Dezoito meses depois dos ‘Panama Papers’, que incidiam sobre fraude fiscal, o Consórcio Internacional dos Jornalistas de Investigação (ICIJ, na sigla em inglês), que reúne 96 órgãos de comunicação social de 67 países, começou no domingo a desvendar a sua nova investigação, após um ano de trabalho assente na fuga de informação de 13,5 milhões de documentos financeiros, provenientes nomeadamente da sociedade internacional de advogados Appleby, sediada nas Bermudas.
A União Europeia considerou as revelações chocantes e exigiu “sanções dissuasivas”.
Referido nos documentos, Wilbur Ross, o secretário do Comércio da administração Trump, considerou que não há “absolutamente nada de repreensível” no facto de deter 31% da Navigator Holdings, uma empresa de transporte marítimo que tem como um dos principais clientes a empresa russa de gás e produtos petroquímicos Sibur.
Ora, entre os proprietários da Sibur estão Guennadi Timtchenko, próximo do Presidente russo, sancionado pelo Tesouro norte-americano após a anexação da Crimeia, e um genro de Vladimir Putin, segundo o diário The New York Times.
“Não existem ligações ao nível dos conselhos de administração, nem ao nível dos acionistas, eu não tenho nada que ver com a negociação desse acordo” comercial entre a Navigator e a Sibur, defendeu-se Wilbur Ross na televisão pública britânica BBC.
Sublinhou igualmente que o contrato tinha sido negociado antes de ele integrar o conselho de administração da Navigator e que a empresa Sibur, em si mesma, “não foi sancionada”.
O governante norte-americano indicou, todavia, à Bloomberg TV que vai “provavelmente” ceder o resto das ações que detém na Navigator.
“Eu estava prestes a vendê-las, de qualquer maneira, mas não por causa de tudo isto”, observou.
Contactado pela agência noticiosa francesa AFP, o Departamento do Comércio dos Estados Unidos disse considerar que o secretário respeita as normas do Governo.
Um antigo responsável do gabinete de ética durante a presidência de George W. Bush, Richard W. Painter, sustentou contudo que o caso de Wilbur Ross poderá levantar questões éticas.
O ICIJ pôs igualmente a nu estratégias de "otimização fiscal" de outros altos dirigentes políticos.
A rainha de Inglaterra, Isabel II, dispõe, assim, através do Ducado de Lancaster, propriedade privada da soberana e fonte de receitas, de uma dezena de milhões de libras esterlinas em fundações nas Ilhas Caimão e nas Bermudas, segundo a BBC e o jornal The Guardian.
As verbas colocadas nesses paraísos fiscais estão investidas em numerosas empresas, entre as quais a Brighthouse, uma empresa de aluguer com opção de compra de móveis e material informático acusada de lucrar com a miséria alheia, ou ainda uma cadeia de lojas de bebidas alcoólicas atualmente em processo de falência.
“Todos os nossos investimentos estão a ser alvo de uma auditoria completa e são legítimos”, disse à AFP uma porta-voz do Ducado de Lancaster.
“Efetuamos um certo número de investimentos, alguns dos quais em fundações no estrangeiro”, disse a porta-voz, acrescentando que estes representam apenas 0,3% do valor total do Ducado.
O líder da oposição britânica, o trabalhista Jeremy Corbyn, classificou, no entanto, a situação como “escandalosa” e exigiu que sejam “fortemente punidas” pessoas com fortuna pessoal ou multinacionais que lucram com as falhas do sistema para pagar o mínimo de impostos possível.
No Brasil, os ministros da Economia e da Agricultura, Henrique Meirelles e Blairo Maggi, negaram, por sua vez, qualquer irregularidade, depois de os seus nomes terem sido ligados a sociedades ‘offshore’ em paraísos fiscais.
No Canadá, o multimilionário Stephen Bronfman, à frente da antiga empresa de vinhos e bebidas espirituosas Seagram, colocou, com o seu padrinho Leo Kolber, 60 milhões de dólares norte-americanos (52 milhões de euros) numa sociedade ‘offshore’ nas Ilhas Caimão, revelou o jornal Toronto Star.
Este amigo de Justin Trudeau, responsável pela angariação de fundos para o Partido Liberal canadiano na campanha eleitoral de 2015, poderá tornar-se uma pedra no sapato do primeiro-ministro, eleito após prometer reduzir as desigualdades e justiça fiscal.
Os responsáveis políticos russos desvalorizaram também diversas fugas de informação dos ‘Paradise Papers’ sobre duas empresas públicas, a VTB, o segundo maior banco russo, sujeito a sanções dos Estados Unidos e que terá investido na rede social Twitter, e a Gazprom, a gigante petrolífera russa, que terá financiado indiretamente um veículo de investimento que tem ações da rede social Facebook.
“[Estas fugas de informação tentam] inflamar os ânimos com formulações confusas”, acusou um responsável do Senado russo, Constantin Kosachev, citado pela agência oficial RIA Novosti.
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