O mote tinha sido dado logo no dia em que a Comissão Técnica Independente (CTI) apresentou o relatório final sobre a melhor localização para o novo aeroporto de Lisboa. O promotor do Magellan 500, Carlos Brazão, afirmou logo na altura que "o nosso projeto não foi corretamente avaliado".
Agora, apresenta uma contestação jurídica, por considerar que "a gravidade das lacunas, das incorreções e outros fatores analisados pela CTI" em sede de análise preliminar "resulta num favorecimento de uma das opções contidas no relatório" apresentado.
Segundo o promotor privado, "o documento mostra que a CTI promoveu uma análise desconforme face às orientações da União Europeia em aspetos críticos para a análise das opções".
Nesta mesma pronúncia serão ainda abordadas as soluções técnicas que permitem considerar a opção de Santarém como solução aeroportuária viável.
Interpretação abusiva do relatório da NAV
Carlos Brazão questiona as condições em que a CTI fez a avaliação de oito projetos e criou mais duas soluções. "Fizemos o projeto Magellan 500 ao longo de quatro anos", enquanto a CTI "teve um ano" para estudar todas as alternativas apresentadas.
Para o promotor, a avaliação da CTI contém "sete pecados principais". O primeiro, e que levou à exclusão do projeto do aeroporto em Santarém, teve a ver o espaço aéreo e a incompatibilidade com a zona da Base de Monte Real. "Sabíamos que a zona Monte Real estava lá e apresentámos, em Abril, uma solução para resolver o problema", garante Carlos Brazão.
E discorda da interpretação que a CTI fez do relatório da NAV - Navegação Aérea de Portugal, que considera "abusiva". "O que a NAV diz é que numa segunda fase de expansão, o contrato terá de ser revisto. Quando o tráfego aumentar, terão de ser feitos estudos específicos para o efeito", diz o promotor, afirmando que "a CTI fez uma interpretação abusiva do relatório do NAV".
Recorde-se que Rosário Partidário, coordenadora-geral da CTI, afirmou publicamente que "Santarém não estava para ficar de fora" e que a questão do espaço aéreo, que resultou no chumbo da sua viabilidade, "foi uma surpresa" também para a Comissão Técnica Independente.
De acordo com Rosário Partidário, numa reunião com responsáveis do grupo Magellan 500, marcada para esclarecer este assunto, "eles foram apanhados de surpresa, porque tinham uma informação informal de que não havia problema de limitação de espaço aéreo, e quando a NAV, que é a autoridade nacional nessa matéria, faz a análise, aquilo de facto implica com Monte Real [base aérea]. Monte Real já foi a razão para nos rejeitarmos algumas opções no início, nomeadamente Monte Real e Tancos, apanhados por essa área de espaço aéreo, que é crucial do ponto de vista estratégico para o país, que é NATO".
A solução dos promotores para o espaço aéreo
O promotor justifica que o projecto Magellan 500 foi desenhado assim "num contexto de navegação aérea, de um espaço aéreo, baseado nas regras existentes". O problema é que "a NAV estava a preparar um alteração de gestão de espaço aéreo, para os chamados point merge [margem], e nós não sabíamos, não nos comunicaram", explica Alberto Castanho Ribeiro, do grupo Barraqueiro, parceiro neste projecto.
"Quando somos confrontados com uma alteração do espaço aéreo, que, efectivamente, é uma solução que está a ser adoptada por quase toda a Europa, e a NAV vai implementá-la só este ano para o Aeroporto Humberto Delgado, começámos a desenhar sobre isso", acrescenta.
Para os privados, "a NAV fez o trabalho normalíssimo", mas a CTI podia ter comunicado aos responsáveis do projecto que estavam a ser feitas essas alterações, "numa perspectiva de diálogo que sempre disse manter", porque no campo formal não era obrigada a isso. Alberto Castanho Ribeiro e Carlos Brazão garantem que há soluções "em que o point merge não é alinhado, é ao lado, e deixa de tocar no espaço aéreo da base de Monte Real.
Alberto Castanho Ribeiro diz ainda que "aquele não é espaço NATO", ao contrário do que afirmou Rosário Partidário, "é espaço aéreo português". Segundo o responsável, o que existe é "uma reserva, porque é importante para a frente atlântica e os F16 têm de sair para cobrir essa frente, que apanham esse espaço. Mas, neste momento, esse mesmo espaço aéreo, durante o período de Verão, é utilizado pela aviação comercial por causa da densidade de tráfego sobre o Aeroporto Humberto Delgado, e há um acordo entre a Força Aérea e a NAV para utilizar parte desse espaço aéreo. Então, também podemos utilizar essa parte de espaço aéreo".
