“De facto, as pessoas estão cansadas. Foram meses muito difíceis e aquilo que antes poderia ser uma ausência de um ou dois dias, hoje, leva a uma ausência mais prolongada porque as pessoas estão mais frágeis e psicologicamente desgastadas”, afirmou Filomena Cardoso, enfermeira diretora do Conselho de Administração do CHUSJ, no Porto.
O estudo levado a cabo no hospital de São João mostra, comparando os primeiros oito meses de 2019 (de janeiro a agosto) com os primeiros oito meses de 2021, que o absentismo laboral aumentou, em termos gerais, 33%. Nos enfermeiros, o absentismo laboral aumentou 70% no período em análise.
Comparando o atual panorama a um “pós-guerra”, a enfermeira defendeu que esta percentagem reflete, principalmente, “o cansaço acumulado ao longo dos últimos meses”.
“Temos de pensar na saúde mental dos profissionais de saúde que viveram uma época muito difícil e que estão muito sobrecarregados, fragilizados, cansados e que precisam que também olhemos por eles”, salientou.
O isolamento profilático, o fecho das escolas, a doença covid-19 e a saúde mental são alguns dos motivos apontados pelos enfermeiros para o absentismo laboral, aos quais se somam, segundo Filomena Cardoso, as “muitas perdas”, não só de doentes, mas também de pessoas próximas.
A par do absentismo, no período em análise registou-se um aumento de 25% dos dias de férias para gozar, que se prende, sobretudo, com dois fatores: “os profissionais de saúde não terem tirado férias em 2020” e “as férias terem sido majoradas quando ficaram para gozar”.
“Temos muita gente ausente, porque os que cá estão [no hospital] continuam a trabalhar e têm de assegurar as mesmas funções”, admitiu a enfermeira, afirmando ser preciso “um reforço” do número de profissionais de saúde.
“O reconhecimento não pode ser só por palavras, tem de ser um reconhecimento por dotar as instituições dos profissionais que elas necessitam para conseguirem dar respostas”, salientou Filomena Cardoso.
Considerando que a “batalha” contra a covid-19 foi “ultrapassada”, a enfermeira defendeu, no entanto, que os profissionais de saúde precisam de “apoio para recuperar”, até porque não prevê uma “melhoria significativa” este ano e a “curto prazo” nas taxas de absentismo.
Também o diretor do Serviço de Psiquiatria daquela unidade hospitalar afirmou que um dos principais problemas inerentes à pandemia da covid-19 foi “a falta de ar” e defendeu que os profissionais de saúde precisam de “respirar no sentido psicológico”.
“Nós temos de deixar as pessoas respirar no sentido psicológico. Temos de as deixar viver fora disto [hospital], tirar férias. O desgaste que sentem, boa parte dos profissionais resolvem se os deixarmos respirar, sem máscara, afastando-se um pouco do seu trabalho, namorando mais, vivendo mais com os filhos, família e pais, viajando ou lendo”, afirmou Miguel Bragança.
Defendendo que “uma das principais regras” para uma saúde mental adequada é a promoção de uma “vida multipolar”, Miguel Bragança defendeu, por isso, ser contraproducente “psiquiatrizar toda a população”.
“Acho que psiquiatrizar ou psicologizar toda a população é uma ideia destituída de realidade e muito contraproducente porque retiramos os instrumentos que as pessoas têm para resolver os seus próprios problemas”, disse o médico, alertando, no entanto, para a necessidade de existir “uma prevenção primária”.
“Se o profissional de saúde não estiver bem isso diminui a empatia, diminui o desempenho e aumenta o erro, por isso é que temos de ter profissionais saudáveis. É muitíssimo importante a prevenção primária”, acrescentou.
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