residência para estrangeiros que são empreendedores online. Em junho de 2020, a Estónia anunciou um visto de nómada digital para freelancers e trabalhadores remotos, que podem ficar no país durante um ano.

Alemanha: por sua vez, este foi o primeiro país a criar um visto apenas para freelancers. Neste caso, os trabalhadores remotos devem prestar serviço a empresas no país.

Croácia: foi lançado um novo programa de vistos para nómadas digitais em 2021, que inclui isenções fiscais ao nível da renda, pelo período de um ano. Familiares próximos do portador do visto também podem viajar para o país.

Islândia: neste país, o visto de nómada digital — que trabalha remotamente para empresas estrangeiras — implica estadias superiores a seis meses.

Itália: desde janeiro de 2020 que os incentivos têm vindo a crescer neste país. Assim, os freelancers que estabelecem residência legal em Itália têm uma redução de impostos de 70%.

Grécia: está disponível, desde o início deste ano, um novo regime fiscal que permite que os nómadas digitais paguem apenas metade dos impostos devidos sobre o seu rendimento ao longo dos próximos sete anos.

Noruega: foi criado um visto específico — válido a longo prazo — para nómadas digitais que pretendem viver no arquipélago Svalbard.