O projeto de lei de iniciativa de cidadãos, com 20.669 assinaturas, pela suspensão do AO, foi entregue há mais de ano, passou de uma legislatura para a outra, e está na comissão parlamentar de Cultura, que pediu um parecer sobre a sua constitucionalidade à comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias.
Na quarta-feira, a comissão de Assuntos Constitucionais vai apreciar e votar o "parecer sobre a constitucionalidade do projeto de lei nº 1195", que deu entrada em 10 de abril do ano passado, e que não caducou com a entrada em funções do parlamento eleito nas eleições de 2019, ao contrário de projetos dos partidos.
O parecer já foi apresentado na reunião anterior por Pedro Delgado Alves, que concluiu que nas convenções internacionais, como é o Acordo Ortográfico, a sua "vinculação ou desvinculação" estão dentro "da reserva de iniciativa do Governo", de acordo com a Constituição.
O artigo 197.º, sobre a competência política, determina que cabe ao Governo "negociar e ajustar convenções internacionais".
Pelo que este tipo de decisão “não se insere na esfera de competências legislativa da Assembleia da República", argumentou Pedro Delgado Alves na apresentação do parecer aos deputados da comissão.
Além do mais, defendeu ainda, a iniciativa legislativa de cidadãos é para propor legislação e a "desvinculação" de uma convenção internacional é feita através de uma proposta e resolução.
O parlamento tem competência política para aprovar a adesão ou desvinculação a convenções internacionais, que devem ser propostas pelo Governo à Assembleia da República, através de uma resolução e não de uma lei.
A alternativa, para Delgado Alves, seria o grupo de cidadãos entregarem uma petição para que a Assembleia da República recomende ao executivo a desvinculação do Acordo Ortográfico ou apresentar essa petição, com o mesmo objetivo, diretamente ao Governo.
Depois de votado, a discussão deverá prosseguir na comissão de Cultura.
O direito de iniciativa legislativa dos cidadãos, previsto no artigo 176.º da Constituição, foi regulamentado em lei em 2017 e permite que grupos de cidadãos eleitores possam apresentar projetos de lei e participar no procedimento legislativo a que derem origem.
Este projeto de apenas três artigos propõe que a Assembleia da República revogue a resolução, também do parlamento, que aprovou o acordo.
No artigo 1.º do texto pode ler-se que "a entrada em vigor do Acordo Ortográfico de 1990 fica suspensa por prazo indeterminado, para que sejam elaborados estudos complementares que atestem a sua viabilidade económica, o seu impacto social e a sua adequação ao contexto histórico, nacional e patrimonial em que se insere".
O segundo artigo propõe que a "ortografia constante de atos, normas, orientações ou documentos provenientes de entidades públicas, de bens culturais, bem como de manuais escolares e outros recursos didático-pedagógicos, com valor oficial ou legalmente sujeitos a reconhecimento, validação ou certificação, será a que vigorou até 31 de dezembro de 2009 e que nunca foi revogada".
O terceiro e último artigo estabelece que "este diploma revoga todas as disposições da Resolução da Assembleia da República n.º 35/2008, de 29 de julho, que com ele sejam incompatíveis".
A comissão representativa desta iniciativa legislativa de cidadãos é composta por Hermínia Castro, Luís de Matos, Isabel Coutinho Monteiro, Nuno Pacheco, Olga Rodrigues, Henrique Lopes Valente, Rui Valente e Maria do Carmo Vieira.
Em 2019, um grupo de trabalho parlamentar criado para avaliar o impacto da aplicação do Acordo Ortográfico terminou funções em 19 de julho, sem ter reunido consenso para uma possível alteração a esta convenção.
O grupo de trabalho foi criado em 2017 para avaliar o impacto da aplicação do AO de 1990 e, nos dois anos seguintes, estes dois anos, foram ouvidas várias entidades e personalidades, mas manteve-se a divergência entre os deputados sobre a matéria.
Entre os países da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), o Acordo Ortográfico de 1990 está em vigor em Portugal, no Brasil, em São Tomé e Príncipe e em Cabo Verde, enquanto Timor-Leste e Guiné-Bissau apenas o ratificaram, sem implementar. Falta ainda a ratificação do acordo por parte de Angola e de Moçambique.
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