A manhã pôs-se em festa diante da fachada clara, cheia de janelas, da nova Ala Pediátrica do Centro Hospitalar Universitário São João (CHUSJ), no Porto. Ala que é, na verdade, um "hospital pediátrico integrado" no maior hospital do norte do país. Erguido dos contentores e das polémicas de avanços e recuos, a obra está acabada e a primeira doente, a Beatriz, com um mês, já lá tinha entrado em novembro. Mas agora, com o bloco operatório prestes a iniciar o funcionamento também, é tempo de inaugurar.

Os palhaços andam atarefados, para a frente e para trás, a ver se são capazes de manter o malabarismo enquanto os carros dos convidados vão e vêm. Andou toda a gente dez anos à espera disto: o projeto nasceu em 2009; anos depois, a 3 de março de 2015, foi lançada a primeira pedra da obra pelo então primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho.

O prazo para construir esta ala era de dois anos — mas um ano depois de a primeira pedra ser celebrada, já estava tudo parado. É que o projeto, orçado em cerca de 25 milhões de euros, era para ser financiado por fundos privados, angariados através da associação humanitária “Um Lugar Pró Joãozinho” que doaria a obra ao centro hospitalar.

Através de um acordo de cooperação, o hospital comprometeu-se a ceder à associação a utilização de uma parcela de um imóvel nas suas instalações. Em 2016, a obra parou depois de o centro hospitalar defender que só seria possível fazê-la com investimento público devido ao “desfasamento entre as verbas angariadas [pela associação] e o orçamento total da obra”.

As crianças em contentores, os serviços a degradar-se. Após um impasse de vários anos, em abril de 2019, a Associação Joãozinho abandonou definitivamente a construção do novo espaço. À Lusa, o presidente da associação, Pedro Arroja, explicava na altura que a ala pediátrica já poderia estar concluída e paga se “não fossem os impedimentos colocados pela administração do hospital e pelo governo”.

No verão desse mesmo ano, em julho, o internamento das crianças nos 36 contentores do hospital acabou e as estruturas provisórias que duraram cerca de dez anos foram desmontadas. À época, a deslocação das crianças para as camas pediátricas no edifício principal do hospital foi possível através da utilização de espaços deixados livres com a relocalização de outros serviços.

Hoje, porém, os médicos deixam de ter de percorrer corredores e corredores para chegar aos doentes. As crianças têm espaços pensados para elas. São mais de 13 mil metros quadrados, com capacidade para 100 camas e 700 trabalhadores, entre blocos operatórios, unidades de cuidados intensivos neonatais e a primeira unidade de queimados pediátricos do país. Neste momento, estão já 21 crianças na nova ala.

Mas neste espaço somam-se também valências como a cardiologia pediátrica, cirurgia cardíaca e de intervenção, oncologia pediátrica, grande trauma e resposta a doentes neurocríticos. Isto para além das áreas lúdicas, que incluem salas com brinquedos, instalações luminosas — e várias consolas de última geração, numa sala decorada com as cores do FC Porto e com uma mensagem simples: "juntos venceremos".

"Os sonhos ou acabam quando acordamos ou se transformam em realidade”

Os bombos e a tarola dos Mareantes de Gaia estouram no fundo da pequena rua ladeada pelo renque de árvores estreitas mas altas que se enfilam diante da nova fachada. António Costa, primeiro-ministro, chega para inaugurar o "sonho" que se transformou em realidade.

Foi ele que o disse, já no interior do que deverá ser a sala de espera dos pais e crianças que aqui chegarem: “o mais difícil, seguramente, foi fazer e garantir que os sonhos não morriam com a covid-19. O sonho de termos esta ala é um sonho que tem mais de dez anos, houve muitas oportunidades de poder ser resolvida, mas a verdade é que foi preciso fazer acontecer esse sonho porque os sonhos ou acabam quando acordamos ou se transformam em realidade”.

Afinal, apesar dos dilemas, apesar da pandemia (que ocupou os dois anos de obra), “houve um Conselho de Administração que, seguramente, assoberbado com uma enorme pressão daquilo que foi o acréscimo de serviço que a pandemia impôs a todos os profissionais e instituições conseguiu encontrar uma vigésima quinta hora no seu dia para continuar a fazer esta obra andar”, afirmou ainda António Costa, para quem esta é uma obra “exemplar”.

Agora, há que sair daqui com a confiança de que “nos momentos mais negros e difíceis, há sempre um caminho onde é possível desde que haja vontade para o fazer”, disse o primeiro-ministro no discurso de inauguração. “Estamos aqui hoje porque não paramos, mas temos de sair daqui hoje com a convicção de que não podemos parar porque este problema foi resolvido, mas infelizmente há outros problemas que continuam a ter a necessidade de serem resolvidos”.

