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O que é que o papa pode fazer com os seus dias?
Na série televisiva de Paolo Sorrentino, The Young Pope, Pio XIII, interpretado pelo actor britânico Jude Law, passa o tempo a passear pelos jardins do Vaticano, de mãos atrás das costas, com um ar por vezes melancólico, por vezes calculista, sempre pensativo. Partilhando um maço de cigarros com os seus poucos amigos, o chefe da Igreja Católica parece ocioso e totalmente desocupado. No entanto, o dia de um papa é muito preenchido. Na verdade, é perfeitamente planeado, dividido entre a oração, o trabalho pessoal e as audiências de todo o tipo.
Nos tempos modernos, os papas levantam-se sempre muito cedo. João Paulo II punha o despertador para as 5h30. Bento XVI deu a si próprio meia hora de sono suplementar. Quanto a Francisco, há décadas que mantém o padrão de sono: é o mais madrugador de todos, acordando às 4h30. Imediatamente após acordar, João Paulo II ia para a secretária ao lado da sua cama para meditar e escrever. Depois, rezava na sua capela, estendido no chão, como fazem os padres polacos: «Dava a impressão de conversar com o Invisível», diz o seu antigo secretário, monsenhor Dziwisz. Da mesma forma, Francisco mergulhou na oração e numa meditação muito longa, que durou quase duas horas. Lia os textos da liturgia do dia e outras obras para preparar a homilia que iria proferir durante a missa da manhã, perante os fiéis convidados para a capela da Casa de Santa Marta, um lugar que pode acolher cerca de cem pessoas (pessoal do Vaticano, membros da Cúria, paroquianos romanos, visitantes do estrangeiro, etc.). Tal como Pio X, no início do século XX, o Papa argentino convida muitos forasteiros para a sua missa diária das 7h00. O Papa polaco fez o mesmo, mas a assistência foi muito mais reduzida, cerca de 15 pessoas, pois São João Paulo II celebrou a missa na pequena capela privada dos apartamentos papais, onde Francisco se recusou a viver. Quanto a Bento XVI, celebrou a eucaristia apenas na presença dos seus dois secretários, do seu mordomo e dos quatro leigos consagrados que trabalham no seu serviço quotidiano.
Enquanto João Paulo II e depois Bento XVI tomavam o pequeno-almoço na sala de jantar do terceiro andar do Palácio Apostólico, Francisco toma as suas refeições numa sala comum da Casa de Santa Marta, utilizada pelos cardeais durante os conclaves e, noutros momentos, por bispos, padres e religiosos em visita ao Vaticano. Contrariamente ao que se pensa, o papa tem mudado regularmente de residência. Pio IX viveu no Palácio do Quirinal (actual Palácio Presidencial) até 1870. Eleito em 1878, Leão XIII quis que o seu apartamento tivesse vista para os jardins do Vaticano. Pio X permaneceu onde tinha residido durante a eleição cardinalícia de 1903, no terceiro andar do palácio. Contrariamente à lenda, os apartamentos pontifícios eram sóbrios e até austeros, de tal modo que, quando Bento XVI foi eleito, pediu que todo o complexo fosse renovado (remoção de tapetes, trabalhos de pintura, adaptação da electricidade e da cozinha). Assim, não é tanto o apartamento pontifício que Francisco se recusa a habitar, mas o isolamento do local. O Papa argentino prefere a vida comunitária da Casa de Santa Marta, enquanto Bento XVI optou por um estilo de vida mais monástico.
De facto, são as várias salas do segundo andar do Palácio Apostólico que revelam o esplendor e a beleza do período renascentista: a Sala Clementina, a Sala do Consistório, os camarins de Rafael, etc. No final da manhã, o papa recebe os chefes de Estado, os bispos em visita Ad limina apostolorum (no limiar dos túmulos dos apóstolos Pedro e Paulo) e quaisquer outros convidados que tenham solicitado uma audiência. A audiência pode ser pública ou privada, formal ou mais informal. Durante uma audiência, o Santo Padre pode cumprimentar alguém durante alguns segundos, falar-lhe demoradamente ou mesmo proferir um discurso, como é habitual, por exemplo, aquando da apresentação das credenciais dos embaixadores nomeados junto da Santa Sé. O papa pode também receber grupos e outras associações a quem dirige um discurso sobre um determinado tema. Os encontros privados têm sempre lugar na biblioteca contígua à Sala Clementina. Às quartas-feiras, o Pontífice dá uma audiência pública com a presença de vários milhares de fiéis na Praça de São Pedro ou na Sala Paulo VI, à esquerda da basílica. O papa faz sem- pre um discurso ou uma catequese em italiano, que depois resume em várias línguas. Por fim, abençoa a multidão. Aos domingos, ao meio-dia, aparece à janela do seu gabinete privado, no terceiro andar, para recitar a oração do Angelus e abençoar de novo a multidão que o vem saudar. É neste mesmo gabinete que passa a maior parte da sua manhã: todas as manhãs lê um panorama da imprensa internacional, prepara a sua agenda com as suas secretárias, consulta o seu correio pré-seleccionado, escreve ou dita respostas. Por fim, mergulha nos dossiers recebidos pelos vários serviços do Vaticano. O Santo Padre é acompanhado pelo prefeito da Casa Pontifícia, que o assiste em todas as suas tarefas, tanto dentro como fora do Vaticano.
