A época desportiva 2021/22 arrancou com uma novidade: a aplicação do Cartão do Adepto, um documento que visava permitir a apoiantes o acesso a zonas especiais, reservadas aos Grupos Organizados de Adeptos (GOA), vulgo claques organizadas e reconhecidas, em recintos desportivos.
Criado pela Lei nº 39/2009, de 30 de julho, revista e publicada pela Lei n.º 113/2019, de 11 de setembro que estabelece o regime jurídico da segurança e do combate ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espetáculos desportivos, foi definido e regulado nos termos patentes na Portaria n.º 159/2020.
Três meses de bancadas vazias e 2949 cartões depois foi anunciada a “morte” do Cartão do Adepto após votação na generalidade na Assembleia da República do projeto de lei nº 920/XIV/2.a da Iniciativa Liberal, da autoria do seu único deputado, João Cotrim Figueiredo.
A pergunta, desde logo, a sair da boca de todos os adeptos: “morre” já na próxima jornada? Não. Não será extinto no imediato. Ainda vai demorar, alertamos.
E a Zona com Condições Especiais de Acesso e Permanência de Adeptos (ZCEAP) criada para o efeito, será eliminada? Não. Não será, para já, retirada porque não está previsto naquilo que foi proposto pela IL e votado, embora estivesse contemplada na proposta (rejeitada) do PCP.
Confuso? Explicamos.
Comecemos, para já, pela aprovação da revogação do Cartão do Adepto. Um passo que mereceu aplausos de clubes, associações de adeptos em Portugal e na Europa.
“A lei do cartão do adepto não deveria ter existido. A palavra é adepto quando queriam referir-se às claques. Não tinha nexo nenhum. Prejudicou os adeptos, obrigou-os a estarem fechados naquele sítio, ninguém podia levar um filho menor de 16 anos e prejudicou os clubes porque ficaram com zonas vazias e privadas de receitas de bilhética”, descreveu ao SAPO24 António Cebola, da direção da Juventude Leonina, principal claque (não reconhecida pelo clube) do Sporting Clube de Portugal.
“O cartão do adepto só peca por alguma vez ter entrado em vigor. Uma medida que, em pleno século XXI, promove altamente a discriminação e setorização de pessoas, não só é inconstitucional como, mais do que isso, é imoral. Não poderia haver outro desfecho que não a queda do mesmo. Caso assim não fosse, o valor desportivo da inclusão ficaria vazio de sentido", afirmou Soraia Quarenta , advogada da BQ Advogadas.
Fernando Veiga Gomes, na qualidade de especialista em Direito Desportivo, vê com bons olhos o fim do Cartão de Adepto. “Foi uma lei mal pensada e muitíssimo burocratizada, com um sistema que na prática veio verificar-se que não funcionava. Chegou ao ponto dos lugares destinados ao cartão do adepto ficarem desocupados. Não faz nenhum sentido”, chamou à atenção.
Sócio da Abreu Advogados, Veiga Gomes alertou não ser este o “caminho para controlar e prevenir as questões da violência no desporto” e apontou uma via. “Tem de ser mais através do controlo de claques e grupos organizados, limitação do acesso aos recintos desportivos”, disse. “O futebol, na minha opinião pessoal, é para as famílias, é uma festa e deve ser protegido o acesso às pessoas e não burocratizar o acesso como se pretendia com este cartão”, sustentou.
A Liga, por sua vez, “não comenta”, recado transmitido ao SAPO 24 por fonte do organismo que tutela os campeonatos profissionais do futebol português.
Liberais, Chega e comunistas unidos no fim ao cartão. Só a IL segue em frente
Voltemos ao que foi discutido. Todos os partidos com assento parlamentar viabilizaram o texto do Iniciativa Liberal com a abstenção do PS e PSD e os votos a favor do Bloco de Esquerda, CDS, PCP, PAN, Chega e oito deputados socialistas, partido do Governo que implementou a medida, a saber: Tiago Barbosa Ribeiro, André Pinotes Baptista, Isabel Moreira, Constança Urbano de Sousa, Pedro Bacelar de Vasconcelos, Rosário Gamboa, Joana Lima e Carlos Braz.
O que se segue? De seguida, a iniciativa agora aprovada desce à especialidade, à 8ª Comissão - Educação, Ciência, Desporto e Juventude e será apreciado em votação final global no parlamento.
Deverá, ou talvez não, ninguém pode garantir (depende do tempo “perdido” na especialidade) ser definitivamente aprovada em votação final global até 26 de novembro, dia em que decorrem as votações finais antes da dissolução da Assembleia da República. “Era bom que ficasse resolvido até 26”, diz, esperançado, o responsável da claque leonina.
Depois desses passos, outros terão de ser dados. Está tudo explicado no site do parlamento.
Da Assembleia da República, em São Bento, o decreto, após aprovação, viaja até Belém, onde deverá ser promulgado pelo presidente da República. Fica a carecer ainda de publicação em Diário da República e só depois será aplicado. No projeto dos Liberais (artigo 4) foi aprovado que a “presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação”.
“Apenas caiu o cartão de adepto. As zonas criadas para esses adeptos mantém-se”
Continuemos. A questão fica encerrada com o óbito do Cartão de Adepto? Não. Não fica. Há mais uma alínea. “Apenas caiu o cartão de adepto”, avisa António Cebola, da Juventude Leonina. “As zonas criadas para esses adeptos mantém-se. A Iniciativa Liberal quis acabar com o cartão, mas esqueceu-se de eliminar as zonas (ZCEAP)”, lamentou. “Teria sido a cereja em cima do bolo”, lembrou.
O tema estava previsto na proposta do PCP.
“A zona poderá ser usada por adeptos e não necessita de cartão nenhum para lá estar. Aquela bancada continuará delimitada, a ter uma entrada especifica para aquele setor, casas de banho e um bar único e quem irá para lá não pode contactar com outros. Não é bom”, avisa.
Da leitura do artigo 16º-A do projeto dos Liberais, zona com condições especiais de acesso e permanência de adeptos, lê-se no n.º2 que o “acesso e a permanência nas zonas referidas, em cada espetáculo desportivo, são reservados apenas aos adeptos detentores de título de ingresso válido”. Isto é, o partido liderado por Cotrim Figueiredo nada diz acerca do levantamento desta barreira física.
Por fim, algo que não ficou, por agora, definido. A devolução, ou não, do dinheiro despendido (20 euros) por quem adquiriu este ingresso especial. SAPO24 contactou, por email, o portal do cartão do adepto, mas não obteve resposta em tempo útil.
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