Numa aparição inédita num comício em Faro, Pedro Passos Coelho recordou uma afirmação que fez em 2016, na Festa do Pontal, no Algarve, quando liderava o PSD na oposição: "Nós precisamos de ter um país aberto à imigração, mas cuidado que precisamos também de ter um país seguro".
"Na altura, o Governo fez ouvidos moucos disso, e na verdade hoje as pessoas sentem uma insegurança que é resultado da falta de investimento e de prioridade que se deu a essas matérias. Não é um acaso", sustentou.
Uma versão da história mais abordada por partidos à direta do PSD, nomeadamente o Chega, que pode ter várias interpretações. Na realidade, de acordo com o último Relatório Anual de Segurança Interna, de 2022, verifica-se que, nos últimos 17 anos, a criminalidade tem vindo a diminuir no geral. “Desde 2006, verifica-se que os valores registados atualmente (...) são consideravelmente inferiores, observando-se uma tendência de descida”, refere o relatório. Isto inclui a criminalidade violenta e grave, que em 2022 se fixou nos 3,9% de toda a criminalidade participada.
No entanto, esta tendência tem vindo a inverter-se nos últimos anos ao nível da criminalidade geral, tendo ocorrido uma subida no número de registos: mais 42.451 participações do que no período homólogo de 2021, ou seja, mais 14,1%. Adicionalmente, quanto à criminalidade participada, comparando com o período pré-Covid, ou seja, com 2019, houve uma subida de 2,5%.
No que diz respeito a imigrantes nas prisões nacionais, o relatório especifica que as prisões em Portugal estão sobretudo ocupadas por cidadãos nacionais, que representam 84,7% da população prisional em Portugal, tendo o valor relativo dos reclusos estrangeiros caído 3,8% na última década. Há 10 anos, a população prisional com nacionalidade portuguesa era de 76,4% do total de pessoas a cumprir pena nas prisões do país. Porém, vale notar que o número de estrangeiros em Portugal duplicou nos últimos 10 anos, segundo a Pordata.
Os imigrantes aumentam a criminalidade?
Segundo o relatório "Indicadores de Integração de Imigrantes" elaborado em 2023 pelo Observatório das Migrações, que cita o estudo dos valores europeus (European Values Study), Portugal pertence ao grupo restrito de países em que a maioria da população é da opinião de que os imigrantes não contribuem para o aumento da criminalidade na sociedade de acolhimento.
Ainda assim, em Portugal a percentagem de reclusos no sistema prisional era superior à percentagem de estrangeiros residentes em +7,5 pontos percentuais em 2022.
Este fenómeno é explicado por diferentes estudos nacionais, promovidos também pelo Observatório das Migrações, que concluem que a evolução do número de estrangeiros nas prisões portuguesas não está inteiramente correlacionada com a evolução dos fluxos imigratórios em direção a Portugal. Muitos dos reclusos estrangeiros são “indivíduos em trânsito”, ou seja, são estrangeiros, mas não imigrantes, não têm residência nem atividade profissional em Portugal.
Por outro lado, quando se olha para a criminalidade de estrangeiros, ou para a percentagem de reclusos estrangeiros no sistema prisional português, sublinha-se que os cidadãos estrangeiros estão, por comparação aos cidadãos portugueses, mais sujeitos à aplicação da medida de prisão preventiva perante a suspeita de crimes, facto que tem sido explicado pelo maior risco de fuga, pelo tipo de crime de que estão acusados e pela moldura penal que lhe está subjacente.
Realça-se ainda que a importância relativa de reclusos estrangeiros no sistema prisional português encontra-se abaixo de outros países da União Europeia.
A 1 de janeiro de 2022, segundo as estatísticas penais publicadas pelo Conselho da Europa, Portugal apresentava 14,3% de reclusos estrangeiros no sistema prisional, situando-se abaixo da média dos países europeus (24,8% em janeiro de 2022) e bastante longe dos valores nos países com maior importância relativa de reclusos estrangeiros, onde mais de metade da população reclusa tem uma nacionalidade estrangeira, como o Luxemburgo (72,5%), Grécia (58,6%) e Chipre (52,1%).
Os portugueses sentem-se inseguros com o aumento dos imigrantes?