A ministra da Saúde vê aqui também matéria para sonhar mais em duas lições a reter: a união e a perseverança. É que “se conseguirmos garantir estes dois ingredientes, união e perseverança, naturalmente conseguiremos replicar em outros locais onde tanto precisamos de soluções semelhantes a esta como no novo hospital central do Alentejo, no hospital de Lisboa oriental ou na maternidade da cidade de Coimbra”.

“São estas duas lições que me parecem essenciais para o muito que temos para fazer no Serviço Nacional de Saúde (SNS)”, disse Marta Temido, também ela feliz com “um dia feliz para o SNS, um dia feliz para os profissionais de saúde e um dia especialmente feliz para as crianças” nesta inauguração. Afinal, não existe “maior satisfação” do que a sociedade se organizar para responder às necessidades dos “mais frágeis e vulneráveis e que são o futuro de todos”, as crianças.

“Desde antes da primeira pedra, foi em março de 2015, até ao dia 16 de novembro, em que a primeira menina foi tratada nestas instalações, passaram muitos anos, muitos meses, semanas e dias na vida de todos nós”, disse ainda, lembrando que aquele espaço resulta da capacidade e esforço “de muitos”.

“Se foram capazes de fazer aparecer o novo hospital, se foi possível que este projeto tenha passado ao longo de vários conselhos de administração, ministros e secretários de Estado é porque de facto há essa capacidade das instituições apoiarem e continuarem a manifestar-se e trabalharem por projetos bons que por vezes não aparecem tão depressa como gostaríamos”, acrescentou.

Na inauguração da nova ala estiveram também presentes o presidente do Conselho de Administração do CHUSJ, Fernando Araújo, vários presidentes de câmaras, como o da câmara do Porto, Rui Moreira, o presidente do FC Porto, Pinto da Costa, e o bispo auxiliar de Lisboa, Américo Aguiar, provedor dos doentes do São João.

Fernando Araújo disse também que, após mais de uma década, este é o “realizar de um sonho”: “É possível o SNS se reconstruir com projetos mais arrojados”, observou, dizendo que na próxima semana, naquela ala pediátrica, se vão iniciar as cirurgias no bloco operatório que conta com duas salas apetrechadas com a mais recente tecnologia, única em Portugal, mas também com dois temas: a água e a terra, que decoram uma das paredes de cada um dos espaços.

“Esta foi uma obra feita com o coração”, realçou, lembrando que naquela ala todos trabalham para fazer acreditar que “o dia de amanhã será um dia melhor”.

Mas a nova ala foi sonho também para Rui Moreira. Tudo isto é “o realizar de um sonho”, disse o presidente da câmara do Porto, dando os parabéns aos pais, crianças e aos que trabalharam na construção do novo espaço por, durante a pandemia, não terem parado.

"Um bom caso prático"

São duas crianças que conduzem a cerimónia de inauguração, o Rodrigo e a Joana. Chamam ao palanque os convidados, com a autoridade de quem, mais do que qualquer outro, precisava deste lugar. Apesar dos travões que o projeto encontrou pelo caminho, António Costa encontra aqui "um bom caso prático".

Hoje com 14 anos, Rodrigo era um bebé de colo quando o projeto arrancou pela primeira vez. Foi precisa uma proposta de alteração — aprovada — ao Orçamento do Estado para 2019 para prever o ajuste direto para a construção da nova ala. Com isto, é necessário “refletir”, disse o primeiro-ministro, considerando que a solução foi “um bom caso prático”.

“Desta vez, não houve contencioso, não houve providências cautelares a parar a obra. Foi mesmo um trabalho para engenheiros e operários civis e não para juristas e essa é uma lição muito importante que todos devemos reter”, disse, lembrando ser preciso garantir aos cidadãos que os impostos que pagam são “geridos com transparência, rigor e produzem resultados”.

“Um dos resultados dos impostos que pagaram estão aqui, nos 25 milhões de euros, que estão nesta ala pediátrica”.

Agora, os impostos que forem encaminhados para este hospital têm outro destino: um heliporto. António Costa revelou no discurso que a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-Norte) aprovou esta semana a candidatura para o financiamento da criação da estrutura.

“Ainda esta semana a CCDR-N aprovou a candidatura para o financiamento de uma obra muito importante para este hospital e para toda a região norte que é a viabilização do heliporto que vai servir mais do que a população do Porto, toda a região”, revelou António Costa. Este investimento faz parte do Plano de Atividades e Orçamento do Centro Hospitalar de São João, que já foi aprovado pelos ministérios da Saúde e das Finanças.

O primeiro-ministro disse ainda que o heliporto permitirá “assegurar o acesso urgente de todos os doentes da região” ao Hospital de São João e garantir cuidados diferenciados.

“Bom trabalho com o heliporto”, fechou António Costa, antes de seguir por uma visita guiada pelo novo hospital das crianças do Norte.

*Com Lusa