“As preocupações e incertezas, bem como as medidas de distanciamento físico, podem afetar o bem-estar e a saúde mental e psicológica”. O alerta é feito pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que organizou hoje a primeira conferência de imprensa de uma série dedicada a questões específicas para aprofundar as estratégias para lidar com a pandemia da Covid-19.
Por se tratar de uma situação nova para todos, muitas vezes as respostas foram pouco concretas e remeteram para as boas práticas já conhecidas do passado. Os especialistas admitiram isso mesmo à medida que iam respondendo às perguntas colocadas pelos jornalistas - enviadas previamente ou escritas na caixa de comentários do direto na página de Facebook (pode rever a sessão aqui).
A esclarecer as questões estiveram Hans Kluge, diretor regional da Europa da OMS, Aiysha Malika, do Departamento de Saúde Mental e Abuso de Substâncias da OMS (via telefone) e Dorit Nitzan, coordenadora da gestão de operações e emergências na área da saúde do gabinete regional da Europa (via videochamada). Robb Butler, senior advisor do gabinete regional, moderou a conversa.
“Isto não vai ser um sprint, vai ser uma maratona”
Dada a relevância do tema, Hans Kluge afirmou que é muito importante que os especialistas em saúde mental estejam sentados à mesa no momento em que os responsáveis tomam decisões económicas, políticas e sociais.
“Isto não vai ser um sprint, vai ser uma maratona” e por isso a saúde mental e psicológica e o bem-estar das populações não podem ser negligenciados, advertiu.
O tema está em cima da mesa um pouco por toda a parte e Portugal não é exceção. Ainda esta quinta-feira, o secretário de Estado da Saúde português, António Sales, anunciou que foram ativados os planos de intervenção na saúde mental em contexto de catástrofe, "o que vai permitir um conjunto de respostas em saúde mental integradas com os diferentes níveis de prestação de cuidados".
No final da conferência de imprensa da OMS, o diretor regional resumiu de forma empática uma “solução”: “Ajam com bondade, ajam com amor… Mas com distanciamento social”, sorriu.
O que fazer então para manter a cabeça sã ao mesmo tempo que nos preocupamos com o corpo são? Estas foram algumas das questões mais sublinhadas pelos especialistas.
1. Aceitar que é “natural” sentir ansiedade e falar sobre as emoções
Hans Kluge fez questão de sublinhar várias vezes que as emoções que vamos sentir ao longo destes tempos “não são para ignorar”, “precisamos de as perceber melhor”.
“É absolutamente natural que sintamos stress, ansiedade, medo e solidão durante este período”, começou por dizer, acrescentando que é essencial que os governos e as autoridades de saúde deem resposta aos desafios de saúde pública mental, não só agora, mas também no rescaldo da pandemia.
O próprio admitiu que tem procurado estar consciente dos pensamentos que o preocupam e que os partilha com as pessoas à sua volta. Muitas vezes, os outros estão a pensar e a sentir o mesmo, explicou. Se cada um for reconhecendo o que o está a afetar e for partilhando com pessoas de confiança, é possível pensar em conjunto sobre as origens dessas preocupações e as estratégias para lidar com elas.
2. Usar as estratégias que já funcionaram no passado
Mais uma vez dando um exemplo da sua própria experiência, Hans Kluge partilhou que estes dias tem recorrido às estratégias que normalmente usa quando se quer manter calmo. No caso dele, por exemplo, passa por exercícios de respiração e meditação.
Mas “cada um é especialista no seu bem-estar”, reforçou Ayisha Malika. É importante “usar as estratégias que no passado [em situações de stress] sentimos que resultaram connosco”, disse mais à frente.
Independentemente das soluções que cada um reconheça como importantes para si, a especialista recordou as estratégias mais gerais, que têm vindo a ser amplamente divulgadas e que não devem ser negligenciadas porque têm efetivamente um impacto grande na manutenção da saúde mental.
São elas:
- Manter uma rotina para dar sentido de estrutura;
- Ter uma alimentação equilibrada;
- Realizar alguma atividade física;
- Garantir horas de descanso e de sono.
3. Agilizar medidas de apoio psicológico e de acompanhamento pessoal à distância
A forma como são prestados os cuidados com a saúde mental e psicológica, tendencialmente feitos em presença, precisa agora de ser reinventada.
Para isso, podem ser criadas, por exemplo, linhas telefónicas ou plataformas online de apoio psicológico profissional. É o que está acontecer em Itália, onde a organização nacional de psicólogos e organizações não-governamentais estão a prestar este serviço à população e aos profissionais de saúde, explicou Dorit Nitzan. O serviço tem sido muito procurado e está a ser visto como um bom exemplo pelas entidades internacionais.
