Ainda o ano era imberbe quando nasceu Michael King Jr. No dia 15 de janeiro de 1929, o casal Michael King Sr. e Alberta Williams King têm então o segundo filho, depois de Alberta Williams King.
A infância de Michael King Jr. corria na área rural de Georgia, na companhia da irmã mais velha e do irmão mais novo — Alfred Daniel Williams King. O seu avô materno era encarregado da pequena igreja batista Ebenezer, que tinha cerca de 13 membros. O pai de Michael — Michael King Sr. — tornou-se pastor após a morte do sogro, em 1931. Mais tarde, adotou o nome de Martin Luther King Sr, em homenagem ao líder religioso protestante alemão Martin Luther.
Do pai, Michael King Jr. recebia os ideais de resistência, do fim da segregação e do preconceito racial, que era considerada, na família, uma afronta à vontade de Deus. Discurso a discurso, ensinamento em ensinamento foi-se regando a semente do ativismo de Michael King Jr, que mais tarde daria nova vida e forma ao nome que o pai adotara.
Com 5 anos, entrou para a escola pública. Estudou, mais tarde, na Brooker T. Washington High School, onde era conhecido por ser um “aluno precoce”. Transitou do 9º para o 12º diretamente, conseguindo ingressar no curso de Sociologia na Morehouse College, em Atlanta, com apenas 15 anos, em 1944. Tornou-se “valedictorian”, isto é, porta-voz da turma — um título académico de extraordinária importância destinado aos alunos com as classificações mais altas.
Contudo, não só de conquistas se fez a infância e adolescência de Luther King; com 12 anos a sua avó Jennie morreu de ataque cardíaco, o que levou o pequeno King a saltar de uma janela do segundo andar da casa da família. Felizmente, não ficou ferido.
Anos mais tarde, durante o seu doutoramento, conhece Coretta Scott na New England Conservatory School, em Boston. Em 1953 casam-se. Tiveram quatro filhos: Yolanda, Martin Luther King III, Exter Scott e Bernice. Embora na sua infância tenha questionado a religião e contrariado a devoção, para ele, exagerada, nesta altura decide tornar-se pastor da Igreja Batista Dexter Avenue, em Montgomery, Alabama. Em 1955, com 25 anos de idade, acaba o doutoramento.
Dia 2 de março de 1955 uma rapariga de 15 anos recusou-se a levantar do seu lugar no autocarro para que um homem branco se pudesse sentar, na cidade de Montgomery. Claudette Colvin foi presa por violar a lei local. A secção local da NAACP — Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor — considerou que esta seria uma oportunidade para mobilizar a comunidade a desafiar a política de segregação dos transportes públicos. Porém, Claudette estava grávida e os líderes dos direitos civis temiam que a gravidez pudesse chocar a comunidade negra, profundamente religiosa na altura.
Na noite de 1 de dezembro de 1955, Rosa Parks, de 44 anos, apanhava o autocarro na avenida Cleveland, no centro da cidade de Montgomery. Sentou-se na primeira fila, reservada para negros. Sem lugares por ocupar, o motorista, James F. Blake, notou que duas ou três pessoas brancas estavam em pé. Exigiu, então, que os passageiros negros sentados se levantassem para dar o seu lugar aos brancos. Todos o fizeram, menos Rosa Parks.
Parks foi presa e acusada de violar o capítulo 6, secção 11 da lei de segregação da cidade de Montgomery, apesar de tecnicamente nem se ter sentado num lugar reservado a brancos. A fiança foi paga pelo presidente da sede local do NAACP, Edgar Nixon.
King, Nixon, Jo Ann Robinson e outros ativistas decidiram usar o caso de Parks para chamar a atenção para a segregação racial nos Estados Unidos. No dia 4 de dezembro, foi convocado um boicote aos autocarros de Montgomery. As mais de 40 mil pessoas que andavam de autocarro prosseguiram com o boicote durante 381 dias. Foi nesta altura que Luther King Jr. se destacou, tendo proferido o seu primeiro discurso enquanto membro do grupo NAACP:
“Não temos alternativa a não ser protestar. Durante muitos anos temos mostrado uma paciência incrível. Às vezes, temos dado aos nossos irmãos brancos a sensação de que gostamos da forma como somos tratados. Mas nós viemos aqui, esta noite, para sermos salvos da paciência que nos faz pacientes com qualquer coisa menos com a liberdade e a justiça”.
