Na sexta-feira, as delegações russa e ucraniana abandonaram Istambul depois de terem concluído um dia de negociações diretas sem resultados significativos.

A delegação ucraniana, liderada pelo ministro da Defesa, Rustem Umerov, reuniu-se primeiro com o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, na presença do ministro dos Negócios Estrangeiros turco, Hakan Fidan, e depois com a delegação russa, chefiada pelo conselheiro presidencial Vladimir Medinsky, que também foi recebido pelo chefe da diplomacia do país anfitrião.

"Hoje foi um dia importante para a paz mundial. Graças aos intensos esforços diplomáticos, as delegações russa e ucraniana realizaram uma reunião em Istambul, com o apoio da Turquia", escreveu Fidan na rede social X após as conversações dos representantes de Kiev e Moscovo, que duraram menos de duas horas.

Além de concordarem com a troca de mil prisioneiros de cada lado — que vai acontecer na próxima semana — "como medida de construção de confiança", também "chegaram a um acordo para partilhar por escrito as condições em que um cessar-fogo poderia ser acordado", relatou o ministro turco.

"Houve um acordo em princípio para nos voltarmos a reunir", acrescentou Fidan, sublinhando que a Turquia continuaria a fazer "esforços para ajudar a alcançar uma paz duradoura entre a Rússia e a Ucrânia", ao fim de mais de três anos desde o início da invasão russa do país vizinho.

"A Ucrânia está pronta para tomar medidas o mais rapidamente possível para alcançar a paz real, e é importante que o mundo mantenha uma posição forte", afirmou Zelensky nas redes sociais a seguir ao telefonema conjunto.

Zelensky reiterou que a posição da Ucrânia é manter a pressão sobre a Rússia até que "esteja pronta para acabar com a guerra", afirmando que acredita que "se os russos rejeitarem um cessar-fogo completo e incondicional e o fim dos assassínios", merecem fortes sanções.

Entretanto, o secretário de Estado norte-americano, Marco Rubio, disse que o Vaticano poderá ser local para conversações de paz entre Rússia e Ucrânia, depois de o Papa ter prometido “todos os esforços” para ajudar a acabar com a guerra.

O Vaticano pode ser mediador da paz?

Em declarações aos jornalistas em Roma, antes de se encontrar com o cardeal Matteo Zuppi, atual presidente da Conferência Episcopal Italiana, Rubio disse que iria discutir as possíveis formas de ajuda do Vaticano, “o estado das conversações, as atualizações (…) e o caminho a seguir”.

Questionado sobre se o Vaticano poderia ser um mediador de paz, Rubio respondeu: “Não lhe chamaria mediador, mas (…) é um sítio onde ambas as partes se sentiriam confortáveis em ir”.

“Portanto, falaremos sobre tudo isso e, obviamente, estaremos sempre gratos ao Vaticano pela sua disponibilidade para desempenhar este papel construtivo e positivo”, disse Rubio, na Embaixada dos Estados Unidos da América em Roma.

O caminho começou com o Papa Francisco. Como?

O Vaticano tem uma tradição de neutralidade diplomática e há muito que vinha a oferecer os seus serviços para tentar facilitar as conversações, mas viu-se marginalizado durante a guerra total, que começou em 24 de fevereiro de 2022.

O Papa Francisco, que muitas vezes irritou ambos os lados com os seus comentários, confiou a Zuppi um mandato para tentar encontrar caminhos de paz. Mas o mandato parecia restringir-se a ajudar a facilitar o regresso de crianças ucranianas levadas pela Rússia, embora a Santa Sé também tenha conseguido mediar algumas trocas de prisioneiros.

Como é que Leão XIV vai tratar o tema da guerra?

Leão XIV retomou o apelo de Francisco à paz na Ucrânia na sua primeira bênção dominical como pontífice. Apelou a todas as partes para que façam tudo o que for possível para alcançar “uma paz autêntica, justa e duradoura”.

O Papa, que quando era bispo no Peru tinha chamado à guerra na Ucrânia uma “invasão imperialista”, prometeu esta semana pessoalmente “fazer todos os esforços para que a paz prevaleça”.

Num discurso dirigido aos católicos de rito oriental, incluindo a Igreja Greco-Católica da Ucrânia, Leão XIV implorou às partes em conflito que se reunissem e negociassem.

“A Santa Sé está sempre pronta a ajudar a reunir os inimigos, cara a cara, para falarem uns com os outros, para que os povos de todo o mundo possam voltar a encontrar esperança e recuperar a dignidade que merecem, a dignidade da paz”, afirmou.

Há mais figuras no Vaticano a falarem deste esforço de paz?

O Secretário de Estado da Santa Sé, cardeal Pietro Parolin, reiterou a oferta do Vaticano para servir de local para conversações diretas, dizendo que o fracasso das negociações em Istambul para chegar a um cessar-fogo esta semana foi “trágico”.

“Esperávamos que se iniciasse um processo, lento, mas positivo, para uma solução pacífica do conflito”, disse Parolin à margem de uma conferência, acrescentado: “Mas, em vez disso, voltámos ao início”.

Questionado sobre o que implicaria concretamente uma tal oferta, Parolin disse que o Vaticano poderia servir de local para um encontro direto entre as duas partes.

“O objetivo seria chegar a isso, que pelo menos conversassem. Veremos o que acontece. É uma oferta de um lugar”, afirmou.

“Sempre dissemos, repetidamente, às duas partes que estamos à sua disposição, com toda a discrição necessária”, afirmou Parolin.

Em que outras iniciativas diplomáticas se tem envolvido a Santa Sé?

O Vaticano conseguiu o que foi talvez o maior feito diplomático do pontificado de Francisco quando facilitou as conversações entre os Estados Unidos e Cuba, em 2014, que resultaram no reatamento das relações diplomáticas.

A Santa Sé também tem sido frequentemente anfitriã de iniciativas diplomáticas muito menos secretas, como quando reuniu os líderes rivais do Sudão do Sul, em 2019. O encontro ficou célebre com a imagem de Francisco a inclinar-se para beijar os pés dos líderes rivais, pedindo-lhes que fizessem a paz.

Talvez a iniciativa diplomática mais crítica da Santa Sé tenha ocorrido durante o auge da crise dos mísseis cubanos, quando, no outono de 1962, o primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev ordenou a instalação secreta de mísseis nucleares em Cuba, que foram rapidamente detetados por aviões espiões americanos.

Enquanto a administração Kennedy ponderava a sua reação, com a ameaça de uma guerra nuclear a pairar no ar, o Papa João XXIII apelou à paz num discurso público na rádio, num discurso aos embaixadores do Vaticano e escreveu também em privado a Kennedy e a Khrushchev, apelando ao amor dos dois pelos seus povos.

Muitos historiadores consideram que os apelos de João XXIII ajudaram ambas as partes a afastarem-se da iminência de uma guerra nuclear.

*Com Lusa