Num mundo onde a informação está por todo o lado, é estranho pensar em desertos de notícias. Portugal tem 61 concelhos sem jornais e rádios de informação com sede, revela o estudo “Deserto de Notícias”, que visa saber quais as localidades que não têm noticiário local, com o investigador e autor do trabalho, Giovanni Ramos, a apontar Trás-os-Montes e Alentejo como as regiões mais afetadas.

O 'Deserto de Notícias' é um estudo que começou a ser feito nos Estados Unidos com o objetivo de saber quais eram as localidades que não tinham noticiário local, ou seja, que estavam sem jornal e sem rádio local, tendo também sido feito no Brasil e agora em Portugal.

E o que é um deserto de notícias? O investigador associado da Labcom/UBI - Universidade da Beira Interior e autor do estudo, Giovanni Ramos, explica à Lusa que "são regiões que não possuem noticiário local, são comunidades que se a população quer saber o que acontece na sua cidade, na sua comunidade, precisa" de procurar "meios informais porque não há um jornalismo para atender isso".

Em Portugal "temos um problema que atinge mais ou menos 20% dos concelhos portugueses", aponta o autor do estudo, que foi atualizado em setembro. Segundo os dados de 2021, 19,8% dos concelhos portugueses estão no deserto de notícias — ou seja, 61 concelhos, acrescenta Giovanni Ramos, sendo um problema localizado "e que não é muito diferente dos outros países que já tinham feito este levantamento também".

Dos 308 concelhos em Portugal, 57 não tinham jornais ou rádios com sede em setembro de 2020. Este 'deserto de notícias' ocorre "em regiões mais distantes dos grandes centros urbanos e com menor atividade económica", explica o investigador. "Isso está ligado às crises económicas que a Humanidade viveu no século XXI e as crises internas do jornalismo", que incluem as mudanças no mercado, o papel da Internet e as plataformas como Google e Facebook com ferramentas que captam a publicidade.

No caso português "são duas" as regiões onde o 'Deserto de Notícias' é mais claro com concelhos nesta situação: Trás-os-Montes e o Alentejo. "Portalegre, por exemplo, é um distrito bastante afetado", salienta. Estas regiões "são distantes dos grandes centros, são regiões com menor atividade económica" e "no caso de Portugal têm um detalhe muito importante que é a questão populacional", já que são concelhos muito pequenos, justifica o investigador.

"Essas vilas não conseguem manter uma estrutura de um jornal ou um modelo comercial a funcionar", são comunidades "que acabam sendo, digamos assim, abandonadas, porque ficam sem essa informação local" de imprensa e rádio, tornando-se dependentes das televisões para informação do país e do mundo e utilizando meios informais, com a Internet, grupos de Facebook, WhatsApp, "mas aí não é jornalismo profissional", tratando-se de "um terreno extremamente fértil para a desinformação", considerou.

"Entendo que se precisa de uma política pública específica para se criar jornais, não é apenas manter os meios de comunicação", afirma Giovanni Ramos. Ou seja, é necessária "uma política para criar meios de comunicação novos onde não há mais", remata. O presidente da Associação Portuguesa de Imprensa (APImprensa) concorda e, em declarações à Lusa, diz não só que o ‘deserto de notícias’ em Portugal "vai agravar-se", mas também que o governo "não pode deixar de olhar" para isso.

Questionado sobre se o ‘deserto de notícias’ pode piorar, João Palmeiro é perentório: "Vai agravar-se, não é pode, vai". Aliás, "temos todos os indícios de que vai agravar-se", acrescenta, apontando o "aumento do preço do papel, aumento dos custos de impressão, falta de papel". A título de exemplo, aponta que nos Açores há indicação de que só há papel para poucas semanas.

O governo "não pode deixar de olhar para isso", defende o responsável. Agora, o problema é que o "governo não tem na sua estrutura nenhuma entidade que sinta a falta deste estudo, não tem nenhuma entidade que tenha capacidade para, no âmbito das políticas públicas para os media, poder mandar fazer estudos destes", lamenta.

O presidente da APImpresa recordou que "a última vez que o Estado mandou fazer um estudo destes foi entre 2011 e 2013". Um foi o estudo da "Universidade do Minho sobre o porte pago e um estudo do Alberto Arons de Carvalho e do João Paulo Faustino sobre os outros apoios do Estado", exemplificou, enfatizado que esta "foi a última vez que alguma vez se fez um estudo sobre o impacto destes apoios".

"O problema aqui é que depois o Estado, ao contrário, diz 'Ah, mas eu para fazer uma política pública e para gastar dinheiro preciso de saber porque é que o estou a fazer e com base em que estou a fazer'". Ora, "a única entidade que o Estado participa para poder fazer estes estudos é o Obercom que tem, no entanto, um orçamento limitadíssimo", e que tem "muitos pedidos" para fazer estudos dirigidos a outras áreas, conclui.

A conclusão, aponta João Palmeiro, é uma: "piores dias virão".