Em 1956, o Supremo Tribunal suspendeu a lei que determinava a segregação racial nos transportes públicos.
Depois da vitória, os líderes dos direitos civis afro-americanos reconhecem a necessidade de uma organização nacional em prol das suas causas. Em janeiro de 1957, Martin Luther King. Jr, Ralph Abernathy e 60 ministros da igreja e ativistas dos direitos civis fundaram a Southern Christian Leadership Conference (SCLC), aproveitando a autoridade moral e o poder organizador das “black churches”, as igrejas que eram compostas pela comunidade afro-americana. Tendo como primeira bandeira o direito ao voto, em fevereiro de 1958, a SCLC organizou mais de 20 reuniões nas principais cidades do sul para registar eleitores negros.
Com um enorme respeito pela doutrina da não violência, Martin Luther King fazia dos discursos a sua mais poderosa arma — em 1957 fez 218 discursos. Apoiante da doutrina de Gandhi — chegando a visitar a sua casa na Índia —, os primeiros anos de ativismo de King foram acompanhados por Bayard Rustin, ativista que tinha estudado os ensinamentos do fundador do moderno estado indiano.
Bayard era um dos grandes conselheiros de King, tendo sido o organizador da Marcha em Washington pelo Trabalho e pela Liberdade, em 1963. Ativista, homossexual e com “supostas” ligações ao partido Comunista. Com a visão curta e nublada, a maior das pessoas não estava preparada para encarar Bayard. Os apoiantes de King acabaram por pedir o seu afastamento.
Em 1960, King ganhava maior notoriedade nacional. Regressou a Atlanta para se tornar co-pastor com o seu pai na igreja Ebenezer. Foi precisamente aqui que, anos mais tarde — 4 de fevereiro de 1968 — fez um dos discursos mais repetidos hoje em dia.
"Todos nós temos o instinto maior do rufar dos tambores (...) A grande questão da vida é domar este instinto. É um bom instinto, se tu não o distorceres ou o perverteres. Não desistas. Continua a sentir a necessidade de ser importante (...) Mas quero que tu sejas o primeiro no amor. Quero que tu sejas o primeiro em integridade moral. Quero que tu seja o primeiro em generosidade".
Embora a ligação íntima com a igreja Ebenezer, os passos no caminho dos direitos humanos não abrandaram. No dia 19 de outubro, em Atlanta, King e 75 estudantes entraram numa loja, e pediram serviço de almoço, que lhes foi negado. Quando se recusaram a deixar aquela área do balcão, King e outros 36 foram presos. Todos acabam por ser libertados, uma vez que o presidente de Atlanta receava que o incidente pudesse prejudicar a reputação da cidade.
Mais tarde, King é preso por violar a sua liberdade condicional com uma condenação de trânsito. A notícia do seu encarceramento fez parte da campanha presidencial em 1960, quando o candidato John F. Kennedy telefonou para Coretta Scott King. Kennedy expressou a sua preocupação pelo tratamento severo que King enfrentava, pela multa de trânsito e pela pressão política. King foi libertado.
Em 1963, Luther King e vários ativistas pelos direitos humanos começam a esquadrinhar a realização de uma grande manifestação na capital do país. Acontece assim, no dia 28 de agosto desse ano, a marcha em Washington pelo Trabalho e pela Liberdade que levou mais de 200 mil pessoas ao memorial Lincoln. Foi nesta marcha que aconteceu o mítico discurso “I have a Dream”.
"Eu tenho um sonho que um dia esta nação se levantará e viverá o verdadeiro significado da sua crença - nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados de forma igual.
Eu tenho um sonho que um dia nas colinas vermelhas da Geórgia os filhos dos descendentes de escravos e os filhos dos descendentes dos donos de escravos poderão sentar-se juntos na mesa da fraternidade.
Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo no estado de Mississipi, um estado que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado num oásis de liberdade e justiça.
Eu tenho um sonho que as minhas quatro pequenas crianças vão um dia viver numa nação onde elas não serão julgadas pela cor da pele, mas pelo conteúdo de seu caráter. Eu tenho um sonho hoje!"