Depois dos seus deveres matinais, o papa almoça. As ementas são variadas e ao seu gosto. Naturalmente, cada papa tem as suas próprias preferências culinárias, que um guarda suíço apresentou recentemente num livro de cozinha ilustrado. Depois do almoço, o chefe da Igreja Católica faz uma sesta e depois exercita-se passeando nos jardins do Vaticano ou no terraço dos seus apartamentos. O passeio é um momento de oração: o bispo de Roma recita o seu rosário, detém-se diante de uma reprodução da gruta de Lourdes ou lê o seu breviário (livro que contém a Liturgia das Horas). No entanto, desde o final do século XIX e com o advento dos desportos de lazer, vários papas têm-se revelado especialistas em várias disciplinas. Antes de ser papa Pio XI, Achille Ratti era alpinista, a ponto de ter aberto uma nova via de acesso ao cume do Monte Branco, que tem agora o seu nome! Antes dele, o frágil Leão XIII gostava de caçar. O austero Pio XII mandou instalar um ginásio no Palácio do Vaticano. Paulo VI contentava-se com um terraço arborizado por cima do palácio. João Paulo II mandou construir uma piscina na residência de Verão dos papas, Castel Gandolfo. Sabemos também que o Papa polaco gostava de esquiar e de passear nas montanhas do Lácio e dos Abruzos. O seu secretário, Stanislas Dziwisz, contou estas escapadelas, que inicialmente eram quase secretas, mas que, por razões óbvias de segurança, foram mais tarde supervisionadas mais de perto. Contrariamente à lenda, embora não fosse um grande desportista como o seu antecessor, Bento XVI era um caminhante entusiasta e andava muito de bicicleta, uma vez que nunca fez o exame de condução. De facto, mandou instalar uma bicicleta ergométrica no palácio após a sua eleição.
Às 15h30, o papa volta ao trabalho: escreve, lê e corrige as homilias e os discursos que deve pronunciar e trabalha nos diferentes textos do Magistério (encíclicas, cartas apostólicas, motu proprio, etc.). Mantém-se a par das grandes questões internacionais através da rede diplomática da Santa Sé e ouve os chefes dos seus dicastérios sobre os assuntos da Igreja antes de tomar decisões: A nomeação dos bispos, as questões doutrinais, os processos de beatificação ou canonização, as relações com os estados, os conflitos de interesses no seio da hierarquia, as reformas em curso... Em suma, governa o Estado da Cidade do Vaticano e uma Igreja de cerca de mil e trezentos milhões de fiéis com a ajuda do seu «primeiro-ministro», o secretário de Estado. Uma vez terminado o dia de trabalho, o papa divide as últi- mas horas do dia entre o jantar, a leitura e, mais raramente, visitas privadas. João Paulo II, tal como o seu sucessor, via na televisão as notícias italianas e internacionais e, mais raramente, um filme. Podia continuar a trabalhar nos dossiers que lhe eram enviados pelas congregações. O resto do seu tempo era dedicado à literatura. Francisco, por seu lado, nunca viu televisão, como tinha jurado quando era jovem. Pio XII foi o primeiro papa a introduzir o pequeno ecrã no Vaticano. Bento XVI, pelo contrário, acabava o dia a tocar o seu velho piano vertical Furstein Farfisa ou a ouvir música (Mozart, Bach, Palestrina, etc.). O papa deita-se mais ou menos cedo, mas não sem antes recitar uma última oração, as Completas, que literalmente «completa o dia»: porque se levanta cedo, Francisco deita-se cedo, às 21h00. João Paulo II costumava ficar acordado até às 23h00, depois de ter abençoado a cidade de Roma iluminada da sua janela.
O dia do papa, como o de qualquer chefe de Estado, é pontuado pelas obrigações do seu cargo. Francisco considera que o seu tempo é curto e, por isso, não tira férias, ao passo que os seus dois antecessores fizeram uma pausa de Verão. Durante este período, Bento XVI reuniu os seus antigos alunos em colóquios privados, continuando assim a sua obra de teólogo. Tal como João Paulo II, também João XXIII se ausentou do Vaticano, provocando suores frios aos serviços de segurança da República Italiana. São os raros momentos de uma vida privada que desaparece assim que se é eleito papa. Na prática, o papa já não pertence a si próprio e deve entrar no seu cargo com um espírito de serviço. Daí o antigo título Servo dos servos de Deus, Servus Servorum Dei. Em termos teológicos, segundo o Evangelho de São Lucas (22:32), o papel do papa é fortalecer os seus irmãos na fé. Daí a importância da deslocação, muito facilitada pelo desenvolvimento dos meios de transporte no século XX. O direito da Igreja, ou seja, o direito canónico, baseia-se num princípio: a salvação das almas, que é a lei suprema, Suprema lex salus animarum. Além das contingências quotidianas, o dia do papa e a sua acção devem basear-se neste duplo imperativo de fé e de salvação.
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