Em Portugal, o mesmo está a ser pensado, num esforço conjunto entre a Ordem dos Psicólogos Portugueses e o Ministério da Saúde. O serviço poderá vir a ser anunciado em breve.
A Ordem dos Psicólogos Portugueses traduziu as principais indicações da OMS sobre como lidar com o stresse durante o surto de Covid-19.
Durante a conferência, os especialistas lembraram que os mais velhos, em particular aqueles que estão mais sozinhos, precisam de ser acompanhados à distância e que, para isso, poderá ser necessário um esforço adicional para os ensinar a utilizar os recursos tecnológicos que tenham à disposição.
Sob o lema “não deixar ninguém para trás” (“leave no one behind”, no original, em inglês), Hans Kluge referiu também que os serviços de apoio psicossocial às populações mais vulneráveis têm de ser reinventados numa altura destas. No entanto, as indicações deixadas neste âmbito foram pouco específicas, sendo dito essencialmente que é preciso manter - ou até reforçar - o apoio a pessoas com deficiência, a pessoas internadas em instituições psiquiátricas ou a viver em centros de acolhimento social, a reclusos, a refugiados e migrantes, etc.
4. Ser um exemplo para as crianças: tranquilidade gera tranquilidade
Sem o sentido de estrutura que a ida à escola traz, nem a sensação de apoio que o convívio com os amigos proporciona, as crianças facilmente perdem as referências que habitualmente lhes dão segurança.
Ayisha Malika lembrou que é muito importante que os pais saibam que podem surgir novos medos nos seus filhos, como por exemplo o medo de que as pessoas que lhes são queridas morram ou o medo de precisarem de receber tratamento médico.
Os mais novos, em particular, podem ter mais dificuldade em entender o que se está a passar.
A especialista recordou algumas pistas essenciais nestes momentos: estar disponível para dar mais atenção e amor porque as crianças poderão estar mais carentes, ser honesto e explicar com clareza o que está a acontecer (com linguagem e conteúdos adequados a cada idade), ter noção de que os adultos são modelos para as crianças e que por isso elas tenderão a reproduzir as reações dos mais velhos (tranquilidade, paciência, irritação, instabilidade, etc.).
A equipa anunciou que a OMS vai lançar em breve um livro destinado às crianças entre os 4 e os 10 anos para explicar a Covid-19.
Há vários outros recursos já disponíveis em português, nomeadamente materiais disponibilizados e criados pela Ordem dos Psicólogos, como este guia para ajudar as crianças a lidarem com o stresse e este guia para explicar as medidas de isolamento social às crianças.
5. Manter uma comunicação de qualidade com os mais velhos: ouvir dizer que somos grupo de risco é difícil
Este pode ser um momento com um impacto particularmente pesado para os mais velhos. “Dizerem-nos que somos especialmente frágeis pode ser difícil”, fez questão de explicitar Ayisha Malika.
A comunicação com os mais velhos deve, por isso, ser feita com especial cuidado para não alimentar a estigmatização, a ansiedade, a culpa, sublinhou a especialista durante a conferência de imprensa.
No caso específico dos idosos que estão em lares, situação que muito tem sido acompanhada em Portugal, Hans Kluge reconheceu: “Este é um desafio enorme”. “A questão-chave é que os mais velhos saibam que estamos a pensar neles, que são amados, que estamos a querer cuidar deles”. E devemos fazer isto pelas vias que forem possíveis: telefonemas, videochamadas e até cartas, admitiu.
6. Cuidar dos profissionais de saúde, cuidar dos profissionais de saúde, cuidar dos profissionais de saúde
A mensagem foi repetida muitas vezes durante a conferência de imprensa. “O apoio aos profissionais de saúde é “vital” e isto “não pode ser subestimado”, afirmou Ayisha Malika.
A especialista deixou algumas sugestões de estratégias que podem ser usadas pelas equipas nos hospitais e locais onde estão a ser prestados os cuidados de saúde: rotatividade entre posições de maior e menor stress, partilha com os colegas das emoções e das preocupações, tempos de descanso e intervalo.
Também os serviços de apoio psicológico a estes profissionais é essencial. Assim como é criar formas ágeis de os profissionais de saúde saberem onde e como poderão recorrer a estes serviços.
Em Portugal, o apoio psicológico aos profissionais envolvidos na pandemia "também está assegurado e é crucial", afirmou António Sales esta quinta-feira.
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