A mobilização popular, a crescente onda de agitação dos direitos civis levam a que, em 1964, a Lei dos Direitos Civis fosse aprovada. O Governo Federal autoriza o fim da segregação em espaços públicos. No mesmo ano, Martin Luther King. Jr ganha o Nobel. No dia 10 de dezembro, em Oslo, faz o discurso de receção do prémio:
"Creio que a verdade desarmada e o amor incondicional terão a última palavra na realidade. É por isso que o bem temporariamente derrotado é mais forte que o mal triunfante".
No dia 7 de março de 1965, a marcha pelos direitos civis, que começava em Selma e estendia-se até Montgomery, foi marcada pela violência dos policias, que atacaram os manifestantes com cassetetes e gás lacrimogéneo quando eles passavam a ponte Edmund Pettus. Dezassete manifestantes foram hospitalizados, fazendo com que este domingo ficasse conhecimento como o “Domingo Sangrento”.
Com uma ordem de restrição que impedia a realização de marchas, King tenta uma nova abordagem. No dia 9 de março de 1965, decorre uma procissão de 2.500 manifestantes que atravessa novamente a ponte Pettus. Em vez de forçar um confronto com a polícia, King pede aos seus seguidores que se ajoelhem em oração e voltem para trás.
O governador de Alabama, George Wallace, continuava a tentar evitar a realização de marchas, até o presidente Lyndon Johnson ordenar que o Exército dos EUA e a Guarda Nacional do Alabama protegessem os manifestantes.
No dia 21 de março, começa a marcha de 5 dias, que parte de Selma até Montgomery com 2.000 participantes. No dia 25, 25 mil pessoas reúnem-se em frente ao capitólio, onde King proferiu o discurso:
“Disseram que nós não chegaríamos aqui. E houve quem dissesse que nós só chegaríamos aqui por cima dos seus cadáveres. Mas o mundo inteiro hoje sabe que nós estamos aqui e que estamos de pé diante das forças do poder no estado de Alabama, ao dizer. 'Não vamos deixar ninguém fazer com que voltemos atrás'”.
5 meses depois do histórico protesto pacífico, o presidente Johnson assinou a Lei dos Direitos de Voto em 1965.
Entre 1965 e 1967, King visita outras cidades americanas, como Chicago e Los Angeles. Para além de falar de racismo e discriminação, King começa a fazer referências à conduta do governo relativamente ao envio de homens para a guerra do Vietname, considerando que os mais pobres eram os que mais sofriam. No dia 30 de abril de 1967, em Nova Iorque, na Riverside Church, King sublinha a sua oposição à guerra:
"Eu oponho-me à Guerra do Vietname, porque eu amo os Estados Unidos. Eu pronuncio-me contra esta guerra, não com revolta, mas sim com angústia e tristeza no meu coração, e principalmente com um desejo apaixonado de ver o nosso querido país a ser o exemplo moral do mundo. Falo contra esta guerra, porque estou dececionado com os Estados Unidos, e não pode haver uma grande deceção quando não há um grande amor".
Nos últimos anos de vida, Luther King esteve sob escuta telefónica, por parte do FBI, e controlado pelos serviços secretos.
No dia 3 de abril de 1968, King estava em Memphis para apoiar a greve dos trabalhadores dos serviços sanitários. No templo do bispo Charles Mason King diz que não teme nenhum homem.
“Não sei o que vai acontecer agora, se virão dias difíceis. Mas não importa, porque estamos no cimo da montanha. Como qualquer um eu gostava de viver uma vida longa. A longevidade tem o seu lugar. Mas agora isso não me preocupa. Quero apenas fazer a vontade de Deus. E Ele permitiu-me subir a montanha e olhar e vi a Terra Prometida. Pode ser que não chegue lá com vocês mas quero que saibam que, como povo, chegaremos à Terra prometida. Por isso estou feliz esta noite. Nada me preocupa. Não temo nenhum homem. Os meus olhos viram a glória do Senhor”.
No dia seguinte, na varanda do quarto 306 do Lorraine Hotel, de Memphis, Martin Luther King foi morto, às seis da tarde, pelos tiros do supremacista branco James Earl Ray. Tinha 39 anos. O corpo jazeu, mas o sonho não.
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