“No respeitante às despesas com pessoal, o valor orçamentado traduz um ritmo de crescimento inferior ao esperado no ano de 2019, pese embora se encontrem previstas para o ano de 2020 medidas novas e antigas de política remuneratória que requerem mais despesa nesta rubrica”, referem os peritos do parlamento no relatório de apreciação preliminar da proposta de Orçamento do Estado (POE) para 2020.
Segundo sustentam, “o valor estimado para estas medidas é superior ao acréscimo orçamentado, pelo que existem indícios de suborçamentação”, sendo que “o exercício de estimação da execução em 2019 que integra a POE reviu em alta a dotação inicialmente orçamentada, reconhecendo suborçamentação no planeamento desse ano”.
A POE/2020 prevê o aumento de 2,6% (566 milhões de euros) em encargos com trabalhadores, um crescimento que a UTAO nota ser “significativamente inferior” ao acréscimo de 4,5% (926 milhões de euros) esperado em 2019.
“As despesas com pessoal foram revistas em alta no âmbito da estimativa 2019, constituindo o maior desvio da despesa (+503 milhões de euros), indiciando algum grau de suborçamentação inicial no OE/2019, que parece ir repetir-se em 2020”, refere.
É que, explica, “encontram-se previstas na POE medidas de política orçamental que agravam esta rubrica de classificação económica, designadamente respeitantes ao descongelamento de carreiras e promoções, à revisão de carreiras e outros direitos e às atualizações salariais […] cujo valor agregado ascende a 715 milhões de euros”.
“Verifica-se, assim, que o acréscimo nominal de 566 milhões de euros previsto para as despesas com pessoal em 2020 é inferior em 149 milhões de euros ao valor conjunto das medidas de política orçamental com impacto nesta rubrica”, afirma a UTAO.
Na sua análise à POE/2020, aquela unidade técnica nota ainda que, “por ausência da informação solicitada ao MF [Ministério das Finanças], a UTAO não está em condições de confirmar se o acréscimo de despesa remuneratória decorrente das medidas de recrutamento para a saúde (4.200 profissionais) e transversais de técnicos qualificados (1.000 pessoas) já está incluído na previsão de despesa para 2020”.
No relatório distribuído aos deputados, a UTAO refere que “as novas medidas de política orçamental identificadas na Proposta de Orçamento do Estado para 2020 têm um impacto de -0,06% do PIB no saldo orçamental, sendo este contributo para a consolidação orçamental negativo pela primeira vez nos últimos cinco anos”.
Segundo diz, “com exceção do exercício de revisão da despesa e dos programas direcionados para o reforço da oferta de transportes públicos e do acesso à habitação, as novas medidas previstas pelo MF concretizam alterações cirúrgicas nas regras de vários impostos com um efeito líquido de redução na receita de 40 milhões de euros”.
A UTAO diz ainda ter procedido “a uma revisão do cenário de políticas invariantes da POE/2020, devido à discordância com a classificação de três medidas de política fiscal e a omissão de efeitos na receita das Administrações Públicas (AP) decorrentes de medidas antigas de política remuneratória com efeitos carreados (‘carry over’) para 2020”, sendo que, “na comparação com a quantificação recebida do MF no âmbito da POE/2020, a revisão da UTAO reduz o impacto líquido carreado no saldo orçamental de -837 milhões de euros para -594 milhões de euros”.
A unidade técnica do parlamento diz ter encontrado “também razões para rever a quantificação das chamadas medidas de política novas”, assim classificadas “por concretizarem novas orientações políticas com reflexo direto na receita ou na despesa das AP”.
Assim, “transitou para esta lista as três medidas de política fiscal que, na sua revisão anterior, retirou do elenco de medidas antigas e fez a mesma correção […] a efeitos na receita decorrentes da medida nova de atualização transversal de 0,3% nas tabelas remuneratórias da função pública (o contributo líquido da medida para o saldo passa de 70 milhões de euros para 40 milhões de euros)”.
Segundo acrescenta, “a diferença, face à quantificação do MF, no contributo líquido das medidas novas para o saldo orçamental é na ordem dos 10 milhões de euros e, por isso, residual”.
Relativamente às revisões feitas entre outubro e dezembro de 2019 na estratégia orçamental, a UTAO nota que “o saldo estrutural previsto para 2020 no PPO [Projeto de Plano Orçamental] de outubro valia -0,5% do PIB [Produto Interno Bruto] e passa na POE para 0% do PIB”, sendo que “esta melhoria projetada no saldo estrutural é acompanhada pela melhoria em 0,3 pontos percentuais de PIB no saldo orçamental sem que haja medidas de consolidação orçamental”.
Contudo, segundo os peritos do parlamento, “não foi possível esclarecer com os elementos que constam do Relatório da POE/2020 nem em questões colocadas ao Ministério das Finanças quais as razões que determinaram a revisão do cenário de políticas invariantes e que levaram a que o Ministério das Finanças passasse a assumir para o saldo estrutural aquela dinâmica de evolução virtuosa, que contrasta com a projetada dois meses antes no PPO/2020 de outubro”.
Na sua análise, a UTAO levanta ainda dúvidas relativamente ao crescimento de 5,8% da receita efetiva prevista na POE/2020, “suportado por contributos equivalentes da componente fiscal e contributiva e da componente não fiscal nem contributiva”.
Para o organismo técnico, “esta projeção não parece ser consonante com o observado no ano de 2019” e “não se encontra suficientemente fundamentada a expectativa de mudança na composição dos acréscimos da receita cobrada face ao padrão dos anos anteriores”.
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