Foi um Paulo Raimundo mais preparado para debates televisivos aquele que se apresentou esta noite frente ao líder do PSD, Luís Montenegro. Não sendo um debate decisivo, era o primeiro do calendário até às eleições legislativas de 18 de maio e existia uma natural expectativa de ver a postura do primeiro-ministro demissionário que se apresenta a votos na expectativa de ver renovada a confiança dos cidadãos.

Num debate de 30 minutos, o tema da ética ou da falta dela dominou os primeiros minutos. “Nós não temos dúvidas. Nós temos certezas. A situação que criou é incompatível com as funções que tem. (...) A atitude que se devia ter tomado era demitir-se. Era a atitude nobre que se devia ter tomado. Entendeu a não fazer. Entendeu fuga em frente para salvar”, afirmou Paulo Raimundo, a quem coube o arranque o debate.

“O que é que me acusam? Diga-me. Sinceramente, o que é que a minha atividade política sofreu do ponto de vista da sua contaminação de eu ter uma atividade profissional? Eu não tenho direito a ter profissão?  Eu não tenho direito a ter uma atividade profissional? E já agora a minha família não tem direito?”, retorquiu Luís Montenegro.

“Por favor, não venha fazer comigo uma coisa que tem estado a tentar fazer, mas comigo não, por favor. É a vitimização”, respondeu Paulo Raimundo, no final de uma troca de argumentos que precedeu a discussão do programa eleitoral e das ideias para a governação do país defendidas por cada um dos líderes parlamentares.

O essencial do debate em 5 pontos 

Quem ganhou em termos de presença / clareza?

Paulo Raimundo foi mais claro, beneficiando das posições conhecidas do PCP nas principais matérias.

Luís Montenegro mostrou-se aguerrido e confiante na estratégia definida para ultrapassar o tema Spinumviva que assenta em garantir que não houve qualquer impacto das suas funções profissionais e empresariais nas suas funções políticas.

Houve frases/momentos que se vão tornar virais? Quais?

Não houve frases que fiquem para a história, mas a selecionar uma de cada protagonista poderiam ser estas:

Paulo Raimundo: “Por favor, não venha fazer comigo uma coisa que tem estado a tentar fazer, mas comigo não, por favor. É a vitimização”

Luís Montenegro: “O PS pensa como o PCP” [sobre opções em matéria de destino dos impostos]

Que temas dominaram (e quais ficaram de fora)?

Ética, saúde, política fiscal e defesa. Falou-se superficialmente de habitação, não se falou de educação nem de imigração.

Quem esteve mais à vontade  e quem esteve mais pressionado?

Paulo Raimundo estava, à partida, menos pressionado, porque não chega às eleições depois de uma polémica em torno de si próprio e da sua conduta ética. Luís Montenegro evidenciou neste primeiro debate a linha que pretende seguir, assumindo os resultados de 10 meses de Governo como principal trunfo eleitoral.

Que impacto pode ter nas sondagens?

Não foi um debate que decidisse votos. Nem PCP, nem PSD terão ganho ou perdido votos após o debate entre os seus líderes.

Nos (poucos) minutos disponíveis que se seguiram não houve tempo para tudo. E a escolha de temas recaiu sobre a saúde, a política fiscal, o investimento em defesa, e, de forma ligeira, a habitação.

A moderadora lançou o tema da saúde invocando a entrega  à gestão privada prevista pelo atual governo, em 2026, de cinco hospitais, Braga, Loures, Amadora Sintra, Vila Franca de Xira e Garcia de Horta em Almada, assim como 174 centros de saúde que estão agregados a estes hospitais. E lançou a pergunta: “Luís Montenegro, porquê é que os privados vão conseguir fazer melhor do que as atuais administrações?”.

“Não vale a pena estar a levantar fantasmas sobre a posição da AD, do PSD, do governo sobre isso. Vamos aproveitar aquilo que temos dentro do Serviço Nacional de Saúde para exponenciar toda a sua capacidade. Vamos encontrar melhores soluções de gestão para sermos mais eficazes a dar resposta aos cidadãos.Se isso significar parcerias público-privadas de gestão, vamos decidir e implementar”, responder o líder do PSD.

“Qual é o grande problema do Serviço Nacional de Saúde? É a falta de condições de gestão. Será que são todos incompetentes, são incapazes de gerir os hospitais, os centros de saúde? Não. A questão não é essa. O grande problema do Serviço Nacional de Saúde é a falta de profissionais. Médicos, enfermeiros e outros técnicos”, retorquiu Paulo Raimundo.

