“Porque não?”. Estas foram as palavras escolhidas pela comissária da Concorrência para descrever o espírito da Web Summit. Mas num mundo de possibilidades infinitas, potenciadas pela tecnologia, é preciso garantir que neste ‘recreio’ não há bullys.
“E se o espírito [inovador] não for suficiente? E se aquilo que está a travar a inovação é a atuação das empresas mais poderosas?”, questionou Vestager, de vestido azul, sorriso rasgado, perante CEO's, empreendedores, empresários e jornalistas. "Nesse caso, precisamos de regular a concorrência, porque a concorrência faz a inovação funcionar", respondeu. Esta obriga-nos a aprender, adaptar, crescer, "fazer coisas que antes não achávamos possíveis", acrescentou.
Nesse sentido, “é problemático quando as grandes empresas que dominam o mercado decidem usar o seu poder para travar a concorrência", disse, atribuindo a players como a Google — à qual não poupou críticas — uma “responsabilidade especial”.
Vale recordar que a Comissão Europeia decidiu, em junho de 2016, multar a gigante tecnológica em 2,42 mil milhões de euros por abuso de posição dominante, ao dar vantagem ilegal ao seu próprio serviço de comparação de preços. “Multámos a Google porque não estava à altura dessa responsabilidade especial”, disse a comissária europeia no Main Stage da Web Summit.
“A Google podia ter melhorado a sua ferramenta de comparação de preços quando viu que esta não estava a ter os resultados esperados, mas decidiu fazer outra coisa: usar o poder do seu motor de busca para limitar a concorrência”, resumiu Vestager. E para ‘pôr o dedo na ferida’ a comissária desafiou a plateia, cheia daqueles que legitimamente sonham ser a próxima Google: “Quantos de vocês gostariam de ver a vossa empresa na página quatro dos resultados de um motor de busca?”. Silêncio.
Mas a Google não foi a única visada. Também a Apple foi referida nesta intervenção. “Quando um governo oferece condições fiscais únicas a apenas algumas empresas, algo que não está disponível para a maioria, isso dificulta a concorrência”, referiu, aludindo as ajudas estatais consideradas ilegais oferecidas pela Irlanda à marca da maçã no valor de 13 mil milhões de euros. E se a 'ordem de cobrança' teve lugar em agosto de 2016, o facto é que o tema se arrasta, tendo a Comissão Europeia decidido em outubro deste ano apresentar queixa contra o país por ainda não ter cobrado o montante devido pela tecnológica.
Microsoft, outro exemplo, desta vez para dar conta de que no mundo digital informação é, literalmente, poder. Quando a gigante comprou o LinkedIn, a Comissão Europeia procurou saber se a quantidade de dados adquiridos pela Microsoft com esta fusão iria limitar a concorrência. Não foi o caso, mas Vestager deixou uma garantia: “Se [a acumulação de] Big Data for um obstáculo à concorrência, iremos fazer o que estiver ao nosso alcance para o travar”.
“Nenhuma empresa tem o direito de anular a concorrência”, concluiu, explicando desta forma o papel dos reguladores, cuja ambição não é travar o sucesso, mas garantir que “ninguém está acima da lei”, e que o êxito é fruto da capacidade de inovar e não de um qualquer esquema ou favor.
Olhando para o futuro, Vestager considera que, num mundo onde a Internet e a economia digital fazem parte do dia-a-dia de todos nós, o “grande desafio” não é das ideias mas de “confiança”, especificamente ao nível da proteção dos dados.
Atualmente, só um em cada quatro europeus acredita que está protegido na Internet, disse Vestager, aproveitando para fazer uma esperançosa referência ao novo regulamento europeu para proteção de dados que entra em vigor no início do próximo ano, e cujas determinações, considera, devem ser adotadas como parte do negócio, porque “a forma como as empresas tratam as pessoas importa, não apenas os funcionários, mas os clientes”.
Contas feitas, o mais importante é que “a tecnologia possa servir a sociedade e não o contrário”.
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