Segundo o estudo 'Opinião pública sobre Imigração em Portugal', da Lisbon Public Law (Centro de Investigação em Direito Público da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa), partilhado recentemente pela agência Lusa, a "população portuguesa é, de uma forma geral, receptiva à imigração", mas pretende maior regulação e está preocupada com alguns riscos, ao mesmo tempo que considera a "comunidade brasileira como a mais bem integrada no país".
Este estudo foi feito a partir de 1000 entrevistas, em que 80,7% dos inquiridos "concordam com a regularização de imigrantes que trabalham e descontam para a segurança social" e 63,3% consideram que "os imigrantes devem ter acesso total ao SNS", mas apenas 10,7% "consideram que a imigração está controlada" e uma maioria (55,2%) elegeu "o facto de a imigração em Portugal estar descontrolada" como uma das suas principais preocupações.
"De uma forma geral, as respostas da população portuguesa traduzem uma atitude positiva face à entrada, permanência e acesso a direitos sociais por parte dos imigrantes no território nacional", referem os autores do estudo.
Ainda de acordo com o estudo, "78% dos inquiridos consideram que a imigração poderá comportar riscos" e "68,1% sublinha em especial a criminalidade ligada às redes de tráfico e imigração ilegal". Esta preocupação reflete-se também nos 60,5% que defendem "a expulsão do território dos imigrantes que cometem crimes".
No plano da convivência, o estudo indica que são poucos os que dizem existir ameaças ao modo de cultura portuguesa (38,4%) ou aos valores nacionais (22,6%). Dois em cada três (68,7%) consideram "importante Portugal receber imigrantes de dentro e fora da Europa" (68,7%), defendem uma "sociedade multicultural" (67,3%) e apontam a "maior disponibilidade de mão de obra" (64,2%) como uma vantagem.
"Apesar da atitude claramente 'aberta' em relação à imigração, a maior parte dos inquiridos demonstra pouca confiança nas atuais políticas públicas de regulação da imigração", pode ler-se no estudo.
Três em cada quatro (76,7%) consideram que "a imigração faz variar o preço das habitações", 45,4% indicam que "existem demasiados imigrantes em Portugal e perto de metade (48,7%) defendem quotas.
Qual a importância dos imigrantes para a Segurança Social e para a natalidade?
Apesar do argumento do antigo primeiro-ministro dizer respeito à segurança, vale notar que, de acordo com o mesmo estudo do Observatório das Migrações, os imigrantes foram responsáveis, em 2022, por um saldo positivo de 1.604,2 milhões de euros da Segurança Social, que é o “o valor mais elevado de sempre”, sendo que este grupo representa 7,5% do total da população. Este é um valor mais alto face aos últimos anos, tendo em conta que em 2019 os estrangeiros representavam apenas 5,7% de todos os residentes.
No total, em 2022 os estrangeiros contribuíram com, 1861 milhões de euros para a Segurança Social e só beneficiaram de cerca de 257 milhões de euros, representando 13,5% dos contribuintes do sistema.
No que diz respeito à natalidade, destaca-se também que os imigrantes já são mais de 750 mil, mas o seu peso (7,5% da população) não coloca Portugal entre os países europeus com maior número de estrangeiros.
Os brasileiros continuam a ser a maior comunidade, com cerca de 239,7 mil pessoas, e no ano letivo de 2021/2022, os alunos estrangeiros no ensino superior tinham um peso de 16,1% do total e no ensino básico e secundário corresponderam a quase 9%.
“Estando Portugal numa situação de acentuado envelhecimento demográfico, importa reconhecer que nem todos os perfis imigratórios poderão aliviar a situação demográfica do país: os estrangeiros reformados tendem a reforçar a importância relativa de idosos residentes e, ao contrário da população imigrante em idade ativa e em idade fértil que tradicionalmente o país recebeu nas últimas décadas, não atenuam o envelhecimento demográfico do país, mas antes acentuam-no”, refere o documento.
Neste sentido, destaca-se a taxa de natalidade entre estrangeiros, que continua a ser mais alta, proporcionalmente, do que a dos nacionais: as mulheres estrangeiras foram responsáveis por 16,7% do total dos nascimentos em Portugal. Por cada 1000 mulheres, houve mais do dobro da prevalência de nascimentos nas estrangeiras (38 nados-vivos por cada 1000 estrangeiras) do que nas portuguesas (14 nados-vivos por cada 1000 portuguesas).
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