Pelo meio, o líder comunista invocou a propaganda do governo AD, entregando a Luís Montenegro e à moderadora, um documento do qual não deu visibilidade a quem assistia, mas a que aludiu no resto do debate como sendo revelador das falhas do governo. Um momento pouco conseguido, uma vez que não ficou percetível qual o conteúdo, nem a evidência que trazia para o debate.

Seguiu-se o tema da política fiscal, com Paulo Raimundo a questionar a baixa do IRC e o impacto na vida da população, nomeadamente das famílias. “. O que eu lhe perguntei foi qual é a consequência da descida dos impostos para as grandes empresas nos salários, na vida dos portugueses, daqueles que estão a trabalhar. Em quatro anos pagava aquilo que é uma das urgências nacionais, que é uma rede pública de creches, com 100 mil vagas. O Luís Montenegro é pai, eu sou pai. Muitos pais hoje estão confrontados com esta realidade. Os seus filhos chegam a casa com 774 euros de salário, que é aquilo que é o líquido do salário mínimo nacional. É preciso responder a isto”.

“Conseguimos um resultado que superou todas as expectativas. Um crescimento económico de 1,9%. Nós tivemos ou tínhamos inscrito no orçamento de 2024 pelo Partido Socialista uma receita de IRC na casa dos 8 mil milhões de euros. Sabe qual foi a receita do IRC com base no crescimento e no desempenho económico? Foram mais de 10 mil milhões.”

“Deixe-me dizer-lhe qual é a consequência de nós baixarmos o IRC depois de termos baixado o IRS. Porque se não for assim, vamos deixar que a atração de investimento vá para outros países e outras geografias e vamos perder os nossos jovens, aqueles que o preocupam e muito. Vamos perdê-los para o estrangeiro.”

A defesa foi o tema que encerrou o debate, espelhando as diferenças entre os dois partidos.

“Investir recursos públicos na guerra? Não, acho que não há nenhuma necessidade do país”, defendeu Paulo Raimundo. “O país tem que investir recursos, naquilo que são as forças armadas portuguesas para cumprir o seu desenho constitucional, isso sim. (...) Não precisamos de construir armas, nem bombas. Nós precisamos é de construir medicamentos, precisamos de produzir medicamentos, precisamos de produzir mais alimentos, precisamos de construir comboios.”

“Para que fique muito claro, também não trocamos as políticas sociais para investimento em defesa. São duas coisas cumulativas. Quando apoiamos, por exemplo, a Ucrânia, apoiamos a defesa dos direitos humanos. Apoiamos a defesa da integralidade do território do país europeu. Apoiamos o direito que as pessoas têm às suas liberdades. E, portanto, não estamos a apoiar a guerra, estamos a apoiar a democracia", disse Luís Montenegro.

Síntese do debate:

  • Ética e Conflito de Interesses
    Paulo Raimundo criticou Luís Montenegro por não se demitir devido a um suposto conflito de interesses com a empresa de que foi fundador. Montenegro defende que não houve benefício pessoal e que sua conduta foi ética.
  • Gestão da Saúde
    Montenegro defende parcerias público-privadas para melhorar a gestão de hospitais. Raimundo critica a transferência de recursos públicos para o setor privado e defende a valorização dos profissionais de saúde.
  • Política Fiscal
    Montenegro destaca a redução de impostos e aumento de pensões como conquistas do governo. Raimundo critica a descida do IRC, argumentando que poderia financiar uma rede pública de creches.
  • Receita do IRC
    A receita do IRC superou as expectativas em 2024, atingindo mais de 10 mil milhões de euros, superando a estimativa inicial de 8 mil milhões de euros devido ao crescimento económico de 1.9%, defendeu Luís Montenegro. A descida dos impostos para grandes empresas não resultou em melhorias significativas nos salários dos trabalhadores, nem na oferta de serviços sociais, defendeu Paulo Raimundo.
  • Investimento em defesa
    O líder do PSD defendeu que é necessário para proteger a soberania e direitos humanos, enquanto o líder do PCP critica o uso de recursos públicos para fins militares.
  • Habitação
    Foi mencionado o aumento de novas habitações públicas de 26 mil para 59 mil, mas apenas com 2 mil entregues, mas não houve tempo para um debate aprofundado sobre o tema.