Além disso, justificam, "com esta solução ocupamos um pouco do espaço aéreo a determinada altitude, os F16 passam a outra altitude sem problema, enquanto nas soluções de Alcochete se elimina um campo de tiro importante, ainda no ano passado houve lá um exercício com tropas da NATO, elimina-se o campo de artilharia de Vendas Novas, corta-se parte da zona de paraquedismo de Santa Margarida, cria-se constrangimentos e bloqueia-se praticamente uma das pistas do Montijo e ainda tem implicações na base de Alverca. Portanto, vamos ver o que é o equilíbrio e o que afecta mais", conclui Alberto Castanho Ribeiro.
O promotor do Magellan 500 acredita que serão feitas correcções e que a CTI poderá emendar a mão, e espera até à formação de novo governo, a quem compete decidir com base no relatório final, para decidir o que fazer. No entanto, deixa no ar que o operador internacional, "quando vir que querem fazer um ajuste directo com a Vinci", pode "levantar o dedo e dizer 'meus senhores como é isso'", ou seja, poderá contestar a decisão nos tribunais. "Nunca seremos nós a fazê-lo", assegura.
Os sete pecados capitais da CTI e o imbróglio da alta velocidade
Além da questão da "inviabilidade” na navegação aérea, agora explicada, os defensores do projecto Magellan 500 apontam mais seis erros à análise da CTI: "Zonas de influência desconformes com a União Europeia, com medição desigual; desvio da alta velocidade no Plano Ferroviário Nacional, beneficiando Alcochete; desorçamentação dos acessos a Alcochete; definição dos perímetros de impacto ambiental, desconhecimento reiterado do projecto Magellan 500 e incompreensão das implicações do contrato de concessão.
Todas estas questões foram "objecto parcial ou total de anteriores pronúncias da Magellan 500, ignoradas", diz Carlos Brazão, que confirma que os números trabalhados pela CTI não são os números que constam do projecto Magellan 500, nomeadamente os prazos de implementação. Rosário Partidário garantiu ao Sapo 24 que os dados da Comissão Técnica são os que foram enviados pelo promotor.
No que toca à alta velocidade, Alberto Castanho Ribeiro, do grupo Barraqueiro, não tem dúvidas: "Vamos ser claros, quiseram [a CTI] desorçamentar as acessibilidades a Alcochete e inventaram uma solução - que, por acaso, foi rejeitada pela RAVE - Rede Ferroviária de Alta Velocidade, S.A., depois de ter estudado aprofundadamente as várias soluções, entrar em Lisboa pela margem direita ou pela margem esquerda, já na perspectiva de servir o aeroporto em Alcochete".
"Eu estava na equipa que estava a analisar a ligação a Alcochete, a Ota primeiro, depois Alcochete, e concluímos, há estudos feitos, que pela margem direita é o mais favorável. Não faz sentido para servir 5% ou menos de tráfego no eixo Lisboa-Porto, que é a ligação, quando 95% fica prejudicado em tempo, em custos de operação, para fazermos mais xis quantos quilómetros e servir Alcochete", diz o responsável.
"Enquanto operador não me interessa nada andar a passear comboios vazios para ir a Alcochete, interessa-me é ir a Lisboa o mis depressa possível, que é onde está o tráfego, e sair daí directamente a Madrid, este é que é o eixo fundamental da mobilidade", resume. "Não faz sentido subverter o princípio da alta velocidade, que é uma ligação rápida, e adicionar-lhe mais 15 minutos para servir 5% do tráfego ou menos".
Em quanto crescem os custos de operação? O grupo privado estima "em mais de 1.500 milhões de euros só a parte CTA-Carregado. Tudo, incluindo todos os 100 Km e as duas travessias do Tejo, provavelmente mais de 5.000 milhões de euros". Para dar uma ideia do que custa o desvio Alcochete, basta acrescentar "o custo do maquinista, o custo da degradação do comboio, o custo da energia. Só estes três factores multiplicados por trinta anos, o prazo de amortização de um comboio, já dá para ver". Pior, "o operador tem de repercutir isso no preço do bilhete, e a ligação Lisboa-Porto vai ficar mais cara". Para já, o preço do bilhete está no segredo dos deuses, primeiro "é preciso ter a certeza de que o troço de alta velocidade vai ser feito", ironiza.
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